Para entender a questão do candidato
eleito, prefeito ou governador, que foi cassado pelo Poder Judiciário.
REFLEXOS DA DECISÃO NO RESULTADO DA
ELEIÇÃO[1]
- Julgada procedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo - AIME, tem-se como efeito natural – com relação ao
qual não há nenhuma discussão – a cassação do mandato conferido ao impugnado.
- Todavia, a partir dessa conseqüência, indaga-se:
1º) Os votos conferidos ao candidato cassado devem ser considerados
nulos e, se for o caso, realizam-se novas eleições?
2º) Ou simplesmente se dá posse ao suplente ou ao candidato mais bem
votado depois do impugnado?
- Aqui, faz-se necessário um parêntese, para explicitar, de forma
sucinta, as linhas mestras do sistema de normas que disciplina os efeitos
decorrentes da nulidade das eleições (art. 219 a art. 224, CE), a fim de
permitir uma melhor compreensão da matéria e, por conseguinte, antever a
solução mais adequada para o embate.
- A legislação vigente elenca expressamente as hipóteses em que a votação é nula – conhecimento de ofício e sem possibilidade de convalidação – ou,
por outro lado, anulável – prescinde
de contestação oportuna, sob pena de ser convalidada –, sendo que entre essas
últimas encontram-se os comportamentos descritos pelos arts. 222 e art. 237 do
Código Eleitoral, a saber:
Art. 222. É também anulável a votação quando viciada de falsidade,
fraude, coação, uso de meios de que trata o art. 237, ou emprego de processo de
propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei.
Art. 237. A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do
poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e
punidos.
- Assim, devidamente comprovada a ocorrência de quaisquer das
indigitadas condutas, a votação deverá ser anulada.
- No caso de eleição majoritária,
se a nulidade da votação atingir mais de 50% dos votos da circunscrição
eleitoral, cujo cargo esteja em disputa (presidencial, federal, estadual ou
municipal), deverá ser convocada a realização de novo pleito no prazo de vinte a quarenta dias (art.
224, CE).
- Não deverão ser incluídos nesse cálculo os votos nulos decorrentes de
manifestação apolítica do eleitor, conforme recente decisão da Corte Superior
(TSE, MS n. 3.438).
- Já na hipótese de eleição
proporcional, a nulidade dos votos somente se operará com relação ao
impugnado, remanescendo inalterada a sua validade para fins de contagem de
sufrágios para a legenda, circunstância que não alteraria, por conseguinte, os
cálculos dos quocientes eleitoral e partidário que definem o número de vagas a
serem preenchidas por cada partido ou coligação.
- Assim, não caberia a realização
de nova eleição proporcional, mas a convocação do suplente do impugnado
(art. 175, § 4º, CE).
- Entre os doutrinadores eleitorais mais renomados, Pedro Henrique
Távora Niess (2000), um dos poucos a tratar do assunto, se não o único, defende
a aplicabilidade de referidas regras às decisões proferidas no âmbito da ação
impugnatória.
- De início, porém, não era essa a posição consolidada na jurisprudência
do Tribunal Superior Eleitoral (MC n. 1.851, REsp. n. 21.432, MC n. 1.320) que,
em sentido oposto, havia fixado o entendimento de que o disciplinamento da
nulidade de votos do Código Eleitoral não alcançaria os pronunciamentos
judiciais proferidos em ações impugnatórias, razão pela qual os sufrágios
conferidos aos candidatos cassados deveriam ser considerados válidos.
- Esse posicionamento se fundamentava, substancialmente, no argumento de
que a AIME tem por objeto a desconstituição do mandato outorgado e não a
anulação de votos, razão pela qual a sua procedência não acarretaria a
renovação do pleito, e sim a diplomação do candidato remanescente mais bem
colocado.
- Isso porque, de acordo com essa posição, a hipótese do art. 224 do
Código Eleitoral incidiria somente nas hipóteses de nulidade de votos declarada
em face das situações previstas nos arts. 220 e 221 desse mesmo diploma ou,
ainda, em virtude do cancelamento de registro de candidato ou do diploma a ele
concedido, mas não no caso de cassação do seu mandato.
- Posteriormente, todavia, a jurisprudência da Corte Superior evoluiu
(TSE. MS n. 3644), a fim de firmar o entendimento de que as hipóteses fáticas a fundamentar a ação de impugnação de mandato
eletivo – abuso do poder econômico, corrupção e fraude – constituem práticas
que viciam a manifestação da vontade popular e, por isso, tornam inválidos os
votos conferidos aos candidatos cassados, pelo que haveria a necessidade de renovação
do pleito se a nulidade atingisse mais da metade dos votos, nos termos do
citado dispositivo.
- Nessa oportunidade, foi exaustivamente discutida a necessidade de se
observar ou não, no caso de dupla vacância dos cargos do Poder Executivo
municipal, a regra constitucional insculpida no art. 81 do texto
constitucional, in verbis:
Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República,
far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
§ 1º – Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período
presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da
última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.
§ 2º – Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de
seus antecessores.
- Após acirrados debates, conclui-se que a hipótese comporta solução
distinta, conforme a cassação do mandato decorra de causa eleitoral ou não
eleitoral.
- Destarte, o Tribunal Superior
Eleitoral posicionou-se no sentido de que a renovação das eleições em razão de
dupla vacância dos cargos da chefia do Poder Executivo deverá ser realizada de
forma direta quando a causa for eleitoral, ou seja, decorra da procedência
de ação de impugnação de mandato eletivo.
- Já na hipótese da causa não ser
eleitoral, o dispositivo constitucional em comento somente deve ser
observado em caso de eleições presidenciais, não sendo de aplicação obrigatória nos pleitos estaduais e municipais.
- Essa tese, brilhantemente defendida pelo Ministro Cezar Peluzo,
alicerçou-se em pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal que, à luz do
princípio federativo, expressam o entendimento de que as unidades federadas
possuem autonomia legislativa para definir a forma como deverão ser escolhidos
os sucessores dos chefes do Poder Executivo que tenham dado azo à dupla vacância
dos cargos. Logo, não competiria à Justiça Eleitoral decidir como deveriam ser
providos os cargos, e, sim, aos Estados e Municípios.
- Em reforço a esse fundamento, o citado julgador fez a seguinte
ponderação:
[...] o que me parece é que o disposto no art. 81, § 1º, da Constituição
da República, é norma excepcional, justificada pelos óbvios custos e
transtornos que a eleição presidencial direta implicaria no último biênio, e
que, como tal, não se aplica a nenhuma outra hipótese de eleição. Escusaria insistir
em que as exceções são de interpretação estritíssima. A regra geral da
Constituição – e, pois, a que incide no caso – é que todas as demais eleições
devam ser sempre diretas [TSE. MS n. 3.649].
- Pois bem, em que pesem os respeitáveis fundamentos apresentados, esse
posicionamento, salvo melhor juízo, encontra-se em descompasso com a legislação
eleitoral de regência e o sistema constitucional vigente.
- Primeiramente, exsurgem válidos e consentâneos com a natureza
intrínseca dos dispositivos constitucionais e legais atinentes à matéria os
argumentos a sustentar a inaplicabilidade do art. 224 do CE às decisões de
procedência da AIME.
- Com efeito, ainda que de difícil distinção, não há que se confundir a ação constitucional impugnatória com a ação
eleitoral destinada a reprimir as condutas previstas pelo art. 222 do Código
Eleitoral – investigação judicial eleitoral, representação eleitoral e
recurso contra expedição de diploma –, cujo provimento se encontra sujeito ao
comando normativo supramencionado. São ações
que, embora possam vir a possuir as mesmas partes e idênticas causas de pedir,
sempre pugnarão por pedidos distintos, por pronunciamentos judiciais diferentes.
Enquanto a primeira buscará a
desconstituição do mandato concedido ao candidato eleito, a segunda terá por
objetivo a anulação da votação.
- Ademais, a votação constitui fase inerente ao processo eleitoral, o
qual se encerra com a diplomação dos eleitos, pelo que justificável a
incidência das normas legais que o regulam. Já o mandato eletivo é instituto
constitucional que surge no mundo jurídico após encerrado o processo eleitoral,
razão pela qual reclama disciplinamento diverso.
- Nesse diapasão, tem-se que a ausência de legislação específica a
regrar a ação de impugnação de mandato eletivo e, por conseguinte, seus
efeitos, não constituem motivo suficiente para justificar a aplicação analógica
do Código Eleitoral, tendo em vista que é possível buscar nos preceitos
fundamentais que regem o preenchimento dos cargos de chefia do Poder Executivo
a solução constitucional e legalmente adequada para a hipótese fática sob
análise. Se não, vejamos.
- Em decorrência da procedência
da ação impugnatória, como já dito, o mandato eletivo é desconstituído,
sendo o mandatário, necessariamente, alijado do cargo que exercia.
- Por conseguinte, pode-se afirmar que o cargo restará vago,
considerando o sentido literal da palavra vacância:
Vacância. substantivo feminino 1 condição ou estado do que não se
encontra ocupado ou preenchido; vacatura, vagatura. Ex.: a v. de um cargo não
significa que tenha sido posto em perigo todo o cronograma desta operação; 2
período durante o qual isso ocorre; vacatura, vagatura. Ex.: a v. desse cargo
já se estende por cinco meses; 3 Rubrica: termo jurídico. Estado dos bens da
herança jacente que não foi reclamada pelos herdeiros dentro do prazo legal,
depois de realizadas as diligências legais; 4 Rubrica: física da matéria
condensada. m.q. buraco
- Estando vago o cargo, imperioso observar a regra constitucional que,
expressa e especificamente, disciplina essa situação no que se refere à
Presidência e Vice-Presidência da República, que, por simetria, é também
aplicável às chefias dos Poderes Executivos estaduais e municipais.
- A respeito desse ponto específico, não se pode aceitar a limitação
normativa imposta pela Corte Superior às regras estabelecidas pela Constituição
para o processo de escolha em face da vacância dos cargos do Executivo.
- É dizer, diante desse preceito fundamental, que a vacância dos cargos
do Executivo, em face da decisão que julga procedente determinada AIME, deve
sempre acarretar a realização de nova eleição direta, quando executável nos
dois primeiros anos do mandato, ou eleição indireta, na hipótese de ser
aplicável nos últimos dois anos do mandato, independentemente da unidade federativa
a que se refira.
- Não se pode olvidar que a solução proposta encontra arrimo não somente
na já destacada e necessária visão sistemática do Direito, mas, sobretudo, nos
princípios e regras interpretativas da Constituição, entre os quais destacam-se,
na lição de Alexandre de Moraes (2004, p. 46-47), citando Canotilho, o
princípio da máxima efetividade ou da eficiência, pelo qual o sentido a ser
atribuído a norma constitucional deve ser o que maior eficácia lhe conceda, e o
da força normativa da constituição, segundo o qual deverá ser adotada, entre as
interpretações possíveis, aquela que garanta maior eficácia, aplicabilidade e
permanência dos preceitos fundamentais.
- Inafastável, ainda, o princípio basilar da supremacia da Constituição,
que a coloca no vértice do sistema jurídico pátrio e impede seja suplantada
pelas demais normas jurídicas que o integram, as quais sempre deverão ser
interpretadas em observância e em consonância com o texto fundamental, sob pena
de incorrerem em flagrante inconstitucionalidade.
- Por derradeiro, importa notar que a leitura sugerida já foi
fervorosamente debatida pela Corte Superior, ao longo de quatro sessões entre
os dias 30.9.2003 e 6.11.2003, em razão do julgamento do Agravo de Instrumento
n. 4.396, da relatoria do Ministro Luiz Carlos Madeira (publicado no DJU de
6.8.2004, p. 159), cuja ementa está abaixo transcrita:
Agravo de instrumento. Provimento.
Recurso especial. Eleições municipais 2000. Constituição Federal, art.
81, § 1º. Incidência.
Não viola o § 1º do art. 81 da Constituição a convocação de eleições
indiretas, após o decurso dos dois primeiros anos de mandato, independentemente
da causa da dupla vacância.
Dissídio jurisprudencial. Não configurado. Decisão monocrática não se
presta para caracterizar dissídio jurisprudencial.
Recurso conhecido, mas desprovido.
- Embora a situação fática envolvesse a declaração de inelegibilidade no
bojo do julgamento de pedido de registro de candidatura, foi feita referência
expressa aos efeitos decorrentes da decisão de procedência da AIME.
- Na oportunidade formaram-se duas posições antagônicas sobre a
incidência do comando inserto no § 1º do art. 81 da Constituição Federal.
- A primeira capitaneada pelo relator, Ministro Luiz Carlos Madeira,
defendendo a aplicação dessa regra constitucional a todos os casos de dupla
vacância, sem se fazer qualquer análise acerca das razões que a motivaram, já
que não haveria distinção entre as vacâncias segundo as suas causas.
- A segunda, apresentada pelo Ministro Carlos Velloso, pugnando pela
observância desse dispositivo somente no caso de a vacância se dar por motivos
não afetos à jurisdição eleitoral – sem “índole eleitoral”4 –, ocorridos,
portanto, no decorrer do mandato, como o falecimento, a renúncia, a
desincompatibilização e a cassação de mandato pelo Poder Legislativo.
- Ao final, a tese sufragada pelo ministro-relator acabou preponderando,
corroborada pelos votos dos Ministros Barros Monteiro, Peçanha Martins e
Sepúlveda Pertence, vencidos os Ministros Carlos Velloso, Fernando Neves e Ellen
Gracie.
- Não há a menor dúvida de que essa decisão é paradigmática e deve
servir de suporte para a revisão que se faz necessária na jurisprudência
atualmente consolidada do Tribunal Superior Eleitoral a respeito dos efeitos
decorrentes da procedência da AIME, na medida em que o entendimento vigente,
salvo melhor juízo, passa ao largo dos princípios e regras interpretativas das
normas constitucionais.
[1] GARCIA, Marcus Cléo/SANTOS, Sheila Brito de Los. Ação de impugnação de mandato eletivo: efeitos da decisão de procedência. http://www.tre-sc.jus.br/site/resenha-eleitoral/edicoes-impressas/integra/arquivo/2012/junho/artigos/acao-de-impugnacao-de-mandato-eletivo-efeitos-da-decisao-de-procedencia/index95e4.html?no_cache=1&cHash=94e2e53f2d9df7e5ea49c7401fddfd3c
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