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A ORIGEM HISTÓRICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO[1]

Por Kleber Martins 

O Ministério Público não tem uma origem histórica comum nas diversas nações do mundo e tampouco já nasceu com a feição que hoje possui. 

Alguns estudiosos, não obstante, costumam apontar o magiai do antigo Egito como o “parente” mais remoto dos atuais membros do Ministério Público. Eram eles agentes públicos incumbidos de punir os rebeldes e os violentos, proteger os cidadãos pacíficos, acolher os pedidos do homem justo, ouvir as notícias de delitos, tomar parte nas instruções para descobrir a verdade e indicar as disposições legais aplicáveis a cada caso. Não detinham, no entanto, o plexo de atribuições, as garantias, as prerrogativas e a posição estratégica dentro do sistema de Justiça ora ostentadas por aqueles que compõem o Ministério Público moderno.

Foi somente tempos depois, no final da Idade Média, na França, que surgiu o verdadeiro precursor dos integrantes do moderno Ministério Público. Foi ele escolhido dentre aqueles que, então, exerciam a função de juiz, para que passasse a exercer com exclusividade a tarefa de acusar.

Até então, sobretudo em Roma, uma vez cometido um crime, um mesmo agente público era encarregado de fazer a acusação, de produzir as provas e de julgar a mesma acusação. Esse agente, dessa forma, acumulava as funções de acusador e de juiz. O “juiz-inquisitorial” dos tribunais da Inquisição seria o melhor exemplo desse agente, sendo esse modelo de processo penal, não à toa, batizado de inquisitivo.

Nos dias atuais, não encontraremos na estrutura do Estado um servidor público com poderes semelhantes. Se existisse, tratar-se-ia de uma espécie de promotor-juiz, ou juiz-promotor, isto é, alguém que incorporaria, simultaneamente, as atribuições de ambos os cargos.

Na França, o processo penal desenvolveu-se sob outra ótica. Aqui percebeu-se que não havia como ser realizado um julgamento justo enquanto as tarefas de acusar e de julgar recaíssem sobre uma mesma pessoa. Isso porque a experiência demonstrou que, de regra, quem julga a acusação promovida por si próprio tende a acolhê-la, apegando-se ao seu teor, tomando-a como verdadeira e minimizando a importância dos argumentos em sentido contrário; não haveria nesse sistema, por isso, a imparcialidade necessária para proferir o julgamento do caso, já que esse agente estaria inclinado a tornar-se partidário da tese de acusação sustentada por ele próprio em momento anterior.

Com base nessa constatação, foram traçadas, nesse momento histórico, as bases de um novo sistema processual penal, denominado de acusatório. São elas:

a) a missão de punir os responsáveis pelo cometimento dos ilícitos mais graves na sociedade incumbe ao Estado;

b) essa missão é composta por duas atividades inconfundíveis, a acusação e o julgamento, aquela realizada antes desto;

c) a punição dos delinquentes com justiça pressupõe que a acusação seja realizada por um órgão ou agente público distinto daquele a quem incumbe a tarefa de julgar.

Assentaram-se, assim, os princípios do promotor natural, pelo qual ninguém pode ser processado sem um acusador legítimo e idôneo, e da inércia jurisdicional, segundo o qual o juiz não pode punir os ilícitos que verifica na sociedade por iniciativa própria, senão somente mediante a provocação de terceiros.
 
Eis as raízes históricas do Ministério Público e do Judiciário modernos, ambos resultantes da divisão das atribuições daquele órgão anômalo existente na Idade Média. A tarefa de aplicar sanções aos infratores da lei passariam a ser realizadas não mais por um, mas por dois órgãos do Estado. Ao primeiro cumpriria, com exclusividade, a tarefa de acusar os delinqüentes perante o Judiciário; a este, por sua vez, o encargo de apreciar essa acusação, julgando-a. O Ministério Público não poderia julgar as acusações que formulava, dependendo, dessa maneira, das decisões do Judiciário; este não mais poderia trazer a si próprio as acusações, passando a depender das que fossem formuladas pelo Ministério Público. 

Inicialmente, ambas as instituições foram compostas por integrantes da magistratura até então existente. Isso não apenas pela origem comum, como também pela natureza pública de ambas as instituições, pela importância das respectivas funções e pelo modo imparcial como os membros das duas buscam a aplicação da lei aos casos concretos – mesmo quando o Ministério Público é parte de algum processo. 

Os primeiros membros do Ministério Público surgiram no reinado de Felipe III (1245-1285), da França, sendo denominados procureurs du roi (Procuradores do Rei). Tratavam-se de juízes, ou magistrados especiais, designados para proceder à acusação. Mas foi no reinado seguinte, de Felipe IV, o Belo (1285-1314), que o Ministério Público surgiu como instituição. A Ordenança de 23 de março de 1303 é considerada sua certidão de nascimento, regulando as competências dos Procuradores do Rei e instituindo o Ministério Público como magistratura especial, encarregada exclusivamente de perseguir, de ofício, os delinquentes de delitos conhecidos.

No Brasil, seguindo a mesma linha do Direito francês, os primeiros membros do Ministério Público eram integrantes do Judiciário designados para exercer a acusação criminal perante os Juízos onde até então atuavam. São exemplos disso a Constituição de 1824, que criou o Supremo Tribunal de Justiça e os Tribunais de Relação, dentre cujos desembargadores eram nomeados os Procuradores da Coroa, e a Constituição de 1891, que estabeleceu que o Procurador-Geral da República seria indicado pelo Presidente da República, devendo a escolha recair na pessoa de um Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Nas constituições seguintes, conquanto a ele tenha sido dispensado um arcabouço normativo significativamente inferior ao do Poder Judiciário, o Ministério Público foi paulatinamente ganhando autonomia e feição próprias enquanto instituição, até o advento da Constituição Federal de 1988, que o colocou como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Seus membros e os do Judiciário permaneceram ostentando garantias comuns, como independência funcional, vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios. 

De “Procuradores do Rei”, os membros do Ministério Público passaram a ser chamados Procuradores da República ou Promotores de Justiça, conforme pertençam ao Ministério Público Federal ou Estadual, respectivamente. A atuação dos mesmos não mais se restringe à de acusadores no processo criminal. Com efeito, atuam agora, com amplos poderes, para prevenir, corrigir e coibir todos os atos que infringem a lei e que atingem direitos pertencentes a toda a coletividade – como os relativos ao meio ambiente, à probidade e à regularidade no serviço público, à saúde, aos direitos do consumidores, dos idosos, deficientes, crianças e adolescentes -, os quais não têm condições de serem defendidos a contento, individualmente, pelas pessoas em geral.


[1] klebermartins@prpb.mpf.gov.br

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