Tema:
TEORIA DO CRIME –
ILICITUDE OU ANTIJURIDICIDADE (1ª Parte)
1 – Noção
acerca da ILICITUDE
- A ilicitude
é uma palavra sinônima de antijuridicidade. A ilicitude é a relação de antagonismo estabelecido entre o ordenamento jurídico e a conduta do agente.
-
Segundo Julio Fabbrini Mirabete[1]:
“ilícito
é aquilo que contraria a lei. É a relação de contrariedade entre o fato típico
praticado e o ordenamento jurídico”.
- Atenção: Na esfera criminal, os
ilícitos podem ser definidos como crimes
ou contravenções e, ao puni-los, faz-se aplicação de sanções mais graves chamadas penas. Mas esses mesmos atos, enquanto
envolvam a violação de interesses de pessoas singularmente consideradas,
pertencem também ao direito civil.
2 –
Evolução da Antijuridicidade na Teoria do Delito
- No
entendimento de Franz Liszt a ilicitude
faz parte da faceta objetiva do crime.
- No
entendimento de Ernst Von Beling, a
ilicitude é traduzida em categoria própria, ainda no causalismo naturalista.
- No
entendimento de Edmund Mezger, a
ilicitude se constitui na formação do tipo total do injusto, logo, a antijuridicidade
estaria impregnada de valoração. Em outras palavras, segundo Hans Welzel, a ilicitude permanece impregnada de valor,
sendo concebida como injusto pessoal.
- Atenção: A expressão injusto pessoal se refere à vontade que contraria a norma imperativa,
a ela dirigida, ou seja, as causas excludentes exigem que o agente conheça a
circunstância que o permite agir sob autorização.
- No
entendimento de Claus Roxin, a compreensão
da antijuridicidade deve ser feita a partir das necessidades de prevenção geral
positiva da pena.
3 –
Conceito de Ilicitude
- A ilicitude,
segundo Rogério Greco, “é aquela relação
de antagonismo, de contrariedade entre a conduta do agente e o ordenamento
jurídico”.
- Segundo
Cezar Roberto Bitencourt[2]
o conceito de ilícito comporta as
seguintes distinções:
I) Ilícito = Antijuridicidade:
a ilicitude (adjetivo) é contradição
da ação com a norma jurídica. Neste caso, a Ilicitude foi o conceito adotado pelo Código Penal, que surge com
a criação da norma jurídica. E foi nesse sentido o conceito de Ilicitude adotado
pelo Código Penal após reforma de 1984.
II) Ilícito = Antinormatividade:
“realização da conduta descrita no tipo
de uma norma proibitiva”.
III) Ilícito = Injusto
(substantivo): a ilicitude corresponde a forma
da conduta antijurídica.
4 – Tipicidade
versus Antijuridicidade
- Na análise da ilicitude sob o ponto de
vista da tipicidade é preciso entender as seguintes teorias:
A) Teoria do Tipo Avalorado ou Teoria do Tipo Neutro
ou Teoria do Tipo Acromático – tipicidade não indica coisa alguma
acerca da antijuridicidade.
B) Teoria da ratio essendi – A tipicidade é a razão de ser da
antijuridicidade.
C) Teoria dos Elementos Negativos do Tipo – defende
que a justificação da conduta elimina a tipicidade.
D) Teoria da Ratio Cognoscendi – a tipicidade é indício ou presunção de
Antijuridicidade, ou seja, se o fato é típico provavelmente será antijurídico.
E) Teoria do Significado Valorativo do Tipo – ideia segundo a qual a tipicidade pode
ser traduzida como “proibição a priori”, um desvalor a princípio. É, na síntese de
Figueiredo Dias, o primeiro degrau valorativo na teoria do crime.
-
Segundo Claus Roxin, a
Tipicidade deve ser analisada antes da antijuridicidade, haja vista que, a tipicidade
é avaliada a partir de uma necessidade abstrata de pena (isto é,
independentemente da pessoa do agente e da situação concreta da ação).
5 –
Teoria do Desvalor da ação e do Desvalor do Resultado
-
Segundo Figueiredo Dias, o desvalor de
ação, ou desvalor da conduta, compreende o conjunto de elementos subjetivos
que conformam o tipo de ilícito e o tipo de culpa – finalidade delituosa,
atitude interna e a expressão de tais delituosa, atitude interna e a expressão
de tais elementos. E o desvalor de
resultado é a criação de um estado juridicamente desaprovado, ou seja, o conjunto
de elementos objetivos do tipo de ilícito e do tipo de culpa.
- Em doutrina,
ainda, no tocante ao sentido da expressão desvalor da ação, entende-se que
corresponde a valoração negativa que se faz em relação à conduta do agente.
- O desvalor da ação é importante em
Direito penal, porém, para a configuração do injusto penal também é
imprescindível o desvalor do resultado, ou seja, o desvalor da conduta é um prius
frente ao desvalor do resultado.
- A
doutrina pátria, com relação ao desvalor
da conduta (a sua desaprovação) entende que a mesma é pressuposto lógico do
desvalor do resultado. Em outras
palavras, sem a constatação da
desaprovação da conduta, não se pode falar em desaprovação do resultado
jurídico.
- A
ideia do desvalor do resultado
corresponde a premissa de que não há
delito sem ofensa ao bem jurídico, ou seja, jamais poderá incidir qualquer
sanção penal sem a constatação de um resultado jurídico (da lesão ou perigo
concreto de lesão ao bem jurídico).
- Atenção: Todos os crimes são dotados de
resultado jurídico (sejam materiais, formais ou de mera conduta, consumados ou
tentados, comissivos ou omissivos etc.). A exigência de um resultado (jurídico)
em todos os crimes, aliás, é exigência do art. 13 do Código Penal (teleologicamente interpretado).
-
Verifica-se o desvalor do resultado
(jurídico) em duas situações:
I – O desvalor do resultado está presente no resultado exterior distinto da ação – resultado naturalista,
conforme a terminologia tradicional;
II – O desvalor do resultado está presente na modificação do mundo humano, que também se realiza nos delitos
tradicionalmente indicados como de mera atividade (ou mesmo formais).
- Atenção: É importante descobrir em cada
delito um resultado ofensivo com relação ao bem jurídico (resultado lesivo ou
perigoso):
I – Nos delitos com resultado naturalista
(nos delitos materiais);
II – Nos delitos de ação ou de mera
conduta
- Atenção: A razão da incriminação deve ser buscada não só em uma contrariedade da vontade do sujeito aos
imperativos jurídicos (desvalor da ação), mas, também, na modificação exterior das relações humanas,
enquanto seja objetivamente prejudicial para o bem jurídico tutelado (desvalor
do resultado)[3].
6 -
Teoria da Tipicidade Conglobante
- Teoria da Tipicidade Conglobante: é a tipicidade
que se configura quando, ao mesmo tempo,
a conduta do agente é antinormativa, contrária à norma penal, e dotada de
ofensividade a bem jurídico relevante ao Direito Penal (tipicidade material).
TIPICIDADE PENAL = TIPICIDADE FORMAL (LEGAL) +
TIPICIDADE CONGLONANTE
TIPICIDADE CONGLONANTE = ANTONORMATIVIDADE +
LESIVIDADE (SIGNIFICÂNCIA) OU TIPICIDADE MATERIAL
7 –
Estudo da Antinormatividade
- Antinormatividade Tradicional: não
há antinormatividade quando o ordenamento impõe ou fomenta o comportamento. Se
apenas autoriza, há (segundo Rogério Greco), tanto que a cirurgia estética seria
irrelevante penal em razão da causa justificante.
- Luis Flávio Gomes ensina
que, se o ordenamento autoriza, também não há antinormatividade.
- Em doutrina, se diferencia a autorização por tolerância e ponderação
de bens (justificante) com a autorização
por irrelevância para a sociedade (atipicidade).
- Luis Flávio Gomes distingue entre normas
justificantes e permissivas:
a) Justificantes são
as que excluem a antijuridicidade;
b) permissivas são as que afastam/impedem
a tipicidade.
- Segundo Luis Flávio Gomes, a
grande característica que marca valorativamente a antijuridicidade, para Claus
Roxin, é que em tal estrutura há sempre um conflito de interesses, que deve ser
resolvido pela de interesses, que deve ser resolvido pela ponderação dos
mesmos, prevalecendo o de maior valor. Na ausência de tipicidade não há
ponderação ou sacrifício.
8 -
Antijuridicidade formal e antijuridicidade material
- A classificação da antijuridicidade em formal
e material foi realizada inicialmente por Franz Liszt, segundo o
qual:
a) Antijuridicidade formal – está
relacionada a um problema jurídico;
b) Antijuridicidade material – está relacionada a um problema político-criminal, com o qual o juiz não poderia se
envolver.
- Jurgen
Baumann[4] classifica a antijuridicidade da
seguinte forma:
a) Antijuridicidade formal – é a conduta típica;
b) Antijuridicidade material – é a conduta não autorizada por excludente.
- Claus
Roxin classifica a antijuridicidade,
no aspecto formal e material:
a) Antijuridicidade formal: é a conduta que afronta uma ordem legal.
b) Antijuridicidade material: conduta que lesiona um bem jurídico,
sendo socialmente nociva e que necessita dos instrumentos penais.
- A
classificação da antijuridicidade em formal e material, no Direito Brasileiro:
a) Antijuridicidade formal – que segundo Cezar Roberto Bitencourt
é a “contradição da ação com o mandamento da norma.”
b) Antijuridicidade material – fere o
interesse jurídico protegido.
9 – Consequências
jurídicas da classificação da antijuridicidade em formal e material:
I) Permite a graduação do injusto, que
influencia a culpabilidade;
II) Permite a existência de causas
supra-legais de justificação, fundada na ponderação de bens.
III) Segundo Claus Roxin, permite
interpretar corretamente as excludentes (até mesmo relativizando-as), além de
ser instrumento auxiliar para a própria teoria do tipo.
- Crítica à classificação da antijuridicidade em
formal e material: desnecessária tal distinção, vez que somente é válida se contraposta a
visão positivista com a visão axiológica ou constitucional.
10 –
Antijuridicidade como auxiliar na interpretação
- A antijuridicidade como auxiliar na
interpretação se constitui na análise da diferença entre antijuridicidade, como
qualidade invariável que existe ou não existe na ação típica, e o injusto, como
substância graduável do conceito de fato punível, mas, porque permite, em casos
limites, descaracterizar a antijuridicidade formal, determinada pela mera
literalidade da lei, com base na ausência ou insuficiência do conteúdo de
injusto de certas ações socialmente adequadas.
- Exemplo
de antijuridicidade que auxilia na interpretação se
verifica nas hipóteses de Claus Roxin, denominadas de ações socialmente
adequadas:
I - jogo
de azar com pequena quantia envolvida;
II -
A injúria no âmbito familiar;
III –
Os pequenos presentes de final de ano a funcionários públicos, como carteiros,
lixeiros.
11 –
Antijuridicidade e a totalidade do ordenamento jurídico
-
Segundo Claus Roxin, as autorizações do Direito
Civil sempre afastam a antijuridicidade penal, apesar de situação se
constituir em uma insuportável contradição.
- Figueiredo
Dias adverte que os efeitos das
autorizações do Direito Civil que afastam a antijuridicidade penal só podem
ser considerados no aspecto negativo. Afinal, segundo o referido jurista, não há unidade jurídica que permita
concluir que o ilícito para um ramo do direito sempre o será para os demais,
mormente em face da fragmentariedade do ordenamento.
12 –
Papel da Vítima na antijuridicidade “Vitimodogmática e injusto penal”
- Atenção: A vítima tem papel marcante na
definição do injusto. Basta lembrar o dolo
bilateral no estelionato, ou a necessidade
de ameaça objetiva no crime de roubo, não bastando a objetiva no crime de
roubo, não bastando a subjetiva.
- O papel da vítima na antijuridicidade também
influencia na definição do injusto nas seguintes hipóteses:
I - A
autocolocação em risco, que afasta a
imputação objetiva, conforme ensina o jurista Wolfgang Frisch[5],
"haverá autocolocação sob perigo
sempre que a vítima, consciente ou inconsciente, participe, com sua própria
conduta, na realização do resultado juridicamente protegido".
II - Na
provocação da legítima defesa também é perceptível, vez que, o agente que
prova e dá início a briga, não pode arguir defesa legítima.
- Atenção: Quando é exigível uma autoproteção
eficaz, a vítima não merece proteção penal, pela ausência de antijuridicidade
penal material, bem como pela subsidiariedade.
- Acerca da tese da provocação da
legítima defesa, Claus Roxin
discorda, pois o Estado não deve fomentar a desconfiança mútua entre os
cidadãos, bem como a subsidiariedade remete ao último remédio do Estado, e não
do cidadão.
13 –
Antijuridicidade objetiva e antijuridicidade subjetiva
- Antijuridicidade Objetiva: é
aquela que independe da
culpabilidade, devendo ser examinado o fato com abstração a priori das
condições pessoais do sujeito quando realiza o fato. É hoje a adotada em quando
realiza o fato. É hoje a adotada em toda
doutrina.
- Antijuridicidade Subjetiva: é
aquela que depende da culpabilidade,
devendo ser avaliadas também as circunstâncias do sujeito concreto quando
pratica o fato (como a imputabilidade).
14 –
Antijuridicidade genérica e antijuridicidade específica
- Antijuridicidade Genérica: é a antijuridicidade
tradicional, que se refere à totalidade do ordenamento.
- Antijuridicidade Específica: trata-se
de uma espécie de antijuridicidade que se verificas sempre que o tipo traz
locuções como injusta, indevida.
15 – Exclusão
de ilicitude ou causas de justificação:
- Requisito objetivo da exclusão de ilicitude:
previsão legal expressa ou implicitamente.
- Requisito subjetivo da exclusão de ilicitude: quem
a invoca (as excludentes) deve ter conhecimento de que se acha numa situação
justificante, segundo o professor Paulo Queiroz[6].
- Atenção: No tocante ao requisito subjetivo da
exclusão de ilicitude há divergência
doutrinária e, de acordo com a posição adotada, o agente pode ou não responder
pelo crime.
16 – Requisitos
subjetivos nas excludentes de antijuridicidade (ilicitude)
- Casos ilustrativos de excludentes de antijuridicidade:
a) Mulher espanca o ladrão pensando que se
trata do marido, o qual estaria voltando da farra (legítima defesa própria);
b) Sujeito empurra ciclista por raiva, no
momento em que este iria furtar uma pessoa idosa (legítima defesa de terceiro);
c) Sujeito grita fogo em igreja, gerando
tumulto e pequenas lesões, imaginando ser apenas uma farra (estado de necessidade).
- Spendel[7]
em relação ao requisito
subjetivo na excludente de antijuridicidade defende que, basta a faceta
objetiva. Em outras palavras, Spendel
entende que não seria possível legítima
defesa contra quem age com licitude objetiva, ou seja, a ação
objetivamente justa não pode ter relevância penal. Todavia, contrário a
essa ideia, Claus Roxin[8]
entende que, sem desaparecer o desvalor
de ação, permanece a relevância penal, ainda que seja discutível se o
agente da conduta deve responder pela forma consumada ou tentada.
- Hirsch[9]
e Jescheck[10],
com relação ao requisito
subjetivo na excludente de antijuridicidade, entende que é necessário que o
agente tenha consciência da ilicitude e o fim de salvaguardar a norma, eis que
o objetivo do Direito é premiar a atitude interna correta, orientando assim
outras ações respeitosas aos bens jurídicos.
- Roxin, Stratenwerth[11],
Schunemann[12],
Jakobs[13],
a respeito do requisito
subjetivo na excludente de antijuridicidade, defendem que, apenas, a consciência de agir conforme o Direito afasta
o desvalor da ação, ainda, que sem o
fim de fazer valer o Direito. Exemplificando essa tese, se Tício, quando
estava levando Caio, em alta velocidade ao hospital, passa por uma barreira
policial, sem a ira, sem ódio, ou vontade de fugir, ainda que a letra da lei
permita outra interpretação, a que deve prevalecer é a interpretação
teleológica.
- Na doutrina também se argumenta que, no caso de ausência do requisito
subjetivo, o sujeito deve ser punido
pela tentativa, eis que o desvalor do resultado não existe. Se não for punível
a tentativa, restará impunível.
17 – Classificação
das excludentes de antijuridicidade (ilicitude) segundo Heleno Fragoso
-
Segundo Heleno Fragoso, as excludentes
de antijuridicidade (ilicitude) existentes no Direito Penal devem ser
consideradas em face de 3 (três)
critérios: NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO AO DIREITO e
FALTA DE INTERESSE. E assim, seriam as seguintes:
a)
Segundo o Critério da Necessidade:
I - Legítima
defesa;
II - Estado
de necessidade).
b)
Segundo o Critério da Adequação ao Direito:
I - Estrito
cumprimento do dever legal;
II -
Exercício regular do direito.
c)
Segundo o Critério da Falta de Interesse: a excludente de consentimento
do ofendido.
- As
excludentes de antijuridicidade, segundo Claus Roxin, são classificadas em duas
categorias:
I - Excludentes de antijuridicidade que apenas afastam a reprovação (consentimento);
II - Excludentes de antijuridicidade que provocam aprovação, como a legítima
defesa e o estado de necessidade.
18 – Efeitos
jurídicos das excludentes de antijuridicidade (ilicitude)
- Na
hipótese de configuração das excludentes
de antijuridicidade:
I) Não há sanção, ou seja, não se aplica pena ou medida de segurança;
II) A
ilicitude estará afastada, também,
das outras áreas do Direito, não de forma ilimitada;
III) Não existe possibilidade de participação punível.
19 – Causas
legais de exclusão de ilicitude
- As
causas legais de exclusão de ilicitude se encontram no art.23, do Código Penal
Brasileiro:
“Código Penal
(...)
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o
fato:
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício
regular de direito. (...)”
- Atenção: Além das causas legais, a doutrina de
Heleno Fragoso enumera também o consentimento
(entendimento minoritário).
20 – Legítima
defesa
- A legítima
defesa é a reação natural ao injusto, ou seja, “permite aos cidadãos a possibilidade de, em determinadas situações,
agir em sua própria defesa.” (Rogério Greco)
20.1
– Previsão legal da legítima defesa
- A legítima defesa está prevista no art.25,
do Código Penal Brasileiro.
“Código Penal
(...)
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem,
usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente,
a direito seu ou de outrem. (...)”
20.2
– Fundamento jurídico da legítima defesa
- O fundamento
jurídico da legítima defesa está no princípio
de que ninguém pode ser obrigado a suportar o injusto, segundo Zaffaroni[14].
- O fundamento jurídico da legítima defesa segundo
Cezar Roberto Bitencourt[15]:
“[...] “duplo fundamento: de um lado, a
necessidade de defender bens jurídicos perante uma agressão; de outro lado, defender
o próprio ordenamento jurídico, que se vê afetado ante uma agressão ilegítima”
20.3
– Bens defensáveis na legítima defesa
- Na legítima defesa qualquer bem tutelado pelo direito é defensável, desde que
respeitada a proporcionalidade.
20.4
– Requisitos da legítima defesa
-
Segundo a doutrina, os requisitos da legítima defesa são:
a) Agressão injusta;
b) Agressão atual ou iminente;
c) Defesa de interesse próprio ou de terceiro;
d) Meios necessários;
e) Uso moderado da força.
20.4.1
– Agressão injusta (legítima defesa)
- O que é agressão? Segundo Paulo Queiroz agressão é “ato de terceiro que lese ou ameace de
lesão bem jurídico próprio ou alheio”.
- Atenção: Na
agressão é preciso distinguir quando
ocorre em face de provocação pela necessidade dos meios e quando ocorre
na proporcionalidade da repulsa.
- Agressão injusta – quando
não é autorizada pelo ordenamento jurídico
(pode não constituir infração penal, como a proteção da posse).
- Atenção: Não há agressão no ataque de animal, ou no movimento humano que não
configura conduta (convulsão, movimento
durante o sono).
- Atenção: Na doutrina se admite a possibilidade
de agressão contra condutas culposas[16]
e omissivas impróprias.
- Atenção: Há uma discussão doutrinária que não
admite a possibilidade da legítima
defesa contra omissão própria, pois, se a omissão não é punível como lesão ao
bem, não se justifica a agressão advinda da legítima defesa. A favor dessa
tese Claus Roxin e Luis Regis Prado, porém, Paulo Queiroz entende que é possível.
- Atenção: Segundo a Teoria da Commodus Discessus,
ninguém é obrigado a ser covarde, ou
seja, ainda que possível a fuga, é
legítima a reação.
- É possível a legítima contra ações inculpáveis em geral, mas, existe uma controvérsia
quanto:
I - A
possibilidade de legítima contra inimputáveis;
II -
A possibilidade de legítima contra pessoas
em erro;
III -
A possibilidade de legítima contra
pessoas imprudentes:
- Atenção: Nas situações acima discriminadas Hungria[17]
entende incabível, pois, em tais casos,
poderia configurar estado de necessidade. Contudo, na doutrina prevalece a tese de ser cabível a legitima defesa, pois,
não fica afastada a injustiça da agressão.
Em todo caso, fica afastada a legítima se era possível fuga (commodus discessus)
- Atenção: Na hipótese de agressão provocada para permitir a reação, segundo Munoz Conde[18]
se configura abuso de direito,
pois, a legítima defesa não pode ser
manipulada. Tese esta muito controvertida na doutrina.
20.4.2
– Agressão atual ou iminente (na legítima defesa)
- Agressão atual – é aquela que está
acontecendo. E agressão iminente – é
aquela que está prestes a acontecer.
- Na doutrina prevalece a tese que
não admite a possibilidade da legítima defesa antecipada ou legítima defesa prévia, ou seja, se há
certeza de ataque antecipado ou ataque prévio, se existe certeza da ocorrência de ataque futuro, as autoridades
devem ser procuradas.
- Atenção: A reação
contra agressão passada é vingança, podendo
configurar o privilégio, mas não a legítima defesa.
20.4.3
– A legítima defesa de interesse próprio ou de terceiro
-
Segundo a doutrina, a legítima defesa abrange direito próprio ou alheio, incluindo
maus-tratos e tortura contra animais ou
a honra (desde que com moderação) ou
bens jurídicos do Estado, ou bens jurídicos de pessoa jurídica.
- Atenção: Na hipótese de legítima defesa de
interesse próprio ou de terceiro deve haver
proporção entre os bens, sob pena de excesso na causa.
- Atenção: A doutrina defende a existência de exceção na hipótese de legítima defesa
de interesse próprio ou de terceiro, ou seja, a legítima defesa não abrange inadimplemento contratual.
- Relativização da legítima defesa de interesse
próprio ou de terceiro:
I –
Segundo Paulo Queiroz: “Somente quando o titular do direito ofendido
tiver interesse real ou presumido, na proteção jurídica que se lhe quer
prestar...”
II –
Segundo Rogério Greco, a legítima
defesa estaria autorizada na hipótese de
bem disponível de terceiro.
20.4.4
– Meios necessários na legítima defesa
- Os meios necessários – são os meios suficientes e indispensáveis.
- Segundo
Rogério Greco, “A reação deve ser
proporcional ao ataque, bem como deve ser razoável”.
-
Segundo Cezar Roberto Bitencourt “A
configuração de uma situação de legítima defesa está diretamente relacionada
com a defesa está diretamente relacionada com a intensidade da agressão,
periculosidade do agressor e com os meios de defesa disponíveis”.
20.4.5
– Uso moderado dos meios necessários na legítima defesa
- O uso moderado dos meios necessários na
legítima defesa – é o emprego dos meios necessários da forma menos lesiva,
mas suficiente para afastar a agressão.
- Atenção: Na aferição da intensidade não é
necessária a precisão da balança da farmácia, ou do ourives.
20.5 –
Espécies de legitima defesa
a) Legitima defesa real ou legitima defesa própria
– aquela que possui todos os requisitos legais da legítima defesa, ou
seja, é a reação própria ao injusto.
b) Legitima defesa putativa – aquele
que ocorre quando alguém, em erro, se julga em legítima defesa. Nesta hipótese
se aplicam as disposições acerca do erro.
c) Legitima defesa sucessiva – ocorre
quando se verifica o excesso, e assim, permite-se a legítima defesa do agressor
inicial como resposta ao excesso.
d) Legitima defesa recíproca – modalidade inadmissível, visto ser impossível
duas reações lícitas, uma deve se agressão e a outra reação. Ex: duelo. Não há legitima defesa em duelos, eis que
ambos provocam a agressão contrária e conscientemente.
e) Legitima defesa subjetiva: é
aquela em que há excesso por erro inevitável. Esta modalidade ampara também a hipótese de aberratio ictus, decorrente
da legítima defesa.
- Atenção: Os artefatos de defesa, como cerca elétrica, arame farpado, alarmes, escudos, etc., são denominados
de OFENDÍCULOS, vez que possuem natureza de legítima defesa preordenada. Mas,
no Direito, alguns defendem que os ofendículos
correspondem ao exercício regular de
direito.
- Atenção: Em caso de abuso na utilização dos OFENDÍCULOS, sob o fundamento do exercício regular de direito, o agente responderá pelos resultados
causados.
- Atenção: Segundo a doutrina a legítima defesa não se constitui em ilícito
civil.
20.6 –
Excesso nas excludentes de ilicitude
“Código
Penal
(...)
Art. 23 – Omissis.
Excesso punível
Parágrafo
único - O agente, em qualquer das
hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo. doloso ou
culposo.(...)”
-
Segundo Paulo Queiroz, há excesso nas
causas de justificação quando o sujeito, achando-se inicialmente em legítima
defesa, ou em estado de necessidade, etc., vai além dos limites da
justificativa, ultrapassando-a.
- O excesso punível pode ser de duas
formas:
I - Excesso punível doloso: ocorre
quando o agente vale-se da vantagem da situação de defesa para atacar (ódio,
vingança –– afetos estênicos) –– e neste
caso o agente responde por dolo.
II - Excesso punível culposo:
ocorre quando o agente se descuida
na reação, quer na necessidade dos meios ou não moderação do uso (medo, pavor,
afetos astênicos) –– e neste caso o agente responde por culpa, se houver previsão.
- Atenção: No tocante ao excesso nas excludentes, se verifica o excesso exculpante, que corresponde ao exagero na reação, e não
deriva de dolo ou culpa. E no caso da legítima defesa subjetiva –– o excesso
exculpante afasta a relevância penal.
- O excesso punível pode ser:
I – O excesso punível intensivo: é a modalidade de excesso na qualidade
dos meios e modos de defesa.
II – O excesso punível extensivo: é a modalidade de excesso na duração da
defesa.
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[2] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de
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[3] Cf. Giusino,
Manfredi Parodi. I reati di pericolo tra dogmatica e política criminale.
Milano: Giuffrè, 1990, p. 117. Sobre a discutível opinião de que o desvalor do
resultado exige [tão só] uma concreta idoneidade da ação para ofender o bem
tutelado cf.
Cavaliere, Antonio. Riflessioni sul ruolo dell´offensività nella teoria del
reato constitucionalmente orientada. Costituzione, Diritto e processo
penale, AA. VV, Milano: Giuffrè, 1998, p. 161.
[4] BAUMANN, Jürgen. Culpabilidad
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[5] FRISH, Wolfgang. Tipo Penal e
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[6] QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito
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[7] SPENDEL, Günther. § 32. In: Jähnke, Burkhard (Hrsg.) Strafgesetzbuch. Leipziger
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Gruyter, 1992.
[8] ROXIN, Claus. Derecho penal:
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[9] HEFENDEHL,
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HIRSCH, Andrew; WOHLERS, Wolfgang (Coord.).
Trad. Rafael
Alcácer, Maria Martín e Iñigo Ortiz de Urbina. La teoría
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[10] JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal. Tradução de Mir Puig e Muñoz
Conde. Barcelona: Bosch, 1981. 2 v. p. 338.
[12] SCHÜNEMANN, Bernd. Temas actuales y permanentes del derecho penal después del
milênio. Madrid: Tecnos,
2002.
[13] JAKOBS, Günther.
Imputação Objetiva do
Direito Penal. Trad.
André Luís Gallegari. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2000.
[14] ZAFFARONI, Eugênio Raúl, PIERANGELI,
Enrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 5. Ed. Editora RT: São Paulo,
2004.
[15] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de
Direito Penal: parte geral. 13. ed. – São Paulo: Saraiva, 2008.
[16] Luis Regis Prado é contra. PRADO, Luiz Regis. Curso de
direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Ed. RT, 1999.
[17] HUNGRIA, Nélson. Comentários ao
Código Penal, volume I, tomo 2, 4 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1958.
[18] CONDE, Francisco Muñoz. Teoria
Geral do Delito. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988.
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