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O TEXTO NÃO É NOVO, MAS A TEMÁTICA É ATUALA



ERRO IMPERDOÁVEL
Rachel Feldmann
"Comércio - conquista, pirataria, saque, exploração - essas as formas, portanto, pelas quais o capital necessário para iniciar a produção capitalista foi reunido" - (Huberman, 1959).


Ao longo de todo o processo histórico das civilizações e até a primeira metade do século 20 acreditava-se que as atividades econômicas, tais como vinham sendo praticadas, trariam bonança e felicidade aos homens, por meio do desenvolvimento pleno.
Na Idade Média, o homem afastou-se e rompeu com a natureza. Com uma visão eminentemente antropocêntrica, sentiu-se acima desta, transformando a apropriação da terra na mola propulsora e predatória da civilização ocidental.
A revolução comercial dos séculos 15 ao 18 promoveu, com as navegações, a busca por metais preciosos e o extermínio das florestas no mundo recém-descoberto. E o desenvolvimento material trazido pela Revolução Industrial elevou-o ao valor supremo a ser alcançado.
Conceitos - No quesito - sobrevivência da espécie humana - a natureza, pensava-se, deveria ser dominada. Afinal, na floresta existiam feras 'selvagens' que deveriam ser abatidas pelo 'bom' caçador, como na conhecida história do Chapeuzinho Vermelho. E não faz tanto tempo assim, a Amazônia era chamada de inferno verde (ouvi esse termo do meu professor de Geografia).
De uma forma simplista, esse era o alcance da visão de nossos antepassados que não lhes permitia a percepção do planeta como um todo como se vê hoje, após exatos 40 anos da ida do homem à Lua, em 20 de julho de 1969.
Colapso - No contexto de nossa evolução, a tomada de consciência sobre a vulnerabilidade do planeta aos riscos que a aventura humana lhe tem imposto é recente. Ela surge mais especificamente em meados do século 20, ao final dos anos 1960, com o relatório Limites do crescimento, quando foram discutidas pela primeira vez as condições do planeta e se imaginou a probabilidade de seu colapso.
Foi, entretanto, em 1972, na Conferência de Estocolmo, no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), que ocorreram os grandes debates sobre o meio ambiente, quando se determinou a inserção da temática ambiental no Direito Internacional. É sempre bom lembrar que a representação brasileira naquele evento se colocou de forma antagônica aos temas abordados, tendo defendido a tese de que "as questões ambientais seriam secundárias nos países em desenvolvimento".
Desenvolvimento sustentado - E em 1987 foi publicado o Relatório Brundtland (Nosso Futuro Comum), documento que cunhou o termo desenvolvimento sustentável. São várias as formas de se entender o conceito de desenvolvimento sustentável, mas há um termo que o sintetiza e o traduz para todas as línguas e eu o entendo como o DNA do conceito: intergeracional.
Pela primeira vez, a humanidade tem a consciência da finitude dos recursos naturais e se dá conta de que poderá não ter como se certificar e garantir o futuro das gerações vindouras.
Em 1992, na Conferência do Rio (Eco-92), o desenvolvimento sustentável era visto como um novo modelo a ser buscado conciliando-se proteção ao meio ambiente, justiça social e eficiência econômica.
Exploração - No Brasil, o uso predatório dos recursos naturais confunde-se com sua própria história, tendo sido sua apropriação, a principal característica do processo econômico - colonizador.
Os grandes ciclos, como o do comércio - leia-se pirataria - do pau-brasil, do açúcar e do ouro das Minas Gerais, da borracha, do café e da pecuária extensiva, mostraram a forma deplorável com que a natureza aqui foi tratada, desde que os europeus chegaram para conquistar e extrair da terra tudo o que pudessem.
A Coroa Portuguesa bem que tentou proibir o corte da madeira para a construção de seus navios, daí a expressão madeira de lei, até hoje utilizada. Prova disso é o Regimento do pau-brasil, de 1605, não respeitado desde aquela época.
Desmatamento - Mais recentemente, já nos anos 1970, durante o governo militar, houve a indução planejada do desmate da Amazônia sob o conceito 'ocupar para não entregar' por meio da construção de estradas, tais como a Transamazônica e outras políticas de ocupação consideradas estratégicas e de segurança nacional. Não é preciso entender de economia para perceber que o resultado final das atividades predatórias e desordenadas foi desastroso para o País e para as populações locais.
Infelizmente, e em pleno limiar do século 21, é espantoso que pouco ou quase nada tenha mudado na manutenção da fórmula de se exaurir de forma contínua e sistemática o que ainda resta da Amazônia e da Mata Atlântica, para citar dois exemplos conhecidos.
O estrago perpetrado em âmbito mundial e no Brasil, em particular, toma um vulto preocupante e um novo termo começa a se fazer ouvir por aqui: É a retirada sustentável. É o que pensa o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e ex- presidente da Sociedade Brasileira de Meteorologia Prakki Satyamurty ao afirmar que o desenvolvimento sustentável já não é o caminho. Diz ele que 'a saída agora seria a retirada sustentável', ou seja, "a diminuição drástica do consumo dos recursos naturais, aliada a um controle de natalidade que levasse a um crescimento menos acelerado da população mundial". Também defende que "o consumo de recursos naturais deve ser menor ou igual à reposição dessas riquezas ambientais na natureza" e "a exploração dos recursos naturais pela população mundial já ultrapassou a capacidade de oferta do meio ambiente em escala global".
Questão fundiária - É nesse contexto e para desespero dos ambientalistas que o governo brasileiro pretende fazer a regularização fundiária na Amazônia Legal. Incentivado por seu ex-ministro Mangabeira Unger, da pasta Assuntos Estratégicos, o presidente Lula, de uma só canetada e a despeito de inúmeros apelos, sancionou, com alguns vetos, no último dia 25 de junho, lei que dá espaço para grileiros na Amazônia, por meio da famigerada MP 458/09, que, entre outras coisas, possibilita a transferência de terras públicas a quem esteja em sua posse, sem licitação.
Tal medida submete a região aos grupos econômicos tupiniquins, mantendo-a como exportadora de madeira, diversidade biológica, gás, petróleo e minérios e garante aos grupos internacionais a fonte natural desses produtos. A norma privilegia grileiros que se apropriaram de terras públicas no passado e valoriza os setores da pecuária e da soja, conhecidos vilões do desmatamento.
Há argumentos de que a MP 458 - agora a Lei n.º 11.952/09 - não está de acordo com vários artigos constitucionais, especificamente o art. 186, por ferir o princípio da função social da propriedade, e o 225, da Constituição Federal, cujo parágrafo 4º vale a pena transcrever:
Art. 225: "Todos têm direito ao ecologicamente meio ambiente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações." " 4º: A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais (grifo nosso)."
De acordo com o jornalista Carlos Tautz, ao referir-se "às chamadas externalidades desse modelo, o sistema de garantias ao capital na Amazônia segue operando". Para ele, "seus excedentes garantirão a segurança energética a indústrias extensivas em energia, aços laminados, por exemplo. A produção inteira será exportada para os centros dinâmicos da economia mundial. O sistema de garantias se completa com a MP 458, que permite a qualquer agente econômico reivindicar uma fatia de até 1.500 ha dos 67 milhões de hectares de terras devolutas existentes na Amazônica, mesmo em terras griladas e desmatadas."
Em vez de se preservar a biodiversidade existente na floresta em pé e esta ser finalmente percebida como o maior capital brasileiro mantém-se a tradição histórica por sua derrubada e exploração insustentável.
A sociedade brasileira não pode mais arcar com tamanho descalabro. Errar é humano. Insistir no erro histórico é imperdoável. Somente o compadrio agradece. Como sempre, o compadrio.
Rachel Feldmann, advogada especialista em Direito Ambiental pela PUC-PR, é consultora associada da Preserva Ambiental Consultoria.
DiárioNet


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