Gilberto Dupas
A ERA DA ABUNDÂNCIA EM RECURSOS NATURAIS
TERMINOU.
É a opção
pela acumulação de capital em detrimento do bem-estar social amplo
TENSÕES ENTRE expansão econômica e conservação do meio ambiente são
inevitáveis. O motor dinâmico do capitalismo, a destruição criativa
schumpeteriana, exige contínuo sucateamento em escala global e novos produtos
sendo transformados em objeto de desejo pela propaganda, gerando imenso
desperdício de matérias-primas e recursos naturais, degradação do meio ambiente
e escassez de energia.
Como a saúde e as atividades da espécie humana dependem do bom
funcionamento de ecossistemas que estão colapsando e de materiais que passaram
a escassear, corremos um sério risco de desestabilização. Cerca de 12% de todas
as espécies de aves, 23% dos mamíferos, 25% das coníferas e 32% dos anfíbios estão
ameaçados de extinção e mais da metade dos ecossistemas vitais são explorados
de maneira não sustentável.
Ar, água, solo e, em conseqüência, agricultura e alimentos estão
contaminados por moléculas químicas inéditas suscetíveis de induzir a câncer,
má-formação e esterilidade.
A era da abundância em recursos naturais terminou. O poder econômico
continua garantindo que as novas tecnologias "darão um jeito". Mas,
para inúmeros cientistas respeitáveis, mais alguns passos da humanidade na
direção errada e o irreparável pode acontecer, tendo as gerações futuras como
vítimas.
Resta saber se a sociedade tem vontade e capacidade para agir, ou seja,
se o quadro é reversível ou se uma tragédia já está programada. A questão das
escolhas é crítica. Um caso clássico -sob indução da indústria automobilística-
é a prioridade do transporte individual sobre o coletivo, apesar de não haver
impedimento tecnológico ou financeiro para que as grandes cidades movimentem
sua população de forma limpa e eficiente. A questão é determinar quem define
essas escolhas e em benefício de que grupos ou lógicas.
Joan M. Alier identifica quatro principais correntes em luta na questão
ambiental: os ecologistas profundos, os ecoeficientes, os ecologistas sociais e
os antiecologistas.
Os primeiros, cultivadores da vida silvestre e do amor aos bosques
primários e cursos d'água, julgam imperiosas as ações que visem preservar o que
sobrou da natureza original fora da influência do mercado.
Já os ecoeficientes temem os efeitos do crescimento econômico sobre
áreas nativas e os impactos ambientais ou riscos à saúde decorrentes da
industrialização, da urbanização e da agricultura moderna, mas crêem no
desenvolvimento sustentável e na otimização da utilização dos recursos.
Suas propostas: ecoimpostos, mercados de licenças de emissões, novas
tecnologias voltadas para a economia de energia e de matérias-primas e
"precificação" visando um correto "metabolismo" industrial
e o controle da degradação ambiental.
Finalmente, os ecologistas sociais, adeptos da justiça ambiental ou do
ecologismo dos pobres, alertam para os impactos da degradação do meio ambiente
sobre os excluídos e para o deslocamento geográfico das fontes de recursos e
das áreas de descarte dos resíduos em direção aos países periféricos. Estados
Unidos e União Européia importam grande parte do petróleo e das matérias-primas
que consomem. Já a América Latina os exporta seis vezes mais do que os importa.
O resultado é que as fronteiras de petróleo e gás, alumínio, cobre, eucalipto e
óleo de palma, camarão, ouro e soja transgênica avançam em direção à periferia.
À medida que se expande a escala da economia global, mais resíduos são gerados,
os sistemas naturais são comprometidos e se vão os direitos das gerações
futuras.
Já o poderoso lobby antiecologista conta com forte apoio do setor
privado e de governos pressionados por metas de crescimento econômico de curto
prazo.
Estamos diante da opção privilegiada pela acumulação de capital em
detrimento do bem-estar social amplo. Como produzir uma mudança radical de
modelo se o mercado livre é a lei e os grandes atores econômicos têm total
liberdade de definir a direção dos vetores tecnológicos? Alguma chance de o
próprio mercado se auto-regular? Quem poderá, em nome do futuro da sociedade,
determinar restrições e direções dessa mudança?
Trata-se de uma tarefa imensa de reconversão da lógica privada de
produção. Quem vai ser capaz de enfrentar essa batalha gigantesca em nome do
futuro da civilização?
GILBERTO DUPAS, 64, é
presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI),
coordenador geral do Grupo de Conjuntura Internacional da USP e autor de
"O Mito do Progresso" (Unesp), entre outras obras.
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