LIXO ELETRÔNICO
Quando chega o fim da vida útil de artigos
eletrônicos, quem deve se responsabilizar pelo descarte adequado desses
produtos? Será a população, os fabricantes ou o poder público? Na verdade,
todos devem ter sua parcela de comprometimento: os consumidores precisam fazer
um uso racional desses equipamentos, empresas têm de orientá-los sobre o
destino final, e cabe ao governo regulamentar esse processo de descarte. Essa é
a ideia defendida por entidades, grupos da sociedade civil e políticos
interessados no assunto. No entanto, esses papéis ainda não estão bem
definidos.
Para Rodrigo Baggio, empreendedor social,
fundador e diretor-executivo do Comitê para Democratização da Informática
(CDI), a solução desse impasse ainda não está pronta. De acordo com ele, é preciso
um amplo debate entre todos os segmentos sociais, que devem lidar de modo
crítico, atento e responsável. “Em geral, numa sociedade cujos atores e setores
ainda não se sentem suficientemente autônomos, uns ficam esperando os outros
encontrarem uma solução. Então, ninguém toma a questão para si e dá o primeiro
passo”, afirma.
Felipe Andueza, membro do projeto
lixoeletrônico.org, também acredita que todos os setores da sociedade devem
assumir sua responsabilidade. O grupo criou o Manifesto do Lixo Eletrônico,
cuja proposta é incluir esses equipamentos no Projeto de Lei 203/91, em
tramitação na Câmara dos Deputados, que obriga a logística reversa e deposição
adequada de produtos com potencial de contaminação. Andueza comenta que estudo
da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) estima que
apenas 1% dos eletrônicos do mercado formal consumidos no Brasil são
reciclados. Dada a gravidade do problema, ele assegura que há muito a ser
feito.
“As pessoas, como cidadãs, podem cobrar políticas
públicas eficientes. Já como consumidoras, podem pressionar os fabricantes a
aceitarem os equipamentos que produziram. As empresas fabricantes de
eletrônicos devem se responsabilizar pelo ciclo reverso de seus produtos e,
como consumidoras, devem dar o melhor destino a seus descartes tecnológicos.
Enquanto o poder público deve regulamentar políticas públicas eficientes na
área, consumir eletrônicos com certificação ambiental e promover a reciclagem e
a conscientização da população”, considera Andueza.
Consumo e lixo
O deputado estadual de São Paulo, Paulo Alexandre
Barbosa (PSDB), autor do Projeto de Lei 33/2008, sancionado pelo governador
José Serra em julho de 2009 e que institui normas e procedimentos para a
reciclagem, o gerenciamento e a destinação final de lixo tecnológico, entre
outras providências, explica que é necessário compatibilizar o avanço produtivo
e da tecnologia com a preservação do meio ambiente. “Sabemos do papel
estratégico do Brasil como um dos quatro países do mundo, com China, Rússia e
Índia, com maior potencial de desenvolvimento econômico nas próximas décadas. E
é claro que esse desenvolvimento inclui a questão da ampliação do acesso à
tecnologia”, comenta.
De acordo com Barbosa, dados apontam que foram
comercializados no Brasil cerca de 12 milhões de computadores somente em 2008,
contra os 10 milhões no ano anterior. Ainda em 2007, os brasileiros compraram
1.912 milhão de laptops, o que representou um salto de 183% sobre as vendas de
2006. “Calcula-se que o mercado brasileiro possua 140 milhões de aparelhos
celulares em operação. Isso sem contar a venda de televisores, que bate
recordes sucessivos todos os anos. O problema é que o tempo atual de
obsolescência desses equipamentos é de dois a quatro anos”, pondera.
O consumo exacerbado e a menor vida útil dos
artigos eletrônicos implicam o agravamento da situação. “Especialistas das
áreas de tecnologia e de meio ambiente preveem que o País deve enfrentar, nos
próximos cinco anos, uma enxurrada de lixo tecnológico; situação que já se tornou
um problema grave para os Estados Unidos e países europeus. São Paulo, como o
maior pólo consumidor desses equipamentos no País, deverá ser o estado mais
afetado nos próximos anos pela questão”, salienta.
Para o deputado, os consumidores devem ter conhecimento
da composição dos produtos que levam para casa. Isso porque alguns materiais
possuem grande concentração de agentes químicos altamente nocivos ao meio
ambiente e à saúde da população. “O arsênico presente nos celulares ou o chumbo
dos computadores e dos televisores pode causar desde danos ao sistema nervoso
até o câncer, por exemplo”, completa.
Falta de regulamentação
Rodrigo Baggio lembra que, no Brasil, não há uma
legislação em âmbito federal que trate claramente do papel das empresas no que
se refere à fabricação, ao recolhimento e ao descarte desses produtos. “Estamos
muito atrasados nessa questão, sobretudo em função da crescente venda de
computadores e periféricos e do menor tempo de vida útil dos equipamentos. Mas
já existem leis municipais e estaduais, sobretudo em grandes centros de consumo
como Rio de Janeiro e São Paulo, que se reportam à responsabilidade das
empresas fabricantes”, avalia o fundador do CDI.
O deputado de São Paulo explica que o projeto
sancionado em julho pelo governador José Serra prevê que os estabelecimentos
comerciais possuam pontos de coleta de equipamentos. “Esse é um arranjo que
deve ser estabelecido entre os comerciantes e as empresas e/ou importadores com
os quais eles trabalham”, emenda Barbosa. A ideia do projeto é que o consumidor
entregue o equipamento usado na loja em que foi adquirido, por exemplo, e o
comerciante encaminhe para o produtor. “Nada impede, no entanto, que os
fabricantes e importadores disponibilizem números de telefone que o consumidor
possa acessar para que o produto seja retirado na residência da pessoa, como
algumas empresas já fazem em vários países”, acrescenta.
Apesar de considerar imprescindíveis as leis que
atentem empresas e cidadãos para suas responsabilidades com o lixo, Baggio
lembra que elas não têm papel educativo, medida crucial para resolver a
situação. Para ele, consumidores conscientes têm o poder de escolher melhor e
de lutar por condições econômicas, sociais e ambientais mais corretas e justas.
“O cidadão comum não tem o direito de jogar seu equipamento velho em qualquer
terreno, apenas transferindo o problema de lugar. Por isso, é preciso
disponibilizar postos de coleta, formas de recolhimento e, principalmente,
informação a respeito do assunto. Afinal, estamos na era do conhecimento, com
muito mais facilidade para nos comunicarmos e expressarmos. Devemos usar isso a
favor da construção de uma postura mais cidadã e de uma vida com mais qualidade
e dignidade”, opina.
Segundo Baggio, o CDI estuda esse tema com apoio
de professores e especialistas. O objetivo da entidade é contribuir para
aprofundar a qualidade das informações e das discussões. “Estamos distantes de
uma solução ideal. Será que é mais conveniente cuidar do lixo aqui ou mandar
para fora? As próprias empresas fazerem ou terceirizarem o serviço? Para onde
estão enviando o que sobra dos computadores, e quem manipula esses restos? São
perguntas a serem respondidas, mas com o apoio do poder público, sem dúvida”,
discorre.
Uma notícia publicada pela Agência Estado no
domingo, 26 de julho, revela que os Estados Unidos exportam 80% de seus
resíduos eletrônicos para países pobres, incluindo o Brasil, com a maior
quantidade desembarcando na China. Os números da consultoria suíça Basel Action
são ainda mais alarmantes e citam que os chineses ficam com 90% do lixo
norte-americano, além de produzirem anualmente 1 milhão de toneladas.
Atuação dos produtores
Marcus Nakagawa, assessor de Sustentabilidade da
Philips afirma que a empresa entende a necessidade de se buscar continuamente o
melhor aproveitamento dos equipamentos tecnológicos fora de uso. Por isso, a
companhia criou o Ciclo Sustentável Philips, um programa destinado a recolher e
reciclar os aparelhos eletrônicos da marca que estejam obsoletos. “Os
equipamentos entregues nos postos credenciados receberão a correta destinação
e, sempre que possível, a reciclagem. O programa visa a minimizar o impacto
ambiental e a produção de lixo, promovendo sustentabilidade e bem-estar”,
explica, acrescentando que o piloto da iniciativa foi lançado em Manaus (AM),
em 2008, e será estendido para o restante do País após a análise dos
resultados.
Por intermédio do programa de preservação
ambiental, instituído há dez anos para, inicialmente, receber baterias, a
Motorola já recolheu 280 toneladas de componentes eletrônicos para reciclagem.
Essa é uma iniciativa mundial da companhia para descarte adequado de acessórios
e aparelhos fora de uso. De acordo com informações da empresa, foram retiradas
30 toneladas de material nos postos de coleta instalados nas 120 lojas do
Serviço Autorizado Motorola de todo o País em 2008. Por considerar o programa
um sucesso, a empresa criou o ECOMOTO em 2007. A iniciativa prevê que, após a
coleta do material cuja vida útil tenha terminado, os componentes sejam
analisados e classificados para o processo de reciclagem e algumas substâncias,
como cobre, ouro, bronze e ferro, recuperadas.
A IBM também possui uma política voltada para o
descarte adequado dos resíduos de sua produção e também dos equipamentos que
ficam nos clientes. Segundo comunicado da empresa, desde 2000 os monitores
deixaram de ser enviados para aterros sanitários. A companhia passou a
armazenar esses equipamentos até identificar uma tecnologia ambientalmente
correta para efetuar a destinação final. Em 2008, 180 toneladas de monitores
começaram a ser enviadas para reciclagem. Nesse processo, o vidro, por exemplo,
se transforma em bolinhas de gude.
De acordo com Nakagawa, a Philips busca
estabelecer uma convergência de forças com fornecedores, clientes, funcionários
e parceiros para compreender os dilemas da sustentabilidade. E, nesse processo,
a Comunicação Corporativa tem muito a contribuir. “Essa área é de vital
importância para a difusão da conscientização tanto do público interno da
empresa quanto do público externo a respeito das políticas que visam à
sustentabilidade, que é parte integrante de nossos negócios globalmente. Ela
impulsiona a criação e o desenvolvimento de soluções e de produtos com maior
eficiência energética e responsabilidade socioambiental. A sustentabilidade é a
garantia de manutenção de mercados e negócios futuros da empresa”, completa.
Gabriela Bittencourt, do Nós da Comunicação
Publicado no Blog Mercado Ético
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