NOTIFICANTE: INSTITUTO
JUSTIÇA AMBIENTAL - IJA
NOTIFICADO: Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, CNPJ 33.657.248/0001-89, com sede
na Av. República do Chile, 100 – Centro, CEP 20031-917 - Rio de Janeiro – RJ,
na pessoa de seu Presidente e representante legal, Sr. Luciano Coutinho
TEOR DA PRESENTE
NOTIFICAÇÃO:
Pelo presente
instrumento particular e na melhor forma admitida em direito, os NOTIFICANTES,
por seus bastante procuradores que a esta subscrevem, vêm formal e
respeitosamente NOTIFICAR, sobre os seguintes fatos que a seguir passa a expor:
É de conhecimento público a intenção do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em ser o financiador principal do
empreendimento denominado Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte, no Rio
Xingu, Estado do Pará, independentemente de seu custo financeiro, econômico,
social ou ambiental[1]. Já chegou a ser anunciado publicamente que o
banco estaria disposto a contribuir diretamente com, no mínimo, R$
12.000.000.000 (doze bilhões de reais), o que seria o maior empréstimo individual
já feito por essa instituição financeira[2].
Cumpre observar que o anúncio público de que o BNDES seria o principal financiador
do projeto foi feito antes mesmo da licença prévia ambiental haver sido
concedida, ou seja, antes mesmo que suas implicações socioambientais fossem
avaliadas pelo órgão competente. Essa atitude não só afronta o artigo 10 de seu
Estatuto Social – que dispõe ser necessário um “exame técnico e
econômico-financeiro de empreendimento, projeto ou plano de negócio, incluindo
a avaliação de suas implicações sociais e ambientais” para aprovar qualquer
transação financeira – como denota um certo açodamento ao tratar de uma questão
de tamanha relevância, não só pelo volume de recursos envolvidos, mas sobretudo
pelos riscos socioambientais associados ao investimento, os quais sempre foram
de conhecimento público.
Esse mesmo açodamento fez com que, em 01/02/2010, o Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama tenha concedido a
licença prévia ao empreendimento (LP no 342/2010), mesmo havendo
pareceres da equipe responsável pela análise de sua viabilidade ambiental
recomendando a sua não emissão, por ainda não haver clareza quanto à magnitude
dos impactos que seriam causados. Essa conduta não só infringiu os princípios
da moralidade e da motivação dos atos e decisões administrativas (art.37, caput,
CF; art.2o, Lei Federal 9784/99), sendo, portanto, de duvidosa
validade jurídica, como também criou um imenso risco ao investimento, pois
irresponsavelmente passou por cima de problemas de grande magnitude que já
deveriam haver sido resolvidos, e que podem afetar não só a viabilidade econômica
do empreendimento mas, sobretudo, sua possibilidade de implantação.
Com efeito, na Nota Técnica 04/2010, assinada dois dias antes da
emissão da licença, a equipe técnica do Ibama afirma, expressa e
inequivocamente, que “não há elementos suficientes para atestar a
viabilidade ambiental do empreendimento, até que sejam equacionadas as
pendências apontadas nas conclusões do Parecer 06/2010”. E não são pendências
sobre aspectos secundários do empreendimento ou de seus impactos, mas sobre
aspectos centrais.
Qualidade de água no rio Xingu
Uma das mais graves diz respeito à definição, com algum grau de
segurança, da qualidade da água do lago a ser formado e dos canais a serem
construídos. Diante da inconsistência das informações apresentadas no EIA, o
Ibama contratou uma equipe de especialistas da Universidade de Brasília- UnB
para emitir uma opinião balizada sobre o assunto, a partir dos dados constantes
no processo de licenciamento. Em parecer de 27/01/2010, após haver analisado
cuidadosamente todos os estudos apresentados, essa equipe afirma que a
modelagem utilizada pelos responsáveis pelo os dados do Estudo de Impacto
Ambiental (EIA) é equivocada e insuficiente para se fazer qualquer prognóstico
futuro, o que, em si, já impossibilitaria a emissão da licença.
Mas não é só. Refazendo parte das análises elaboradas pelo empreendedor,
referido parecer conclui que, ao contrário do que diz o EIA ou assume a LP, há
grandes chances (62% de probabilidade) de haver eutrofização nos futuros lagos,
o que faria com que a qualidade da água fosse inferior aos parâmetros
mínimos exigidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA (Resolução
357), com conseqüências terríveis para a fauna aquática e a população regional
num trecho de 144 km de extensão ao longo do rio Xingu (inclusive
defronte à cidade de Altamira) e dos canais a serem criados. Com base nisso
conclui o parecer que “de acordo com o estudo feito e o modelo selecionado
mostrado no relatório sob análise, não poderá ser construído o AHE de
Belo Monte, a menos que se assumam os riscos indicados de eutrofização dos dois
reservatórios”. Como, pelo disposto na Resolução CONAMA 357, a
qualidade de água nesse rio não pode ser inferior a de classe 2, e a
eutrofização dos reservatórios implicaria em uma qualidade de água inferior a
esse standard (não permite a manutenção das comunidades aquáticas, a
pesca, a recreação e mesmo o abastecimento humano), não se trata de assumir
riscos: se há grande chance de haver eutrofização nos lagos a serem formados, a
obra não pode ser autorizada. Essa conclusão, no entanto, foi desprezada pela
Presidência do Ibama ao emitir a licença.
Vazão ecológica no Trecho de Vazão Reduzida
Além de haver conscientemente desconhecido os riscos relativos à
qualidade de água nos lagos, a Presidência do Ibama, ao assinar a LP,
expressamente contrariou a decisão de sua equipe técnica, expressa no Parecer
Técnico 06/2010, no que diz respeito à vazão ecológica a ser mantida no longo
trecho de vazão reduzida (TVR) que será criado no rio Xingu, de mais de 100 km
de extensão.
Nesse importante trecho do rio (conhecido como a “Volta Grande do
Xingu”) vivem centenas de famílias, incluindo aquelas que vivem em 2 terras
indígenas, que dependem diretamente do rio para comer, beber, se locomover,
dentre outras atividades cotidianas fundamentais. De acordo com o arranjo de
engenharia da obra, esse trecho sofrerá uma “seca permanente”, pois grande
parte da vazão do rio será desviada para os canais a serem construídos, que por
sua vez direcionarão a água diretamente às casas de máquinas, para gerar
energia. Como não é permitido secar totalmente um trecho do rio, o projeto
deveria prever que fosse liberada uma determinada quantidade de água nesse
trecho, suficiente para manter os processos ecológicos básicos e os modos de
vida da população que ali permanecerá.
A proposta do empreendedor para a vazão ecológica do TVR, denominada de
“hidrograma de consenso”, foi expressamente rejeitada pela equipe do Ibama no
Parecer Técnico 06/2010. Segundo este, “o hidrograma de consenso, devido à
existência de anos com vazões de cheia inferiores a 8.000 m3/s, não
apresenta segurança quanto à manutenção do ecossistema para o recrutamento da
maioria das espécies dependentes do pulso de inundação, o que poderá acarretar
severos impactos negativos, inclusive o comprometimento da alimentação e do
modo de vida das populações da Volta Grande”. Por essa razão, conclui que
“com base nas informações hoje disponíveis, esta equipe considera necessária a
afluência da vazão média mensal, no mês de abril, de pelo menos 8.000 m3/s
no Trecho de Vazão Reduzida e, portanto, a não aceitação do Hidrograma A e
do Hidrograma de Consenso”.
Inobstante essa conclusão técnica clara e inequívoca, a Licença Prévia
não só não a levou em consideração, como a contrariou. Em seu item 2.1., dentro
das condições específicas, define que a vazão no TVR será aquela
estipulada no “hidrograma de consenso”, o qual deverá ser “testado” durante os
seis primeiros anos de funcionamento da usina para então se avaliar as
conseqüências e eventualmente reformular a Licença de Operação.
Ora, segundo os prognósticos feitos pelo próprio EIA, as conseqüências
mais prováveis são sabidas, e exatamente por isso a equipe técnica rejeitou o
“hidrograma de consenso”. Se ocorrer o que foi previsto no EIA e pela equipe do
Ibama - comprometimento do ciclo de vida de muitas espécies aquáticas e
conseqüentemente da alimentação e do modo de vida das populações da Volta
Grande – e for feito, haverá não só óbices jurídicos à própria operação do
empreendimento, como também um elevado custo de compensações, indenizações e
relocamentos que não foram contabilizados no EIA, na licença ou no Estudo de
Viabilidade Econômica - EVE do empreendimento. Se, por outro lado, o hidrograma
aprovado pela LP vier a ser revisto, em conseqüência de seus efeitos nefastos
para a vida na Volta Grande, a própria produção de energia do empreendimento
será afetada, o que também não foi previsto no EVE e tampouco em qualquer
cálculo oficial elaborado até o momento.
Linhas de transmissão não foram licenciadas
Além do anteriormente descrito, a licença outorgada não analisou os
impactos da linha de transmissão a ser construída para escoar o total da
energia gerada ao Sistema Interligado Nacional, cujo projeto sequer foi
contemplado no decorrer do processo de licenciamento ambiental, o que contraria
frontalmente a Resolução CONAMA 01/86, e gera graves riscos de ordem
socioambiental, na medida em que não se sabe quais serão os impactos que serão
causados, muito menos os custos para sua mitigação ou compensação.
Responsabilidades do BNDES
É de
conhecimento público, e inclusive alardeado por essa instituição, que o BNDES e
outras instituições financeiras públicas assinaram em 1995, e renovaram em 2008
um compromisso voluntário de Intenções Pela Responsabilidade Socioambiental,
conhecido como Protocolo Verde, no qual se afirma que “os bancos
signatários deste Protocolo reconhecem que podem cumprir um papel fundamental
na busca de um desenvolvimento sustentável que pressuponha a preservação
ambiental e uma contínua melhoria no bem estar da sociedade”.
Além
disso, o BNDES tem uma responsabilidade perante a lei de assumir as
conseqüências de seus financiamentos que causam impactos socioambientais.
O artigo
192 da Constituição Federal define que o sistema financeiro nacional
encontra-se alicerçado em dois pilares fundamentais, quais sejam, a promoção do
desenvolvimento equilibrado do País e a utilidade aos interesses da coletividade,
dentre os quais, obviamente, se encontra a manutenção do “meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida”, tal como estipulado no art. 225 de nossa Carta Magna.
Por essa
razão, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) estipula, em
seu art. 12, que “as entidades e órgãos de financiamento e incentivos
governamentais condicionarão a aprovação de projetos habilitados a esses
benefícios ao licenciamento, na forma desta Lei, e ao cumprimento das normas,
dos critérios e dos padrões expedidos pelo CONAMA”. Esse dispositivo, mais
do que simplesmente exigir a apresentação de um documento formal, tem por
objetivo evitar que seja outorgado financiamento a projetos inviáveis do ponto
de vista socioambiental, pois, à luz da PNMA, o agente que financia projetos
e/ou atividades causadoras de lesões ao meio ambiente estará exercendo uma
atividade de cooperação ou mesmo de co-autoria, devendo responder, então, pela
degradação ambiental provocada pelo responsável direto pelo empreendimento
financiado (art.3o da Lei 6938/81). Sobretudo porque, como é cediço, em matéria
ambiental a responsabilidade pelo dano é objetiva.
Conclusão
Diante de todo o exposto, sendo do conhecimento do
NOTIFICADO:
a) que
a Licença Prévia 342/2010, referente ao empreendimento AHE Belo Monte,
tem vícios graves, por haver desconsiderado e contrariado conclusões da equipe
técnica do Ibama, que apontavam para a impossibilidade de se decidir, com as
informações disponíveis, sobre a viabilidade do empreendimento;
b) a
altíssima probabilidade de que, caso o empreendimento venha a ser instalado e
entre em operação, venham ocorrer impactos socioambientais de grande magnitude
que, em decorrência do anterior, não foram adequadamente previstos, e,
portanto, cujos custos de prevenção, mitigação, compensação ou indenização não
foram dimensionados e internalizados no custo total do projeto;
Vêm os
NOTIFICANTES dar ciência ao NOTIFICADO que:
1.
A emissão da Licença Prévia 342/2010 não deve ser entendida pelo NOTIFICADO
como garantia suficiente de que os graves problemas socioambientais do
empreendimento AHE Belo Monte foram adequadamente avaliados e equacionados, e
portanto, que o projeto está apto a ser financiado;
2.
Não deve ele financiar a instalação do empreendimento AHE Belo Monte sem que
antes os graves problemas apontados sejam resolvidos, ou seja, sem que seja
reconhecida a nulidade da licença ora em vigor e uma nova decisão, dessa vez
condizente com as conclusões da equipe técnica do Ibama, seja tomada.
3.
Se os problemas não forem resolvidos e o NOTIFICADO vier a ser financiador do
empreendimento, como anunciado, ele se tornará, automaticamente, responsável
solidariamente por todos os danos ambientais que vierem a ocorrer, nos termos
dos artigos 12 e 14, § 1º, da lei 6.938/81, inclusive daqueles não previstos ou
assumidos pela LP 342/2010.
4.
Se os eventos danosos anunciados nos pareceres técnicos do Ibama, alguns deles
aqui reiterados, vierem efetivamente a ocorrer, os NOTIFICANTES irão cobrar do
NOTIFICADO, nas esferas judicial e extrajudicial, todos os custos decorrentes
dos impactos sobre a fauna, flora e pessoas da região, quaisquer que sejam os
seus valores, e inclusive aqueles que são impossíveis de se valorar.
A
presente NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL, estampada em 02 (duas) vias assinadas e
rubricadas, representa a salvaguarda dos legítimos direitos do NOTIFICANTE.
Certos de que seremos
prontamente atendidos nesse cordial pedido, desde já agradecemos sua
compreensão.
Atenciosamente,
Altamira, 22 de março
de 2010
Assinatura
Instituto Justiça
Ambiental - IJA
Cristiano Pacheco
Diretor Executivo
Instituto Justiça
Ambiental
Rua Mostardeiro, 5,
conj, 1010, Porto Alegre, RS, Brasil
CEP 90.430-001
51 3907-9010
/ 9829-9010
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