RECURSO ESPECIAL Nº
1.000.731 - RO (2007/0254811-8)
RELATOR: MINISTRO
HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE: BRAULINO
BASÍLIO MAIA FILHO
ADVOGADO: LUÍS
FERNANDO P FRANCHINI E OUTRO(S)
RECORRIDO: INSTITUTO
BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA
PROCURADOR: EDVALDO DE
SOUZA OLIVEIRA NETO E OUTRO(S)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO
HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no
art. 105, III, "a" e "c", da Constituição da República,
contra acórdão assim ementado (fl. 153):
ADMINISTRATIVO.
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS –
IBAMA. POLÍTICAS NACIONAIS DE MEIO AMBIENTE. EXECUÇÃO. DETERMINAÇÕES DE CARÁTER
NORMATIVO. PORTARIAS. AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA EXPRESSA. INFRAÇÕES. MULTAS.
APLICAÇÃO. LEGITIMIDADE. LEIS Nº 6.938/81 E 8.005/90 E DECRETO Nº 99.274/90.
1 - Competindo ao
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, por
meio de Portarias, a execução das políticas nacionais de meio ambiente e autuar
e punir os infratores à legislação respectiva, nela incluída suas determinações
de caráter normativo, lídimas as multas aplicadas com espeque nestas, em face
de expressa autorização legislativa, inserta nos arts. 14, I, da Lei nº
6.938/81, 1º, 3º e 6º da Lei 8.005/90, e 33 do Decreto nº 99.274/90.
2 - Remessa oficial
provida.
3 - Sentença
reformada.
Em suas razões, o
recorrente suscita divergência jurisprudencial e violação dos arts. 1º, 3º e 6º
da Lei 8.005/1990; do art. 14, I, da Lei 6.938/1981; do art. 33 do decreto
99.274/1990; e dos arts. 18 e 25 do Decreto 1.282/1994. Alega, em síntese, que
tais dispositivos invocados pelo Tribunal de origem não dão suporte à sua
conclusão, e que "o art. 14, I, da Lei 6.938/81, é uma norma geral,
insuficiente para tipificar infração administrativa" (fl. 164).
Contra-razões às fls.
203-205.
O Ministério Público
Federal opina pelo provimento do apelo, ao argumento de que o art. 14 da Lei
6.938/1981 não ampara a cominação de multa por se tratar de norma genérica,
tampouco o fazem as portarias do Ibama, ante o princípio da legalidade (fls.
211-215).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº
1.000.731 - RO (2007/0254811-8)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO
HERMAN BENJAMIN (Relator): Cuidam os autos de Ação Ordinária proposta pelo ora
recorrente contra o Ibama, com o fito de obter declaração de nulidade de auto
de infração, datado de 20.9.1995, por realizar queimada de pastagem numa área
de 600 hectares.
O juízo de 1º grau
julgou procedente o pedido, ao fundamento de que o dispositivo legal no qual se
funda a autuação (art. 14, I, da Lei 6.938/1981) não consubstancia conduta
passível de penalização administrativa.
O Tribunal de origem
proveu a remessa oficial, ao fundamento de que "as penalidades por
infrações à legislação ambiental têm previsão legal expressa, inserta no art.
14, I, da Lei nº 6.938/81" (fl. 150) e que o Ibama possui competência
legal para aplicá-las.
De início, esclareço
que os diversos dispositivos legais invocados pelo Tribunal de origem para
sustentar a competência do Ibama (que não está sendo discutida nos autos) são
um plus à
questão em debate: a legalidade do auto de infração consubstanciado no art. 14,
I, da Lei 6.938/1981, in
verbis:
Art 14 - Sem prejuízo
das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não
cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos
inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental
sujeitará os transgressores:
I - à multa simples ou
diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a
1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTNs, agravada em
casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua
cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal,
Territórios ou pelos Municípios.
O dispositivo prevê a
aplicação de multa pelo "não cumprimento das medidas necessárias à
preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da
qualidade ambiental". É certo que a expressão "não cumprimento"
inclui atos de degradação não só por omissão, como também por ação.
No caso, a subsunção
da conduta do recorrente à norma é evidente, por ter realizado queimada de uma
área correspondente a 600 hectares sem autorização do órgão ambiental.
As queimadas são
incompatíveis com os objetivos de proteção do meio ambiente estabelecidos na
Constituição Federal e nas normas ambientais infraconstitucionais. Sobretudo em
época de mudanças climáticas, qualquer exceção a essa proibição geral, além de
prevista expressamente em lei federal, deve ser interpretada restritivamente
pelo administrador e juiz.
A propósito, cito
precedente:
AMBIENTAL – DIREITO
FLORESTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CANA-DE-AÇÚCAR – QUEIMADAS – ARTIGO 21,
PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 4771/65 (CÓDIGO FLORESTAL) E DECRETO FEDERAL N.
2.661/98 – DANO AO MEIO AMBIENTE – EXISTÊNCIA DE REGRA EXPRESSA PROIBITIVA DA
QUEIMA DA PALHA DE CANA – EXCEÇÃO EXISTENTE SOMENTE PARA PRESERVAR
PECULIARIDADES LOCAIS OU REGIONAIS RELACIONADAS À IDENTIDADE CULTURAL –
VIABILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DAS QUEIMADAS PELO USO DE TECNOLOGIAS MODERNAS –
PREVALÊNCIA DO INTERESSE ECONÔMICO NO PRESENTE CASO – IMPOSSIBILIDADE.
1. Os estudos
acadêmicos ilustram que a queima da palha da cana-de-açúcar causa grandes danos
ambientais e que, considerando o desenvolvimento sustentado, há instrumentos e
tecnologias modernos que podem substituir tal prática sem inviabilizar a
atividade econômica.
2. A exceção do
parágrafo único do artigo 27 da Lei n. 4.771/65 deve ser interpretada com base
nos postulados jurídicos e nos modernos instrumentos de linguística, inclusive
com observância – na valoração dos signos (semiótica) – da semântica, da sintaxe
e da pragmática.
3. A exceção
apresentada (peculiaridades locais ou regionais) tem como objetivo a
compatibilização de dois valores protegidos na Constituição Federal/88: o meio
ambiente e a cultura (modos de fazer). Assim, a sua interpretação não pode
abranger atividades agroindustriais ou agrícolas organizadas, ante a
impossibilidade de prevalência do interesse econômico sobre a proteção
ambiental quando há formas menos lesivas de exploração.
Agravo regimental
improvido.
(AgRg nos EDcl no REsp
1094873/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em
04/08/2009, DJe 17/08/2009)
Ad argumentandum
tantum,
o fato de a norma em comento ser aberta não retira a sua força legal. A efetiva
tutela do meio ambiente estaria comprometida, isso sim, se o legislador
engessasse o poder de polícia mediante a delimitação taxativa das medidas
necessárias à preservação ambiental, apenas com base nas previsíveis formas de
degradação.
O art. 14 da Lei
6.938/1981 constitui base suficiente para a imposição de multa pela degradação
do meio ambiente, seja por ação, seja por omissão (deixar de preservar ou
restaurar). E a especificação, em Decreto, Resolução e Portaria, de medidas
necessárias à preservação ambiental é tão legítima quanto a complementação
heteróloga das normas penais em branco.
A apontada divergência
deve ser comprovada, cabendo a quem recorre demonstrar as circunstâncias que
identificam ou assemelham os casos confrontados, com indicação da similitude
fática e jurídica entre eles. Indispensável a transcrição de trechos do
relatório e do voto dos acórdãos recorrido e paradigma, realizando-se o cotejo
analítico entre ambos, com o intuito de bem caracterizar a interpretação legal
divergente.
O desrespeito a esses
requisitos legais e regimentais (art. 541, parágrafo único, do CPC, e art. 255
do RI/STJ) impede o conhecimento do Recurso Especial, com base na alínea
"c", III, do art. 105 da Constituição Federal.
Na hipótese, não foi
demonstrada similitude fático-jurídica entre os casos confrontados.
Diante do exposto, conheço
parcialmente do Recurso Especial e, nessa parte, nego-lhe provimento.
É como voto.
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