TEMA: LEI
DE ABUSO DE AUTORIDADE
1 –
Legislação Aplicável
- Lei
nº 4.898/1965, a qual regula o direito
de representação e o processo de responsabilidade administrativa civil e penal,
nos casos de abuso de autoridade.
2 –
Objetivo da Lei do Abuso de Autoridade (LAA) ou Lei nº 4.898/1965
- O objetivo da Lei nº 4.898/1965 é proteger os cidadãos dos abusos,
praticados pelas autoridades públicas e por seus agentes, que
comprometam direitos e garantias constitucionais, como a liberdade, a inviolabilidade
domiciliar, a incolumidade física, etc.
- O ato de abuso de autoridade enseja tríplice responsabilidade:
a) responsabilidade administrativa;
b) responsabilidade civil;
c) responsabilidade penal.
- O art. 1º, da Lei nº 4.898/1965
disciplina o direito de representação
e o processo de responsabilidade
administrativa, tanto civil quanto penal, contra as autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem abusos, são regulados pela presente lei.
“Lei
nº 4.898/1965 (LAA)
(...)
Art.1º - O direito de representação e o processo
de responsabilidade administrativa civil e penal, contra as autoridades que, no
exercício de suas funções, cometerem abusos, são regulados pela presente lei.
(...)”
3 –
Sujeitos do crime
3.1 – Sujeito ativo do crime de abuso de autoridade
- O sujeito ativo do crime de abuso de autoridade é o titular do poder de autoridade,
ou seja, só pode ser autoridade
pública.
- O
crime de abuso de autoridade é crime
próprio, ou seja, delito que pode ser praticado no exercício da função ou
em razão dela, inclusive, quando a autoridade está fora da função, porém, usa
da função (autoridade) para cometer o crime.
- Atenção: Funcionário que tenha sido
demitido, ou exonerado ou aposentado, não pode cometer abuso de autoridade, já
que não é mais detentor de autoridade. Em outras palavras, não pode abusar do
que não tem mais.
- O conceito de autoridade é semelhante ao conceito do art. 327, do
Código Penal, ou seja, trata-se de funcionário público para fins penais.
- A
palavra autoridade refere-se
a qualquer pessoa que exerça função pública, civil ou militar, ou pessoa que pertença
ou não pertença à Administração Pública e, ainda, a pessoa que exerça função
passageira e gratuitamente.
-
Segundo o art. 5º, da Lei nº
4.898/1965, considera-se autoridade, para os efeitos da lei do
abuso de autoridade, quem exerce cargo,
emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que
transitoriamente e sem remuneração.
“Lei nº 4.898/1965 (LAA)
(...)
Art. 5º - Considera-se autoridade, para os efeitos
desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou
militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração. (...)”
- Atenção: As pessoas que exercem múnus público não são consideradas autoridades públicas, portanto, não são
sujeitos ativos do crime de abuso de autoridade.
- Atenção: Múnus público trata-se
de encargo imposto pela lei, ou pelo juiz, para proteção de interesse privado
ou social. Ex: inventariante
[responsável pelos bens do espólio]; curador e tutor dativos; administrador de
massa falida; depositários judiciais; advogado, etc.
- Atenção: O particular que não exerce
função pública, que não é autoridade para fins da lei – pode cometer crime de
abuso de autoridade. Explicando melhor, o particular sozinho, jamais, pois lhe
falta a qualidade de autoridade, mas
pode cometê-lo em concurso com uma autoridade pública e desde que saiba que o
comparsa é autoridade pública.
- Atenção: No concurso com uma autoridade pública a qualidade ou condição
pessoal de autoridade pública é elementar do crime de abuso de autoridade e por
isso se comunica ao particular.
Ex: Pipoqueiro do estádio de futebol ajuda
o PM a agredir um torcedor, logo, o pipoqueiro responderá pelo crime de abuso
de autoridade conjuntamente com o PM.
3.2 –
Sujeito passivo do crime de abuso de autoridade
- No
tocante ao sujeito passivo do crime de
abuso de autoridade se verifica uma dupla
subjetividade passiva, ou seja, existem dois sujeitos passivos:
I – Sujeito passivo imediato ou sujeito passivo principal ou sujeito passivo eventual – é a pessoa física ou jurídica que sofre a conduta abusiva.
II - Sujeito passivo mediato ou sujeito passivo secundário ou sujeito passivo constante – sempre será o Estado ou a Administração Pública.
- Atenção: O abuso de autoridade significa sempre uma irregular prestação
do serviço público.
- O sujeito passivo (vítima do abuso de autoridade)
pode ser qualquer pessoa física, capaz ou incapaz, nacional ou estrangeira e,
também, autoridade pública. Por conseguinte, a autoridade pública pode ser infratora e vítima do crime.
- Na
hipótese do sujeito passivo (vítima
do abuso de autoridade) ser criança
ou adolescente, poderá estar
configurado o crime do Estatuto da Criança e do Adolescente.
- Atenção: Admite-se a possibilidade da
vítima do abuso de autoridade ser uma pessoa de direito público ou privado. Ex: O soldado quando vítima de abuso de
autoridade por parte do oficial.
4 –
Objetividade jurídica (bem jurídico protegido) do crime de abuso de autoridade
- Os
crimes de abuso de autoridade têm dupla
objetividade jurídica:
a) Objetividade jurídica imediata ou
objetividade jurídica principal – a proteção dos direitos fundamentais (art.
5º, CF/88).
b) Objetividade jurídica mediata ou
objetividade jurídica secundária – a normal prestação dos serviços
públicos.
5 –
Elemento subjetivo do crime de abuso de autoridade
- Atenção: O crime de abuso de autoridade só pode ser punido na forma dolosa.
- Na
hipótese do crime de abuso de autoridade é necessária a finalidade específica de abusar, ou seja, a vontade deliberada de
agir com abuso. Em outras palavras, a
autoridade deve estar consciente de que está abusando.
- Atenção: Se a autoridade, na intenção
de cumprir seu dever ou de proteger interesse público, se exceder estará
configurado ato de ilegalidade,
porém, não haverá abuso de autoridade,
por falta da finalidade específica de abusar.
6 – Formas
de conduta do crime de abuso de autoridade
- As formas de conduta na prática do crime de abuso de autoridade pode ser:
a) por ação (comissivo);
b) por omissão [omissivo].
- Atenção: Os crimes do art. 4º, da Lei nº 4.898/1965, letras
“c, d, g, i”, só são cometidos por omissão, ou seja, são crimes omissivos puros ou próprios.
7 – Consumação
e tentativa do crime de abuso de autoridade
- A consumação se dá com a mera prática de
qualquer das condutas previstas no art.
3º ou 4º da lei.
“Lei
nº 4.898/1965 (LAA)
(...)
Art. 3º - Constitui abuso de autoridade qualquer
atentado:
a) à liberdade de locomoção;
b) à inviolabilidade do domicílio;
c) ao sigilo da correspondência;
d) à liberdade de consciência e de
crença;
e) ao livre exercício do culto
religioso;
f) à liberdade de associação;
g) aos direitos e garantias legais
assegurados ao exercício do voto;
h) ao direito de reunião;
j) aos direitos e garantias legais
assegurados ao exercício profissional. (Incluído pela Lei nº 6.657,de
05/06/79)
Art. 4º - Constitui também abuso de autoridade:
a) ordenar ou executar medida privativa
da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;
b) submeter pessoa sob sua guarda ou
custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;
c) deixar de comunicar, imediatamente,
ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa;
d) deixar o Juiz de ordenar o
relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada;
e) levar à prisão e nela deter quem quer
que se proponha a prestar fiança, permitida em lei;
f) cobrar o carcereiro ou agente de
autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa,
desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto
ao seu valor;
g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade
policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas,
emolumentos ou de qualquer outra despesa;
h) o ato lesivo da honra ou do
patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio
de poder ou sem competência legal;
i) prolongar a execução de prisão
temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo
oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade. (Incluído pela Lei nº 7.960, de
21/12/89)(...)”
- Atenção: A doutrina é unânime em
dizer que os crimes do art. 3º, da Lei
nº 4.898/1965, não admitem tentativa, porque o simples “atentado” já é
punido como crime consumado.
- Atenção: Os crimes do art. 4º, “c, d, g, i”, da Lei nº 4.898/1965, também não admitem tentativa por que são crimes omissivos puros ou próprios.
8 – Espécie
de ação penal no crime de abuso de autoridade
“Lei
nº 4.898/1965
Art.1º - O direito de representação e o
processo de responsabilidade administrativa civil e penal, contra as
autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem abusos, são regulados
pela presente lei.
(...)
Art.12 - A ação penal será iniciada,
independentemente de inquérito policial ou justificação por denúncia do
Ministério Público, instruída com a representação da vítima do abuso.(...)”
- Atenção: Embora o texto dos artigos 1º e 12, da Lei nº 4.898/1965,
deixem a entender que o crime de abuso de autoridade é crime de ação penal
pública condicionada à representação, tal entendimento está errado, pois, o crime de abuso de autoridade é delito de
ação penal pública incondicionada.
- A
palavra “representação” constante do
texto dos artigos 1º e 12, da Lei nº 4.898/1965, não está empregada no sentido técnico-processual de condição de
procedibilidade, significa apenas o direito de petição contra abuso de
poder, previsto no art. 5º, XXXIV, “a”, CF/88. Em outras palavras, a expressão
“representação” significa apenas o direito de pedir providências contra o
abuso.
9 – Competência
em matéria de crime de abuso de autoridade
- O crime de abuso de autoridade é infração de
menor potencial ofensivo, porque a pena varia de 10 dias a 6 meses,
portanto, o crime é de competência dos Juizados Especiais Criminais (estaduais
ou federais).
10 – Crime
de abuso de autoridade praticado por militar, ainda que em serviço
- O
crime de abuso de autoridade praticado por militar, ainda que em serviço, também
será julgado pelo Juizado Especial Criminal.
- Atenção: O crime de abuso de autoridade praticado por militar não é crime de
competência da Justiça Militar, porque não
é crime militar, mesmo que o crime tenha sido cometido contra outro
militar. Esse entendimento está disciplinado na Súmula nº 172, do Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos:
“Súmula 172, do STJ - Compete à Justiça
Federal processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que
praticado em serviço.”
11 – Crime
de abuso de autoridade praticado por funcionário público federal
- Segundo
a doutrina, prevalece o entendimento de que, na hipótese de cometimento do crime de abuso de autoridade praticado
por funcionário público federal, a competência
é da Justiça Federal, já que o funcionário
estará prestando irregularmente serviço público federal, atingindo assim
interesse da União.
STJ HC 102.049/ES – 6ª turma – julgado em
13.04.2010. INFO 430 – STJ
Ementa: COMPETÊNCIA. CRIME. ABUSO. AUTORIDADE.
Trata-se de habeas corpus em que o paciente afirma ser incompetente a Justiça
Federal para processar o feito em que é acusado pelo crime de abuso de
autoridade. Na espécie, após se identificar como delegado de Polícia Federal,
ele teria exigido os prontuários de atendimento médico, os quais foram negados
pela chefe plantonista do hospital, vindo, então, a agredi-la. A Turma, por
maioria [votação: 3 x 2], entendeu que, no caso, não compete à Justiça Federal
o processo e julgamento do referido crime, pois interpretou restritivamente o
art. 109, IV, da CF/1988. A simples condição funcional de agente não implica
que o crime por ele praticado tenha índole federal, se não comprometidos bens,
serviços ou interesses da União e de suas autarquias públicas. Precedente
citado: CC 1.823-GO, DJ 27/5/1991. HC 102.049-ES, Rel. Min. Nilson Naves,
julgado em 13/4/2010.
- Atenção: A simples condição funcional de servidor federal não justifica a
competência da Justiça Federal, se não foram comprometidos bens, serviços ou
interesses da União.
12 –
Crime de abuso de autoridade praticado contra funcionário público federal
- Na
hipótese do cometimento de crime de abuso de autoridade contra funcionário
público federal a competência é da
Justiça Federal, vez que tal delito atinge interesse da União.
13 –
Análise jurídica dos crimes de abuso de autoridade
- Segundo
Fernando Capez[1], o
art.3º, da Lei nº 4.898/1965, é inconstitucional devido à redação vaga, genérica e imprecisa, ou
seja, referida norma viola o princípio
da taxatividade, que é um corolário do Princípio da Legalidade.
- Atenção: A jurisprudência não reconhece
a inconstitucionalidade do art.3º, da Lei nº 4.898/1965, pois, segundo a Teoria
do Direito Penal, a utilização de tipos
penais abertos é perfeitamente admissível em crimes de abuso de autoridade,
uma vez que é impossível prever todas as formas de abuso.
- Atenção: Não obstante o art.3º, da Lei
nº 4.898/1965 tenha uma redação mais vaga e genérica, o art.4º, da referida
lei, tem redação mais precisa e
detalhada.
- Atenção: Segundo a doutrina, se a
conduta se enquadrar simultaneamente no art. 3º e no 4º, ambos da Lei nº
4.898/1965, prevalecerá o art. 4º, em razão de ser mais específico que o art.
3º.
Referências
ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Legislação Penal Especial. 1ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2006.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, vol. I. 11ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2008.
DA ROSA, Fábio Bittencourt. Legitimação do Ato de Criminalizar. 1ª Ed. Livraria do Advogado. Porto
Alegre. 2001.
DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR,
Roberto; DELMANTO, Fábio Machado de Almeida. Leis Penais Especiais. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar.
2006.
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal – parte geral. 28ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2006.
MIRABETE, Júlio Fabbrini, FABBRINI,
Renato N. Manual
de Direito Penal – parte geral. 24ª Ed. São Paulo: Atlas. 2007.
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Especiais. 1ª
Ed. São Paulo: RT. 2006.
PALLAZO, Francesco. Valores Constitucionais e Direito
Penal: Um Estudo Comparado. Trad.
Gérson Pereira dos Santos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1989.
______. Bem-Jurídico Penal e Constituição. 3ª Ed. RT: São Paulo. 2003.
______. Curso de Direito Penal
Brasileiro. 8ª Ed. São Paulo: RT. 2008.
[1] CAPEZ, Fernando. Curso de direito
penal: legislação penal especial, volume 4 – 7. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012.
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