O ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Alberto Menezes Direito, apresentou nesta quarta-feira (10/12) seu voto-vista na ação que discute a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol (RR). O ministro decidiu pela preservação da demarcação conforme definida pela Portaria 534, alvo da ação judicial, mas impôs 18 restrições referentes à pesquisa e lavra de riquezas minerais e à exploração de potenciais energéticos, além de questões envolvendo a soberania nacional.
Menezes Direito defendeu a delimitação, como área indígena, da área que era tradicionalmente ocupada por índios em 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal e confirmou a regularidade do processo demarcatório feito pela Fundação Nacional do Índio (Funai), embora os laudos que fundamentaram a demarcação da área fossem assinados, respectivamente, apenas por um antropólogo.
“Há elementos que, mesmo não expressos em números, podem justificar a extensão geográfica das terras indígenas”, sustentou o ministro. Segundo ele, a área indígena não é definida apenas pelo lugar que os índios — que se deslocam freqüentemente, condicionados por fatores geográficos, econômicos e ecológicos de que depende a sua sobrevivência — ocupam, mas também pelas terras adjacentes em que ocasionalmente se locomovam.
“Não há índio sem terra. Tudo o que ele é o é na terra e com a terra”, assinalou, lembrando que também os costumes e as tradições indígenas são atrelados à terra. Citando o sociólogo Darcy Ribeiro na obra “A Política Indigenista Brasileira”, ele disse que “o índio é ontologicamente terrâneo. É um ser de sua terra. A posse da terra é essencial a sua sobrevivência”.
Crítica
O ministro se opôs a sistemática da Funai na demarcação de áreas indígenas. Sustentou a necessidade de os laudos que lastreiam a demarcação serem assinados por pelo menos três antropólogos. O ministro lembrou, também, que o artigo 231 da Constituição Federal define o direito dos indígenas sobre as áreas que tradicionalmente ocupam, mas lembrou que esse direito é limitado no que tange a soberania nacional e a exploração de riquezas minerais e ao aproveitamento de potenciais energéticos nessas áreas.
Menezes Direito advertiu que o STF precisa deixar claro que a Declaração Interamericana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de que o Brasil é signatário e que, freqüentemente, tem servido de inspiração para laudos de demarcação de terras indígenas assinados por antropólogos da Funai, não pode negar vigência às normas de hierarquia nacional, entre eles a soberania e o princípio federativo.
Áreas indígenas
O Brasil tem, conforme levantamento feito pelo ministro, 402 áreas indígenas já registradas e 21 estão em processo de registro, havendo ainda 24 já homologadas. No total, há 534 terras indígenas, não incluídas aquelas ainda em estudos na Funai.
A extensão total dessas áreas é de 1.099.744 quilômetros quadrados ou 12,92% de todo o território nacional, sendo que 187 delas se localizam em faixa de fronteira, enquanto 45 delas coincidem com áreas federais de conservação.
No estado de Roraima, são 32 terras indígenas, ocupando uma área total de 103.415 quilômetros quadrados, o que representa 46,11% de todo o território estadual, sendo que todas, exceto três, se localizam em área de fronteira.
A reserva Raposa Serra do Sol situa-se no Nordeste do estado, abrangendo os municípios de Normandia, Pacaraima e Uiramutã. Sua área total é de 1.747.464 hectares em 17.430 quilômetros quadrados ou 7,7% da área do estado. Isso corresponde à área de todo o estado de Sergipe ou mais da metade da área da Bélgica, que tem 30 mil quilômetros quadrados. Em termos populacionais, abriga 4,9% da população total de Roraima, que tem 395.705 habitantes.
Conheça as restrições impostas por Menezes Direito:
1 – O usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas pode ser suplantado de maneira genérica sempre que houver como dispõe o artigo 231 (parágrafo 6º, da Constituição Federal) o interesse público da União na forma de Lei Complementar;
2 – O usufruto dos índios não abrange a exploração de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre da autorização do Congresso Nacional;
3 – O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e a lavra de recursos naturais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional;
4 – O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, dependendo—se o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira;
5 – O usufruto dos índios fica condicionado ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;
6 – A atuação das Forças Armadas da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica garantida e se dará independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;
7 – O usufruto dos índios não impede a instalação pela União Federal de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além de construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e de educação;
8 – O usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica restrito ao ingresso, trânsito e permanência, bem como caça, pesca e extrativismo vegetal, tudo nos períodos, temporadas e condições estipuladas pela administração da unidade de conservação, que ficará sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;
9 – O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área de unidade de conservação, também afetada pela terra indígena, com a participação das comunidades indígenas da área, em caráter apenas opinativo, levando em conta as tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar com a consultoria da Funai;
10 – O trânsito de visitantes e pesquisadores não—índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pela administração;
11 – Deve ser admitido o ingresso, o trânsito, a permanência de não—índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela Funai;
12 – O ingresso, trânsito e a permanência de não—índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas;
13 – A cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público tenham sido excluídos expressamente da homologação ou não;
14 – As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico, que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade jurídica ou pelos silvícolas;
15 – É vedada, nas terras indígenas, qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutas, assim como de atividade agropecuária extrativa;
16 — Os bens do patrimônio indígena, isto é, as terras pertencentes ao domínio dos grupos e comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto no artigo 49, XVI, e 231, parágrafo 3º, da Constituição da República, bem como a renda indígena, gozam de plena isenção tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos taxas ou contribuições sobre uns e outros;
17 – É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;
18 – Os direitos dos índios relacionados as suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis
Leandro Eustáquio de Matos Monteiro
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