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DECISÃO HISTÓRICA SOBRE A GUERRA DOS PNEUS



AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.04.00.015004-9/PR
RELATOR
:
Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ
AGRAVANTE
:
INSTITUTO BS COLWAY SOCIAL
ADVOGADO
:
Ricardo Alipio da Costa e outro
AGRAVADO
:
UNIÃO FEDERAL
PROCURADOR
:
Luis Antonio Alcoba de Freitas
AGRAVADO
:
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA
PROCURADOR
:
Solange Dias Campos Preussler


DECISÃO
Vistos, etc.

Em sua erudita peça recursal, a fls. 11/2, alega a recorrente, verbis:

"Sem modificar o escopo do pedido original da ação principal, ou seja, importar pneus usados como matéria-prima da indústria de reforma mediante a comprovação de destinação prévia de pneus inservíveis, a agravante veio novamente aos autos requerer providência de natureza cautelar incidental, trazendo circunstância jamais enfrentada pelos Tribunais Pátrios, o STF ou o STJ, se propondo a exportar pneus inservíveis (coletados no território nacional), nas mesmas quantidades da matéria-prima que a indústria de reforma necessita (carcaças de pneus usados), invocando o "distinguishing" em face circunstância especifica, bem como a neutralização dos motivos determinantes que vincularam os atos normativos proibitivos: a) evitar o acréscimo de pneus para destinação final no território brasileiro proporcionada pela importação de pneus usados como matéria-prima; b) evitar a queima de pneus inservíveis em cimenteiras brasileiras (este último motivo calcado na STA nº 171).

Assim sendo, nova decisão interlocutória foi proferida, na qual, infelizmente, o Juízo "a quo" não vislumbrou a mudança radical de paradigma com a nova circunstância trazida aos autos pela ora agravante, que pode, no futuro, restabelecer o equilíbrio econômico e social da indústria de reforma brasileira (a segunda maior do mundo atrás apenas dos Estados Unidos), sem provocar danos ambientais ou o acúmulo desordenado e desorganizado de pneus inservíveis no território nacional e sem provocar a demissão em massa de empregados, como ocorreu com a BS Colway Pneus após a decisão do STF na STA nº 171 (a Ministra Ellen Gracie defendeu a tese de que havia estoque suficiente de pneus usados no território nacional, o que não ocorreu, redundando na demissão de 1.200 funcionários e o encerramento dos programas sociais da agravante em prejuízo de 15 mil famílias).

Ao examinar o pedido cautelar incidental (art. 273, § 7° do CPC), o juízo "a quo" proferiu a seguinte decisão:

AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO) N° 2006.70.00.003656-4/PR

1. Às fls. 2339/2368 a parte autora efetua pedido com natureza cautelar, requerendo seja determinado à Gerência Executiva do IBAMA que libere os pneus usados que se encontram em seu poder, após a comprovação da exportação de quantidade equivalente de pneus inservíveis, que serão destinados aos mercado de uso final dos Estados Unidos, Europa, Japão e Canadá.
Ou seja, o que pretende a autora, em suma, é a troca dos pneus usados importados e atualmente depositados em poder da requerente (já havendo decisão impedindo sua liberação), pela exportação de pneus inservíveis.
Referido pedido deve ser indeferido, considerando que seu deferimento seria, na verdade, uma violação à decisão já proferida pelo Supremo Tribunal Federal, na Suspensão de Tutela Antecipada nº 171, que suspendeu a execução do acórdão proferido pela 1ª. Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, nos autos do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n.° 2006.04.00.004730-4. Isto é, a decisão apontada suspendeu aquela do TRF da 4ª Região que havia permitido a comercialização dos pneus.
Destarte, é inevitável a conclusão de que a liberação dos pneus depositados, com a exportação de outros inservíveis, não consubstanciaria uma mera troca, mas sim um descumprimento da decisão proferida pela corte suprema, razão pela qual indefiro o pedido. Intimem-se.
2. Nos termos do despacho de fl. 2194, a produção de prova pericial deve permanecer suspensa, até trânsito em julgado da decisão proferida pelo TRF da 4ª Região (fls. 2171/2189).

Curitiba, 19 de abril de 2009.

Pepita Durski Tramontini Mazini
Juíza Federal Substituta
Em que pese a autoridade e notável saber jurídico do insigne Juízo "a quo", este novo pedido "data venia" não viola a decisão proferida na STA nº 171, que permanece intacta, ou seja, a autora não está pedindo para importar pneus usados mediante a destinação prévia de pneus inservíveis no território brasileiro, objeto da STA nº 171, mas a importação de matéria-prima essencial para a indústria de reforma mediante a comprovação de exportação de idêntica quantidade de pneus inservíveis para destinação final em países desenvolvidos."

E, a fls. 49/50, concluiu, verbis:

"A importação, sob os fundamentos ora apresentados, ou seja, condicionada à exportação prévia de pneus inservíveis para destinação final nos países que exportam pneus reformáveis, foi a alternativa encontrada pela agravante para evitar mais demissões além daquelas sofridas pela empresa BS Colway conforme amplamente noticiado após a STA nº 171 em dezembro de 2007.

Não há que se falar, portanto, em descumprimento da decisão proferida pelo Tribunal Pleno do STF, na STA 171, que continuará vigente sobre os fundamentos que a sustentam, o caso ora tratado em nada se confunde com tais fundamentos.

7. O REQUERIMENTO

Em face do exposto, requer-se respeitosamente a Vossa Excelência, sejam antecipados os efeitos da tutela recursal determinando-se que o DECEX e o IBAMA adotem as medidas administrativas que viabilizem a importação de pneus usados em condições técnicas de reforma, na medida em que a agravante comprove a exportação de idênticas quantidades de pneus inservíveis para destinação final nos Estados Unidos da América, Europa, Japão, vinculando, no Siscomex, as Licenças de Importação de pneus usados aos Registros de Exportação (RE) de pneus inservíveis, na mesma equivalência em peso (art. 5° da Resolução CONAMA nº 258/99) e, em especial, na mesma condição, que sejam emitidas as Licenças de Importação, sem restrição nas datas de embarques, dos pneus usados que se encontram no armazém da requerente, sob a guarda de seu titular, na qualidade de fiel depositário, uma vez que estas licenças foram canceladas pelos órgãos anuentes, DECEX e IBAMA."

Com efeito, em juízo de liminar, vislumbro relevância nos argumentos trazidos pelo recorrente, eis que, ao pretender importar pneus usados em condições técnicas de reforma condicionada à exportação prévia de pneus inservíveis para destinação final nos países que exportam pneus reformáveis, parece-me que atendeu a recorrente ao decidido pelo Eg. STF no julgamento da STA nº 171/07.

In casu, afiguram-se-me irrefutáveis as considerações desenvolvidas a fls. 35/7, verbis:

"Para José Cretella Júnior "se não houver motivo, não existe o ato administrativo".19 Para o mesmo jurista "quando o ato administrativo se funda em motivos ou em pressupostos, de fato, sem a consideração dos quais, da sua existência, da sua procedência, da sua veracidade ou autenticidade, não seria editado, uma vez verificada a inexistência dos fatos ou a improcedência dos motivos, deixa de subsistir o ato que neles se fundava".
Ora, se a proibição de importação preconizada pela Portaria SECEX nº 25/2008 e pela Resolução CONAMA nº 23/96, teve como motivo impedir os custos e danos ambientais derivados da acumulação, transporte e destinação final dos pneus inservíveis no Brasil, a iniciativa da autora exportar os pneus inservíveis para tratamento em outros países elimina o motivo da proibição.

Ainda em José Cretella Júnior "para os atos de polícia (de reunião, de associação, de pensamento, edilícia, higiênica, mortuária) ocorrerá inexistência material de motivos, quando as alegadas perturbações sociais à ordem, à segurança, à saúde, que se pensava existirem, na realidade não existem".

No mesmo sentido Maria Sylvia Zanella di Pietro aduz que o "pressuposto de fato, como o próprio nome indica, corresponde ao conjunto de circunstâncias, de acontecimentos, de situações que levam a Administração a praticar o ato".22 Uma vez inexistentes, não há porque a Administração praticar o ato de proibir se aquelas circunstâncias, acontecimentos ou situações não se operam, deixam de ocorrer ou são diferentes daquelas imaginadas pela Administração.

Assim, o motivo dos atos administrativos em questão (Portaria SECEX nº 25/2008 e Resolução CONAMA nº 23/96), é o conjunto das circunstâncias que levaram a Administração a praticar estes atos.

Os atos administrativos "vinculam-se aos seus fundamentos e acompanham a sorte destes pela Teoria dos Motivos Determinantes". (STJ, MS 8958/DF, Relator o Ministro PAULO MEDINA, Terceira Seção, DJ, 20.02.2006, p. 200).
Cite-se ainda que "ao motivar o ato administrativo, a Administração ficou vinculada aos motivos ali expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tem aí aplicação a denominada teoria dos motivos determinantes, que preconiza a vinculação da Administração aos motivos ou pressupostos que serviram de fundamento ao ato. A motivação é que legítima e confere validade ao ato administrativo discricionário". (ROMS 10165/DF ; RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 1998/0065086-5; FONTE: DJ DATA:04/03/2002; RELATOR MIN. VICENTE LEAL; ÓRGÃO JULGADOR: SEXTA TURMA).

A Resolução CONAMA nº 23/96, por exemplo, dispõe, em seu art. 4°, que "os Resíduos Inertes - Classe III não estão sujeitos a restrições de importação, à exceção dos pneumáticos usados cuja importação é proibida". Ou seja, o motivo da proibição não é a condição de resíduo inerte do pneu, do contrário a importação de todo e qualquer resíduo inerte da classe III deveria ser proibida; o conteúdo do ato, portanto, é a contribuição direta para a redução da quantidade de resíduos que se acumulam no Brasil e os custos e danos ambientais derivados da acumulação, como do transporte e a destinação final dos pneus inservíveis.

Diferente disso é o conteúdo do art. 2º da citada Resolução, pertinente a outra classe de resíduos, em que "É proibida a importação dos resíduos perigosos - Classe I, em todo o território nacional, sob qualquer forma e para qualquer fim". Ou seja, o motivo recai sobre uma condição intrínseca do resíduo e não sobre alguma circunstância externa a ele, como é no caso dos pneus.

Uma vez afastadas e neutralizadas as circunstâncias do ato pela não ocorrência dos motivos que o fizeram surgir no ordenamento, ou seja, a não acumulação de quantidade de resíduos em solo brasileiro e os custos ambientais de seu depósito e destinação final, o ato deve ser considerado nulo "pela inocorrência dos pressupostos de fato, sem a consideração dos quais, da sua existência, da sua procedência, da sua veracidade ou autenticidade, o ato não seria editado".

'O ato administrativo é nulo quando o motivo se encontrar dissociado da situação de direito ou de fato que determinou ou autorizou a sua realização. A vinculação dos motivos à validade do ato é representada pela teoria dos motivos determinantes'. (STJ, RESP 708030/RJ, Relator: Ministro HELIO QUAGLIA BARBOSA, Sexta Turma, DJ 21.11.2005, p. 322)."

Dessa forma, vislumbro a presença dos pressupostos à concessão do efeito suspensivo ativo, pois, caso contrário, comprometida estaria a atividade da recorrente.

Realmente, no regime do Estado de Direito não há lugar para o arbítrio por parte dos agentes da Administração Pública, pois a sua conduta perante o cidadão é regida, única e exclusivamente, pelo princípio da legalidade, insculpido no art. 37 da Magna Carta.

Por conseguinte, somente a lei pode condicionar a conduta do cidadão frente ao poder do Estado, sendo nulo todo ato da autoridade administrativa contrário ou extravasante da lei, e como tal deve ser declarado pelo Poder Judiciário quando lesivo ao direito individual.

Nesse sentido, também, a lição de Charles Debbasch e Marcel Pinet, verbis:

"L'obligation de respecter les lois comporte pour l'administration une double exigence, l'une négative consiste à ne prendre aucune décision qui leur soit contraire, l'autre, positive, consiste à les appliquer, c'est-à-dire à prendre toutes les mesures réglementaires ou individuelles qu'implique nécessairement leur exécution."
(In Les Grands Textes Administratifs, Sirey, Paris, 1970, p. 376)

A respeito, anotou o saudoso jurista e ex-Presidente do STF, Min. Eduardo Espinola, in Questões Jurídicas e Pareceres, Companhia Editora Nacional, São Paulo, v. 2, p. 242, verbis:

"Não devemos, todavia, perder de vista que as liberdades publicas, os direitos essenciaes do homem, quer formulados numa positiva declaração constitucional, quer subentendidos como inherentes á natureza humana, se subordinam ás restricções e delimitações necessarias á coexistencia social.
Ou se trate da liberdade de trabalho, commercio e industria, ou de qualquer outro desses direitos, justifica-se a intervenção do poder publico, cohibindo-lhes os abusos, sempre que o reclama o bem estar geral.
É, todavia, de observar com o mais escrupuloso rigor que, nesse ponto, não é licito ir alem do estrictamente necessario: o sacrificio da liberdade individual, em qualquer de suas manifestações, é, como bem accentuou BERTHELEMY, uma diminuição da personalidade humana, e só encontra justificação até o ponto em que o requeira instantemente a harmonia social, o equilibrio da vida colletiva.
Será, alguma vez, o direito de propriedade, que se delimitará no interesse publico. Em outros casos o exercicio das liberdades publicas exigirá uma regulamentação destinada a garantir a tranquillidade, a saúde, a moralidade e os bons costumes da communhão.
Esse poder de regulamentar, esse police power do direito americano, só é constitucionalmente autorizado, quando razoavel e bem comprehendido.
Em hypothese nenhuma se poderá admittir que o legislador ordinario, ou os agentes do poder publico administrativo, sob o pretexto de regulal-os, cerceie inconvenientemente, restrinja de modo arbitrario, opprima as liberdades e os direitos primordiaes do cidadão."

Da mesma forma, no conhecido repertório americano - Ruling Case Law - consta, verbis:

"The right to follow any of the common occupations of life is one of the fundamental rights of citizenship. A person's business, occupation, or calling is at the same time "property" within the meaning of the constitutional provisions as to due process of law, and is also included in the right to liberty and the pursuit of happiness."
(In Constitutional Law - Ruling Case Law, Edward Thompson Company, New York, 1915, v. 6, p. 266, nº 251).

Dessa forma, a Administração Pública submete-se não apenas à observância do princípio da legalidade como, também, precisa compatibilizar a sua conduta com outro princípio do Estado Democrático de Direito, qual seja, a segurança jurídica e o respeito à boa-fé nas relações jurídicas emanadas do Estado.
Nesse sentido, o entendimento da doutrina, consoante leciona Fritz Fleiner, verbis:

"L'autorité ne doit faire usage de sa faculté de retirer ou de modifier une disposition édictée para elle que lorsque l'intérêt public l'exige. Elle ne doit pas troubler à la légère des situations existantes, qui se sont établies sur la base de ses dispositions; elle ne doit pas davantage, parce que son point de vue juridique aurait changé, déclarer non valables des possessions des citoyens qu'elle a laissées subsister sans contestation pendant des annés, quand il n'y a pas nécessité absolue. La maxime quieta non movere et le principe de la bonne foi (Treu und Glauben) doivent valoir pour les autorités administratives également. Mais évidemment, la possibilité du retrait d'une disposition qui lui est avantageuse est toujours suspendue sur la tête du citoyen comme une épée de Damoclès. Le législateur a par suite dû songer à limiter ce droit de retrait des dispositions pour le cas où la considération de la sécutité juridique l'exige. C'est ainsi qu'il a reconnu l'immutabilité notamment aux dispositions créatrices de droits ou d'obligations que ne peuvent être édictées par l'autorité qu'après une procédure d'opposition ou d'enquête approfondie. Car une telle procédure a précisément pour objet, d'une part d'assurer la possibilité d'un examen des intérêts publics sous toutes les faces, mais d'autre part aussi d'offrir au citoyen la garantie que la disposition édictée de cette façon ne sera plus modifiée.
(In Les Principes Généraux du Droit Administratif Allemand, traduction de Ch. EISENMANN, Librairie Delagrave, Paris, 1933, pp. 126/7)

Em voto que proferiu quando integrante da Corte, publicado na RTRF/4ª Região, v. 6, p. 269, disse o então Des. Federal Gilson Dipp, verbis:

"a Administração Pública pode, de modo implícito, pelo silêncio ou pela inação, durante prolongado lapso temporal, ratificar ato administrativo. O Poder Público atentaria contra a boa-fé dos destinatários da administração se, com base em supostas irregularidades, por ele tanto tempo toleradas, pretendesse a supressão do ato.'

Por esses motivos, defiro o efeito suspensivo requerido à fl. 50.

Comunique-se.

Intimem-se os agravados para a resposta.

Após, dê-se vista ao douto MPF (art. 82, III, do CPC).

Intime-se. Comunique-se. Dil. legais.

Porto Alegre, 08 de maio de 2009.


Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Relator

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