E muitas vezes se perfila ao lado dos
grupos e pessoas que fizeram e sustentaram, ou enriqueceram as custas, da
Ditadura brutal e sanguinária.
Acauã
O ATO INSTITUCIONAL NÚMERO CINCO – AI – 5
Laerte
Braga
Costa e
Silva gostava mesmo é de corrida de cavalos e um bom carteado. Correu para o
Ministério da Guerra assim que foi alertado pelos generais Muricy e Siseno
Sarmento e se auto empossou na condição de general de exército mais antigo na
ativa. A decisão de precipitar o golpe foi tomada por Muricy, Siseno Sarmento,
Meira Mattos e outros que temiam um acordo entre o grupo de Castello Branco e o
governo João Goulart.
Em tese
os generais comandantes do IV Exército (Nordeste, Justino Alves Bastos), do II
Exército (São Paulo, Amaury Kruel) e I Exército (Rio, Minas, Âncora de Moraes)
eram legalistas, ou seja, não apoiariam o golpe.
As tropas
de Mourão Filho, comandante da IV Região Militar então sediada em Juiz de Fora,
MG, não saíram às ruas e desceram para o Rio por pura bravata do general que se
intitulou “vaca fardada”. Os antecedentes de Mourão tinham rastros sinistros na
História. O Plano Cohen que deu ensejo ao golpe de 1937, o chamado Estado Novo.
Pegos de
surpresa pelo gesto do general Mourão Filho os generais apontados como moderados,
caso de Castello Branco, custaram a recobrar-se do susto. Perceberam a manobra
da linha dura que, de quebra, envolvia o governador de Minas Magalhães Pinto,
pré candidato à sucessão presidencial em 1965 e interessado em liquidar o grupo
lacerdista (Carlos Lacerda, governador da antiga Guanabara, pré candidato
também e ambos udenistas).
E com um
detalhe de suma importância. O golpe vinha sendo articulado pelo embaixador dos
Estados Unidos, Lincoln Gordon e o adido militar daquele país na embaixada no
Brasil, o general Vernon Walther, amigo pessoal de Castello Branco e fluente em
português.
Foi no
susto/tramado, com recrutas recém engajados e que não teriam a menor condição
de resistir a qualquer contra golpe, que Mourão precipitou, dentro do esquema
da linha dura, a adesão de Justino (foi pressionado por oficiais em seu
comando) e deixou Kruel isolado e na prática sem comando efetivo, só oficial.
Âncora de Moraes manteve-se na legalidade. O III Exército, com o general
Galhardo, no Rio Grande do Sul, teve o seu comando tomado pelo general Ladário
Telles, legalista. Ladário estava viabilizando condições para reagir ao golpe e
Brizola já havia também assumido o controle do governo do Estado e da Brigada
Gaúcha, ou seja, a Polícia Militar.
A
indicação de Castello Branco foi a reação dos moderados a partir de Carlos
Lacerda já com intervenção direta de Lincoln Gordon (para manter a aparência de
movimento pela “democracia”, temendo a inconseqüência da linha dura). Hoje se
sabe que uma frota norte-americana foi deslocada para o Atlântico Sul. Tinha o
objetivo de suprir os golpistas dos meios necessários no caso de luta com os
militares leais a Jango e ao processo democrático.
Castello
naufragou nos primeiros momentos. Foi engolido pela linha dura e teve que engolir
Costa e Silva. Até a última hora tentou vender a idéia de um sucessor civil, o
deputado mineiro Bilac Pinto, da ex-UDN e mais tarde ministro do Supremo
Tribunal Federal.
Costa e
Silva vira presidente da República no grito. Numa viagem ao exterior o general
que fora mantido no Ministério da Guerra, declara que “viajo ministro e volto
ministro”. Era uma advertência a Castello que não aceitaria ser demitido como
se estava imaginando no lado dito moderado.
A
lambança aí se instala de vez e todos os pudores em tentar disfarçar o caráter
totalitário e brutal do regime desaparecem. O AI-5 veio no primeiro pretexto. O
discurso do deputado Márcio Moreira Alves considerado ofensivo às Forças
Armadas e a negativa da Câmara em dar licença ao Executivo para processar o
parlamentar. Para se ter uma idéia, Aureliano Chaves, ligado a Geisel, era
deputado à época e votou contra o governo com um discurso candente em defesa da
“legalidade”
O derrame
sofrido por Costa e Silva com toda a certeza foi conseqüência das pressões a
que fora submetido e ao comportamento de sua mulher, Iolanda Costa e Silva,
atolada em corrupção junto a grandes empresas e grandes negócios com o governo
federal. Fraco, pusilânime e sem vontade própria o marechal presidente sucumbiu
primeiro aos vampiros do seu governo. Além dos ministros militares, o ministro
Jarbas Passarinho que, a despeito de ser major (passou à reserva como coronel),
era um dos principais líderes da extrema-direita militar.
Nesse
meio todo o esquema montado por grandes empresas estrangeiras, empresários
paulistas, Roberto Marinho (a GLOBO hoje chama a ditadura de “período de
trevas”). Delfim Netto surge aí e nesse caso há uma dúvida do tipo quem nasceu
primeiro, se o ovo ou a galinha. Delfim ou Maluf, líder empresarial à época e nomeado
prefeito de São Paulo por Costa e Silva, mais precisamente, por Iolanda Costa e
Silva na esteira de grandes negócios.
É de
Jarbas Passarinho a frase síntese/símbolo do nazi-fascismo udenista. “Às favas
com os escrúpulos presidente”. Punha fim a pudores de Costa e Silva em relação
ao AI-5 e às críticas de Pedro Aleixo, vice-presidente. Quando consultado sobre
o documento pelo marechal ditador Aleixo respondeu de forma educada e firme:
“eu não temo o uso que o senhor fará desse instrumento, mas me preocupa o
guarda do quarteirão”.
Aleixo
não chegou a assumir sequer por um minuto a presidência com a doença de Costa e
Silva. A junta formada pelos ministros militares e com base no próprio AI-5 se
encarregou de calçar o caminho para um general identificado com a barbárie. E
com tal segurança que uma “eleição” foi feita dentro das forças armadas e
disputada pelos generais Médice e Albuquerque Lima. Médice venceu, Alburquerque
virou ministro do Interior.
Os dois
eram identificados com as câmaras de tortura. Afinidade total.
O AI-5
não foi necessariamente um golpe dentro do golpe. Foi um complemento do golpe à
medida que os dois grupos de militares que sobraram dentro das Forças Armadas,
com o expurgo de militares legalistas e democráticos de fato, refletiam a disputa
entre grupos empresariais e interesses estrangeiros, claro, EUA, no Brasil.
Foi ainda
no final da década de 60, no século passado, que Nixon, já presidente dos
Estados Unidos, ao ser informado das torturas, estupros e assassinatos de
presos políticos no Brasil por militares padrão Brilhante Ustra (carniceiros
sem o menor pudor) disse sobre Médice – “é lamentável, mas ele é um bom aliado. Em
alguns momentos precisamos fechar os olhos a alguns fatos como esses”
–.
A
Operação Condor que uniu os serviços de repressão das ditaduras do Cone Sul num
primeiro momento e de toda a América do Sul na prática, mesmo governos
supostamente democráticos como os da Colômbia e da Venezuela, foi montada em
Washington, no grande acordo patrocinado pela Fundação Rockfeller e chamado “A
Tríplice Aliança – AAA – América, Ásia e África”.
A
doutrina de segurança nacional destrinchada com extraordinário brilho pelo
padre Joseph Comblin no livro com esse nome, “a doutrina da segurança
nacional”, editado aqui pela Civilização Brasileira. Foi logo apreendido pela
ditadura.
Envolvia
desde os EUA, às grandes multinacionais, empresários brasileiros, a grande
maioria de São Paulo (esquema FIESP/DASLU) e Forças Armadas brasileiras, no
caso, extensão dos interesses norte-americanos.
Se o AI-5
permitiu a militares cruéis e covardes como Brilhante Ustra, Torres de Mello,
centenas deles, agentes civis e empresários construírem um esquema de pavor e
terror nas câmaras de tortura do DOI/CODI, serviu também para que todo o
processo de recolonização tivesse início pelas mãos de Delfim Neto, Mário
Henrique Simonsen, dando seqüência ao trabalho de Roberto Campos no governo
Castello Branco.
Todos
esses nuances que caracterizam o golpe na verdade eram apenas nuances de um
projeto político bárbaro e sanguinário e que resta intocado pela incapacidade
do governo atual de enfrentá-lo e exibi-lo aos brasileiros como o período mais
sombrio e tenebroso da história do País.
Na
prática, uma divisão de poder entre os grupos militares de extrema-direita. Ora
a borduna ficava com um, ora com outro e se revezaram até 1984 no exercício
diário de violência e boçalidade contra o Brasil e os brasileiros, mesmo com o
fim da vigência do ato no governo Geisel.
O Brasil
ficou com os patrocinadores do golpe. Centenas de brasileiros permanecem
insepultos na omissão dos ditos governos democráticos.
Já passou
da hora de mostrar toda a extensão do golpe de 1964, uma das grandes vergonhas
na História do Brasil. A maior de todas.
Se a
anistia serve para esconder a estupidez oficial, dos ditos “democratas”, não é
anistia e uma forma disfarçada de AI-5. Garantia de impunidade a carrascos sem
escrúpulos algum. Eles sim, inclusive Passarinho.
Texto enviado por DENISE DE MATTOS GAUDARD
denisedemattos@gmail.com
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