AINDA CONTINUAM VENDENDO NOSSAS TERRAS PARA OS EXTRANGEIROS?
Os protagonistas da ‘Nova Reforma Agrária’
Ana Echevenguá
Como é
difícil ser leitor de jornais e revistas no Brasil! A gente nunca sabe o porquê
da publicação de tal matéria; nunca sabe o quanto de verdade ela contém, já que
o compromisso com a verdade está distante da grande mídia. Algumas vezes,
capta-se alguma coisa nas entrelinhas.
Olhem só
esta notícia da Folha de São Paulo e do Estadão*: o INCRA - Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária - registrou, em 2008, o pior índice de
assentamentos do governo Lula. Traduzindo: o INCRA não está cumprindo sua
missão prioritária, que é realizar a reforma agrária.
Segundo os
jornais, a situação do INCRA é bem complicada; descobriram uma quadrilha de
fraudadores de processos de desapropriações de terras, na superintendência do
INCRA-MS: criminosos trabalhando no INCRA.
Qual a sua
opinião, leitor: acabar com o INCRA?
Somos
induzidos ao sim. E o ‘Brasil da legalidade e da moralidade’ já está
providenciando isso. A notícia fala de ministro querendo que o INCRA deixe de
atuar nas terras amazônicas: quer criar o Instituto de Regularização Fundiária
da Amazônia. A Frente Parlamentar Ruralista quer tirar o INCRA da demarcação
das terras quilombolas.
Daí,
lembrei-me que, em uma de suas palestras, o professor Bautista Vidal disse que “FHC
vai ser lembrado como o presidente que entregou nossas empresas públicas,
privatizando quase tudo. E o Lula vai entrar para a história como o presidente
brasileiro que entregou nossas terras aos estrangeiros”.
E ele está
certo, infelizmente. A terra do Brasil tem novos donos: os investidores
estrangeiros tomaram conta do campo brasileiro com as bênçãos do governo que
aplaude a idéia com a desculpa de que a estrangeirização da terra implica mais
geração de riqueza.
Sabendo
disso, fica mais fácil entender o que está acontecendo no INCRA. E coisas
clareiam após a leitura de uma das reportagens da revista Exame (edição 933) -
que mostra a nova concepção de “reforma agrária” adotada no Brasil. Conta a
venda, no município baiano de Jaborandi, de 06 fazendas que somam 15.000
hectares (quase o dobro da área da Grande São Paulo), por 40 milhões de
dólares. Os compradores são 02 grupos de investidores com participação
majoritária de capital externo: o primeiro é “a Calyx Agro Brasil, sociedade
formada em maio pelo Louis Dreyfus, grupo francês do ramo de commodities
agrícolas, e pela seguradora americana AIG - que, ironicamente, seria resgatada
da falência pelo governo Bush em outubro (...) O segundo grupo comprador é a
Sollus Capital, empresa que une o fundo de investimento PCP, pertencente a
ex-sócios do banco Pactual, o grupo Los Grobo, maior produtor de soja na
Argentina, e o fundo de investimento americano Touradji”.
Tais terras, “antes pouco produtivas ou improdutivas, começam a
passar por uma transformação - e ingressam num novo ciclo de geração de riqueza
e empregos, que dificilmente conseguiriam alcançar com os antigos
proprietários”.
Gente, terras como estas são passíveis de desapropriação para a reforma
agrária constitucional, segundo o Estatuto da Terra e os arts. 184 e 185 da
nossa Constituição**. Será que o INCRA não viu isso???
Bom, mesmo que tenha visto, a reforma agrária prevista no nosso
ordenamento jurídico não interessa ao Brasil. A moda é entregar nossas terras
aos estrangeiros que vão “elevar a competitividade do agronegócio e, por
extensão, valorizar a terra em novas fronteiras agrícolas, como o sudoeste
baiano e a chamada região do Mapito, que engloba parte do Maranhão, do Piauí e
de Tocantins”.
Olha aí: a desgraça não vem sozinha. A estrangeirização das terras e a
elevação da competitividade do agronegócio exigem algumas técnicas nada
inovadoras.
Abençoada seja a monocultura! A Exame
deixa isso bem claro quando trata da compra da fazenda Novo México (com 8 800
hectares, à beira da rodovia BR-020, que liga Goiás ao litoral baiano) também
adquirida pela Calyx por 25 milhões de dólares. Ali, a monocultura de soja
passou dos 10% da área para os atuais 6.500 hectares.
Enfim, os estrangeiros da reportagem apostam no monocultivo da soja,
milho e algodão adotando “procedimentos ainda pouco usuais no campo, como a
segmentação por equipes para tarefas de plantio, colheita e manutenção de
máquinas e a implantação de uma política de remuneração com base na
meritocracia”.
Todo esse palavreado difícil significa que eles não vão gastar dinheiro
com trabalho braçal nem com maquinário (mão-de-obra e maquinário
terceirizados). Trocando em miúdos, o Brasil aposta na geração de trabalho e
renda somente para o novo dono da terra!
Abençoado também o desmatamento: “Em
2000, ao comprar a terra ainda virgem, Alexander precisou de um time de 100
homens para desbravar o cerrado ao longo de seis meses”. ‘Desbravar o
cerrado’ significa destruir a vegetação existente no local.
Abençoada ainda a concentração de riqueza! Os grandes grupos podem captar financiamentos a juros mais baixos. “Tal
acesso, que está fora do alcance dos antigos donos da terra em Correntina e
Jaborandi, faz a diferença”.
Além disso, não há qualquer pudor em falar na exploração da miséria dos
antigos donos da terra. Vejam os abençoados urubus na cerca, de olho na
carniça: “após as últimas compras as duas empresas decidiram fazer uma
pausa. Devem voltar a campo para tentar arrematar boas glebas a preços mais
baixos no final da próxima colheita, a partir de abril de 2009. (...)
"Como a próxima safra deve ter baixa rentabilidade, é possível que
produtores em dívida com bancos privados sejam forçados a vender terras a
grupos maiores com capacidade de captação externa de recursos", diz Jacqueline
Bierhals, analista da consultoria Agra FNP.”
O Poder Legislativo também está ajudando a nova reforma agrária,
afastando a tal de ‘ameaça de restrições legais xenófobas’: “Recentemente, o
governo resolveu engavetar um projeto de lei que, alegando defender a soberania
nacional, limitava a venda de terras a estrangeiros. Diante da turbulência na
economia, para não afugentar os investidores internacionais, a idéia foi
suspensa por tempo indeterminado”.
E encerram o assunto da xenofobia com as palavras grande defensora dos
agricultores, a senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da
Agricultura: "Ainda bem que o governo esqueceu essa história. Da nossa
parte, os investidores estrangeiros são bem-vindos, porque pagam impostos e
ajudam a formalizar o agronegócio."
Se é assim, pra quê INCRA e similares? Aliás, pra que ordenamento
jurídico? Nossos governantes, dependendo dos ventos que sopram e das vantagens
obtidas, atropelam qualquer regra vigente... com a nossa conivência: quem cala,
consente!
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