O cachorro é o melhor amigo do homem, mais vale um pássaro na mão do que
cem voando, a cavalo dado não se olha os dentes... A sabedoria popular mostra
que a convivência entre homens e animais pode render parcerias afetivas e
financeiras, mas também incidentes que, às vezes, acabam na Justiça.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao longo dos seus 20 anos, já
julgou cerca de mil casos referentes a bichos de diferentes portes e espécies.
Alguns dos processos ganharam as páginas dos jornais por seu caráter pitoresco,
outros representam avanços na jurisprudência para acompanhar a evolução das
leis de proteção ao meio ambiente.
Cada macaco no seu galho
Seja qual for o teor dos autos que chegam à última instância para
questões infraconstitucionais, a tendência é que o Tribunal da Cidadania tenha
que se defrontar com controvérsias cada vez mais desafiadoras do ponto de vista
jurídico. Um bom exemplo desse novo cenário está no julgamento de um pedido de
habeas corpus (HC) feito em favor de dois chimpanzés da raça pan troglodyte. O
proprietário e fiel depositário dos primatas recorreu ao STJ contra a decisão
do Tribunal Regional da 3ª Região que determinou a retirada dos animais do
cativeiro para devolvê-los à natureza.
O caso está em
andamento na Segunda Turma. Na ação, o dono dos bichos ressalta o direito de
proteção à vida, garantido pelo artigo 5º da Constituição Federal, e afirma que
os chimpanzés não sobreviverão se forem enviados para a África. O ministro
Herman Benjamin pediu vista do processo para examinar melhor o pedido.
Também em 2008, a
Terceira Seção do STJ determinou que cabe à Justiça Federal apurar procedimento
administrativo contra empresa acusada de manter um babuíno e sete tigres de
bengala em cativeiro. O caso chegou ao Tribunal por meio de um conflito de
competência que deveria decidir se o Juízo Federal da 3ª Vara Criminal gaúcha
seria competente para apurar a denúncia. O ministro Og Fernandes, relator do
processo, salientou que o ingresso de espécimes exóticas no país está
condicionado à autorização do Ibama. Portanto, estaria clara a competência da
Justiça Federal para averiguar as investigações.
Gato escaldado tem
medo de água fria
Em 2007, o STJ
determinou que o município de Campo Grande (MS) realizasse dois tipos de exames
para aplicar a eutanásia em cães e gatos portadores de leishmaniose visceral
canina. A intenção do Tribunal foi aumentar o rigor na detecção da doença para
evitar o sacrifício desnecessário de animais, exigindo também que o município
obtivesse a autorização do proprietário do bicho doente e expedisse, ainda,
atos de controle das atividades administrativas. Com a decisão, o STJ manteve a
medida imposta pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul.
Um caso que chamou
atenção da mídia foi o que tratava da participação do publicitário Duda
Mendonça em rinhas de galo. Ao STJ, coube decidir se o publicitário seria
julgado pelos crimes de formação de quadrilha, maus tratos a animais e apologia
ao crime, uma vez que brigas de galo são proibidas por lei no país.
Uma andorinha só
não faz verão
Pedidos de
indenização devido a acidentes causados por animais estão sempre na pauta. Em
um julgamento de 2003, o STJ inovou ao aplicar o Código de Defesa do Consumidor
para manter uma ação indenizatória contra uma concessionária de rodovia. Devido
a uma vaca morta na pista, uma motorista que trafegava pelo trecho sob
responsabilidade da empresa NovaDutra acabou sofrendo um grave acidente. A
Terceira Turma do Tribunal entendeu existir relação de consumo entre o usuário
da rodovia e a concessionária, uma vez que a concessão é exatamente para que a
empresa se responsabilize pela manutenção da pista quanto aos aspectos de
segurança, entre outros.
Também na Terceira
Turma foi mantida a condenação de um pecuarista que foi obrigado a pagar os
danos causados por um de seus animais a um supervisor de vendas da Nestlé.
Durante uma viagem de trabalho, o veículo em que ele estava como passageiro se
chocou contra uma vaca morta, no meio da rodovia. O pecuarista tentava se
desvencilhar da condenação, mas ficou comprovado que o animal pertencia a uma
de suas fazendas.
A Sexta Turma negou
o pedido de habeas corpus de um promotor de Justiça que pretendia trancar uma
ação penal. Ele trafegava por uma rodovia do estado de Mato Grosso quando bateu
seu carro contra três cavalos. Alegando que os bichos poderiam causar uma
tragédia, tentou afugentá-los. Como não conseguiu, disparou tiros contra eles.
Um bicho acabou morrendo e outro ficou ferido. Os donos dos animais, então,
recorreram ao Judiciário para ver os prejuízos deles ressarcidos.
Em rio que tem
piranha, jacaré nada de costas
Uma decisão da
Quinta Turma que obteve ampla repercussão foi a que manteve a condenação de uma
dupla de reportagem do extinto telejornal “Aqui e Agora”, em dezembro de 2002.
O repórter, o cinegrafista e um pescador foram condenados a prestar serviços à
comunidade em instituição pública de proteção ao meio ambiente por incomodar
baleias na praia de Pinheiras, litoral de Santa Catarina. A equipe do programa
contratou o serviço do pescador para realizar a filmagem de uma baleia franca e
seu filhote. O barco perseguiu os animais a uma distância inferior aos cem
metros estipulados por portaria do Ibama, chegando, inclusive, a esbarrar nos
cetáceos.
A Terceira Seção do
STJ estabeleceu a competência para julgar processos sobre crimes contra a fauna
praticados em águas divisoras dos Estados membros da Federação. Segundo o
entendimento dos ministros, é da Justiça Federal a responsabilidade para
analisar casos como o da denúncia de pesca predatória na represa de Ilha
Solteira, que banha os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. O recurso foi
julgado em 2003.
Uma das histórias
que mais chamaram a atenção dos jornais foi a que trouxe ao STJ um processo
sobre crime contra a fauna devido à captura de quatro minhocuçus. A Terceira
Seção decidiu, por unanimidade, trancar a ação penal aplicando a tese da
insignificância. Um grupo de pescadores foi denunciado pelo Ministério Público
mineiro por capturarem as minhocas para fazer iscas de pesca. “Apanhar quatro
minhocuçus não tem relevância jurídica. Incide aqui o princípio da
insignificância porque a conduta dos acusados não tem poder lesivo suficiente
para atingir o bem tutelado”, concluiu o relator do conflito de competência,
ministro Fernando Gonçalves.
Cão que ladra não
morde?
Não raro, os
animais de estimação acabam gerando problemas de ordem jurídica. As controvérsias
podem ser insólitas, como a que levou a Corte Especial do STJ a analisar uma
representação contra um subprocurador do Trabalho cujos cães invadiram um
terreno e mataram dois papagaios. A briga entre os vizinhos e seus bichos
originou um processo acerca da prática ou não da contravenção penal
classificada como omissão de cautela na guarda ou condução de animais, delito
de baixo potencial ofensivo à sociedade que poderia ter sido resolvido por um
Juizado Especial. Todavia, o privilégio de foro previsto na Constituição para
determinadas autoridades públicas acabou trazendo o caso até o Superior
Tribunal.
A Quarta Turma
manteve o valor indenizatório a ser pago pela dona de um cão da raça weimaraner
que atacou uma criança na saída da escola. A proprietária do animal alegava que
a culpa era da própria vítima, que mexeu com o cachorro. Testemunhas afirmaram
que o animal era de grande porte e estava sem focinheira. Segundo entendeu o
STJ, o montante da indenização, 150 salários mínimos, era razoável em face dos
danos sofridos pelo garoto e pela mãe dele.
Sequelas estéticas
e abalo emocional foram analisados no caso de uma psicóloga atacada por mais de
sete cachorros ao chegar a uma chácara de eventos para agendar a festa de seu
casamento. A Terceira Turma manteve a condenação do dono do bufê, entendendo
que o adiamento da cerimônia por mais de um ano e as cicatrizes deixadas pelo
ataque justificavam o valor da indenização.
E quando o dono do
cachorro reclama o direito de se defender de uma condenação que considera
injusta? Em decisão unânime, a Quarta Turma garantiu à dona de dois cães husky
siberianos que morderam uma mulher no rosto a oportunidade de apresentar seus
argumentos de defesa. A proprietária foi condenada a pagar indenização à
vítima, mas alegou não ter tido oportunidade de comprovar que a mulher foi
imprudente ao se aproximar dos cães por trás e sem permissão. Os ministros
acolheram o recurso especial da interessada para que o direito dela à ampla
defesa fosse respeitado.
Nem sempre o bom
senso prevalece, cabendo ao Judiciário estabelecer o equilíbrio entre as
partes. Foi assim na disputa entre a cantora Simone e a sua vizinha, a
ambientalista Fernanda Colagrossi, que mantinha 25 cachorros em seu
apartamento. A cantora queria a remoção dos animais por causa do mau cheiro e
do barulho. A decisão da Terceira Turma do STJ determinou que a proprietária só
poderia criar três cães em casa, mantendo o entendimento do Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro.
Outro caso
pitoresco julgou o pedido de um casal para permanecer criando 150 cães na
própria residência. A Primeira Seção do STJ negou provimento ao recurso que
tentava impedir a remoção da matilha para o Centro de Controle de Zoonoses da
cidade de São Paulo.
A Terceira Turma
também julgou processo em que o condomínio do edifício Rodrigues Alves, na
cidade do Rio de Janeiro, pretendia que a proprietária retirasse um cachorro de
pequeno porte de sua unidade. Como havia uma cláusula expressa na convenção do
condomínio que proibia a criação de animais de estimação no prédio, os
ministros acordaram que, neste caso, deveria prevalecer o ajuste feito pelos
condôminos na convenção.
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