PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. NATUREZA JURÍDICA DOS
MANGUEZAIS E MARISMAS. TERRENOS DE MARINHA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE.
ATERRO ILEGAL DE LIXO. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. NEXO DE CAUSALIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. PAPEL DO JUIZ NA IMPLEMENTAÇÃO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL. ATIVISMO JUDICIAL. MUDANÇAS CLIMÁTICAS. DESAFETAÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO JURÍDICA TÁCITA. SÚMULA 282/STF. VIOLAÇÃO DO ART. 397 DO CPC NÃO CONFIGURADA. ART. 14, § 1°, DA LEI 6.938/1981.
ATERRO ILEGAL DE LIXO. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. NEXO DE CAUSALIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. PAPEL DO JUIZ NA IMPLEMENTAÇÃO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL. ATIVISMO JUDICIAL. MUDANÇAS CLIMÁTICAS. DESAFETAÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO JURÍDICA TÁCITA. SÚMULA 282/STF. VIOLAÇÃO DO ART. 397 DO CPC NÃO CONFIGURADA. ART. 14, § 1°, DA LEI 6.938/1981.
1. Como regra, não viola o art. 397 do CPC a decisão que
indefere a juntada de documentos que não se referem a fatos novos ou não foram
apresentados no momento processual oportuno, ou seja, logo após a intimação da
parte para se manifestar sobre o laudo pericial por ela impugnado.
2. Por séculos prevaleceu entre nós a concepção cultural
distorcida que enxergava nos manguezais lato sensu (= manguezais stricto sensu
e marismas) o modelo consumado do feio, do fétido e do insalubre, uma
modalidade de patinho-feio dos ecossistemas ou antítese do Jardim do Éden.
3. Ecossistema-transição entre o ambiente marinho, fluvial e
terrestre, os manguezais foram menosprezados, popular e juridicamente, e por
isso mesmo considerados terra improdutiva e de ninguém, associados à procriação
de mosquitos transmissores de doenças graves, como a malária e a febre amarela.
Um ambiente desprezível, tanto que ocupado pela população mais humilde, na
forma de palafitas, e sinônimo de pobreza, sujeira e párias sociais (como zonas
de prostituição e outras atividades ilícitas).
4. Dar cabo dos manguezais, sobretudo os urbanos em época de
epidemias, era favor prestado pelos particulares e dever do Estado, percepção
incorporada tanto no sentimento do povo como em leis sanitárias promulgadas nos
vários níveis de governo.
5. Benfeitor-modernizador, o adversário do manguezal era
incentivado pela Administração e contava com a leniência do Judiciário, pois
ninguém haveria de obstaculizar a ação de quem era socialmente abraçado como
exemplo do empreendedor a serviço da urbanização civilizadora e do saneamento
purificador do corpo e do espírito.
6. Destruir manguezal impunha-se como recuperação e cura de
uma anomalia da Natureza, convertendo a aberração natural – pela humanização,
saneamento e expurgo de suas características ecológicas – no Jardim do Éden de
que nunca fizera parte.
7. No Brasil, ao contrário de outros países, o juiz não cria
obrigações de proteção do meio ambiente. Elas jorram da lei, após terem passado
pelo crivo do Poder Legislativo. Daí não precisarmos de juízes ativistas, pois
o ativismo é da lei e do texto constitucional. Felizmente nosso Judiciário não
é assombrado por um oceano de lacunas ou um festival de meias-palavras legislativas.
Se lacuna existe, não é por falta de lei, nem mesmo por defeito na lei;
é por ausência ou deficiência de implementação administrativa e judicial dos inequívocos deveres ambientais estabelecidos pelo legislador.
é por ausência ou deficiência de implementação administrativa e judicial dos inequívocos deveres ambientais estabelecidos pelo legislador.
8. A legislação brasileira atual reflete a transformação
científica, ética, política e jurídica que reposicionou os manguezais,
levando-os da condição de risco à saúde pública ao patamar de ecossistema
criticamente ameaçado. Objetivando resguardar suas funções ecológicas,
econômicas e sociais, o legislador atribuiu-lhes o regime jurídico de Área de
Preservação Permanente.
9. É dever de todos, proprietários ou não, zelar pela
preservação dos manguezais, necessidade cada vez maior, sobretudo em época de
mudanças climáticas e aumento do nível do mar. Destruí-los para uso econômico
direto, sob o permanente incentivo do lucro fácil e de benefícios de curto
prazo, drená-los ou aterrá-los para a especulação imobiliária ou exploração do
solo, ou transformá-los em depósito de lixo caracterizam ofensa grave ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado e ao bem-estar da coletividade,
comportamento que deve ser pronta e energicamente coibido e apenado pela
Administração e pelo Judiciário.
10. Na forma do art. 225, caput, da Constituição de 1988, o
manguezal é bem de uso comum do povo, marcado pela imprescritibilidade e
inalienabilidade. Logo, o resultado de aterramento, drenagem e degradação
ilegais de manguezal não se equipara ao instituto do acrescido a terreno de
marinha, previsto no art. 20, inciso VII, do texto constitucional.
11. É incompatível com o Direito brasileiro a chamada
desafetação ou desclassificação jurídica tácita em razão do fato consumado.
12. As obrigações ambientais derivadas do depósito ilegal de
lixo ou resíduos no solo são de natureza propter rem, o que significa dizer que
aderem ao título e se transferem ao futuro proprietário, prescindindo-se de
debate sobre a boa ou má-fé do adquirente, pois não se está no âmbito da
responsabilidade subjetiva, baseada em culpa.
13. Para o fim de apuração do
nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz
quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem
financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem.
14. Constatado o nexo causal entre a ação e a omissão das
recorrentes com o dano ambiental em questão, surge, objetivamente, o dever de
promover a recuperação da área afetada e indenizar eventuais danos
remanescentes, na forma do art. 14, § 1°, da Lei 6.938/81.
15. Descabe ao STJ rever o entendimento do Tribunal de
origem, lastreado na prova dos autos, de que a responsabilidade dos recorrentes
ficou configurada, tanto na forma comissiva (aterro), quanto na omissiva
(deixar de impedir depósito de lixo na área).
Óbice da Súmula 7/STJ.
Óbice da Súmula 7/STJ.
16. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte,
não provido.
(STJ, 2 T., v.u., REsp 650.728/SC, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, j. em 23/10/2007, DJe 02/12/2009)
(STJ, 2 T., v.u., REsp 650.728/SC, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, j. em 23/10/2007, DJe 02/12/2009)
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