INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA MARCOU NOVA RACIONALIDADE JURÍDICA NO
JULGAMENTO DE AÇÕES AMBIENTAIS
No sistema
processual brasileiro, há uma regra geral: o ônus da prova incumbe ao autor,
que deve demonstrar os fatos constitutivos do seu direito, para que a verdade
alegada em juízo seja admitida pelo magistrado. Ao réu, por sua vez, cabe
demonstrar a existência de fatos que modificam ou mesmo extinguem o direito
pleiteado pelo autor, podendo contestá-lo por meio de contraprovas.
Se parece
adequada para a maioria das lides, a regra do ônus da prova pode representar,
no caso das ações ambientais, um empecilho processual. Não apenas porque
desconsidera as dificuldades naturais de prova do nexo de causalidade entre a
atividade exercida e a degradação, como também ignora um princípio fundamental
do Direito Ambiental: o de que a adoção de medidas para evitar a ocorrência de
danos ambientais não deve ser protelada – nem mesmo nos casos em que não há
certeza científica do dano.
Tal
abordagem, consagrada como o “princípio da precaução”, motivou o Superior
Tribunal de Justiça (STJ) a adotar uma nova racionalidade jurídica no julgamento
das ações civis ambientais. Em uma inovação de sua jurisprudência, o Tribunal
tem admitido a inversão do ônus da prova em casos de empresas ou empreendedores
acusados de dano ambiental – ou seja, cabe ao próprio acusado provar que sua
atividade não enseja riscos à natureza.
O
entendimento se baseia na ideia de que, quando o conhecimento científico não é
suficiente para demonstrar a relação de causa e efeito entre a ação do
empreendedor e uma determinada degradação ecológica, o benefício da dúvida deve
prevalecer em favor do meio ambiente – o que se traduz na expressão in dubio
pro ambiente, ou interpretação mais amiga da natureza.
A aplicação
do princípio da precaução como instrumento hermenêutico foi evidenciada em um
julgamento paradigmático da Segunda Turma do STJ (REsp 972.902/RS). O processo
envolveu uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Rio Grande
do Sul objetivando a reparação de dano ambiental de uma indústria de borracha.
No recurso especial que interpôs no Tribunal, o Ministério Público pleiteou a
inversão do ônus da prova, pedido negado pelas instâncias inferiores.
Em seu voto,
a relatora do processo, ministra Eliana Calmon, deferiu o pedido por meio da
equiparação da proteção do meio ambiente às relações de consumo, nas quais o
instituto da inversão do ônus da prova aparece expressamente previsto no
ordenamento jurídico (art. 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor).
“No caso das ações civis ambientais, entendo que o caráter público e coletivo
do bem jurídico tutelado nos leva à conclusão de que alguns dos direitos do
consumidor também devem ser estendidos ao autor daquelas ações, afinal tais
buscam resguardar ou reparar o patrimônio público de uso coletivo”, afirmou a
ministra.
Tal
entendimento foi pacificado no Tribunal no julgamento das ações por dano
ambiental em que cabe a aplicação do princípio da precaução. “Esse princípio
pressupõe a inversão do ônus probatório, competindo a quem supostamente
promoveu o dano ambiental comprovar que não o causou ou que a substância
lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva”, posicionou-se Eliana
Calmon num julgamento recente, que envolveu a emissão de um suposto poluente –
o carbonato de cálcio – por uma empresa de transportes e armazenagem do
interior de São Paulo (REsp 1.060.753/SP).
Ao interpretar o disposto no Código de Defesa do Consumidor sob a lente da gestão preventiva do dano ambiental, os ministros do STJ transferiram para o empreendedor da atividade potencialmente lesiva o ônus de demonstrar a segurança da atividade. A decisão, recebida com louvores, conferiu normatividade aos princípios do Direito Ambiental que vinculam a ação humana presente a resultados futuros, revigorando uma nova concepção ética da tutela ao meio ambiente
Ao interpretar o disposto no Código de Defesa do Consumidor sob a lente da gestão preventiva do dano ambiental, os ministros do STJ transferiram para o empreendedor da atividade potencialmente lesiva o ônus de demonstrar a segurança da atividade. A decisão, recebida com louvores, conferiu normatividade aos princípios do Direito Ambiental que vinculam a ação humana presente a resultados futuros, revigorando uma nova concepção ética da tutela ao meio ambiente
Fonte: STJ
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