TEMA:
LEI DOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE (Cont.)
5 – O
bem jurídico tutelado nos crimes de responsabilidade
- A Lei
dos Crimes de Responsabilidade foi editada para tutelar a probidade administrativa e a guarda dos dinheiros públicos.
- Atenção: A Lei dos Crimes de
Responsabilidade, ao tipificar as condutas a inerentes probidade administrativa
e a guarda dos dinheiros públicos, limitou-se
a reproduzir os atos de rotina administrativa, sem perseguir o conceito de honestidade ou moral administrativa,
deixando a ilação para o item 7 do artigo 9º da Lei 1.079/50, transcrito
abaixo, respeitada a grafia da redação original:
“Lei
nº 1.079/50
(...)
Art. 9º - São crimes de responsabilidade
contra a probidade na administração:
1 - omitir ou retardar dolosamente a
publicação das leis e resoluções do Poder Legislativo ou dos atos do Poder
Executivo;
2 - não prestar ao Congresso Nacional
dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas
relativas ao exercício anterior;
3 - não tornar efetiva a responsabilidade
dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de
atos contrários à Constituição;
4 - expedir ordens ou fazer requisição de
forma contrária às disposições expressas da Constituição;
5 - infringir no provimento dos cargos
públicos, as normas legais;
6 - Usar de violência ou ameaça contra
funcionário público para coagí-lo a proceder ilegalmente, bem como utilizar-se
de suborno ou de qualquer outra forma de corrupção para o mesmo fim;
7 - proceder de modo incompatível com a dignidade,
a honra e o decôro do cargo.(...)”
- Atenção: A Lei dos Crimes de
Responsabilidade, também, limitou-se aos atos de administração rotineira e
burocrática típica do exercício do múnus
público, consoante se verifica do disposto no art.11, da aludida norma,
senão vejamos:
“Lei
nº 1.079/50
(...)
Art. 11 - São crimes contra a guarda e legal
emprego dos dinheiros públicos:
1) Ordenar
despesas não autorizadas por lei ou sem observância das prescrições legais
relativas às mesmas;
2) Abrir
crédito sem fundamento em lei ou sem as formalidades legais;
3) Contrair
empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito
sem autorização legal;
4) Alienar
imóveis nacionais ou empenhar rendas públicas sem autorização legal;
5) Negligenciar
a arrecadação das rendas impostos e taxas, bem como a conservação do patrimônio
nacional.(...)”
6 – A
competência para julgamento dos crimes de responsabilidade
- A
Lei dos Crimes de Responsabilidade (Lei nº 1.079/50) limitou a conduta e o foro de julgamento às instâncias administrativas, cujas consequências
não ultrapassam tal esfera.
- Atenção: Com a edição do Decreto-Lei nº
Lei 201/67, foram definidos os crimes de
responsabilidade dos Prefeitos Municipais, cuja competência de julgamento foi outorgada ao Poder
Legislativo. Todavia, foi outorgada a competência ao Poder Judiciário para o julgamento das condutas delituosas de natureza criminal propriamente dita, com a
aplicação de sanções da perda do cargo e da suspensão dos direitos políticos.
7 –
Dos Crimes de Responsabilidade dos Prefeitos Municipais
- A definição
dos crimes de responsabilidade dos
prefeitos se encontra no Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de
1967.
- O
Decreto-Lei nº 201/67 dispõe sobre os crimes
de responsabilidade (de conteúdo criminal, inclusive, no foro de apreciação
e na sanção imposta) e das infrações de
natureza político-administrativas, cuja tipificação é notadamente
funcional, com foro legislativo e punição de natureza política.
- O
Decreto-Lei nº 201/67, no art.1º, traz 23
(vinte e três) incisos, sendo que, 15 (quinze) fazem parte da redação
original e 8 (oito) foram acrescentados pela Lei nº 10.028/2000. Ademais, no
referido decreto se encontram tipificadas
condutas que têm por sujeito ativo os prefeitos municipais, apenados com reclusão (art. 1º, § 1º) e sanção político-administrativa como conseqüência (art. 1º, § 2º).
- O
Decreto-Lei nº 201/67, no tocante a
procedimentalidade, definiu que os crimes
de responsabilidade devem ser apurados por meio da aplicação de regras do
Código de Processo Penal (art. 2º).
“Decreto-Lei
nº 201/67
Art. 1º - São crimes de responsabilidade dos
Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário,
independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
(...)
§1º - Os crimes definidos neste artigo são
de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a
doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.
§ 2º - A condenação definitiva em qualquer
dos crimes definidos neste artigo, acarreta a perda de cargo e a inabilitação,
pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo
ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio
público ou particular.
Art. 2º - O processo dos crimes definidos no
artigo anterior é o comum do juízo singular, estabelecido pelo Código de
Processo Penal, com as seguintes modificações:(...)”
- Atenção: É importante entender que,
apesar do Decreto-Lei nº 201/67 ter adotado a definição de crime, inclusive, apenado com reclusão e rito semelhante
ao Processo Penal, que estabelece a
competência originária de instrução e julgamento nas comarcas (juízo
singular), por força do inciso X, do art. 29, da Constituição de 1988, adveio a
determinação da competência do Tribunal
de Justiça para o julgamento do prefeito.
“Constituição
Federal
Art.29 – Omissis.
(...)
- Atenção: É possível a existência de um
processo que possa discutir a criminalização
da conduta com base no art.1º, do Decreto-Lei 201/67, tramitando perante o
Tribunal de Justiça, em rito de processo
criminal de competência originária, enquanto se discute a mesma prática delituosa, enquanto ato de
improbidade administrativa, com fundamento na Lei nº 8.429/92, por meio de Ação Civil Pública, perante o juiz de
primeiro grau. Hipótese, na qual o infrator será punido, segundo o disposto
no art.37, §4º, da Constituição Federal, duas vezes.
“Constituição
Federal
(...)
Art.37 – Omissis.
(...)
§ 4º - Os atos de improbidade administrativa
importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação
previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.(...)”
- A
interpretação do dispositivo constitucional, acima citado, revela a
possibilidade:
I - O impedimento político para o condenado (prefeito), em decorrência da
sentença prolatada em processo criminal comum (art. 15, III da Constituição
Federal);
II - O impedimento político para o condenado (prefeito), em decorrência da
sentença prolatada em processo criminal comum, como dispositivo da decisão (Lei
de Improbidade Administrativa), em face do disposto na Lei Complementar nº 64/90,
art. 1º, alínea “e”, que fixa o prazo de 8
(oito) anos (em face da Lei Complementar 135/2010, conhecida por Lei da
Ficha Limpa).
- Atenção: O Decreto-Lei nº 201/67 diferenciou,
de maneira pedagógica, as infrações de natureza político-administrativa (julgamento pela Câmara de Vereadores)
das condutas dolosas de dilapidar ou
malbaratar o erário (crimes propriamente ditos), a serem julgados pelo
Tribunal de Justiça.
- O
Decreto Lei nº 201/67, sobre os atos
tipificados como de responsabilidade funcional, adotou a terminologia infrações de natureza
político-administrativa, dispondo nos dez
incisos do artigo 4º e nos três
incisos do artigo 7º, que se tratam de atos
omissivos e comissivos, reservando-lhes o foro legislativo e a punição de natureza política (art. 4º, caput).
“Decreto-Lei
nº 201/67
(...)
Art.
4º - São infrações político-administrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao
julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato.(...)”
- Atenção: As infrações descritas no
Decreto Lei nº 201/67, quer como crime
de responsabilidade, quer o rol das infrações
político administrativas, se configuram em ato de improbidade administrativa.
8 –
Dos Crimes Comuns praticados por Prefeitos Municipais
- No tocante aos ditos
“crimes comuns”, praticados por
Prefeitos, que estão previstos no Código Penal, são os atos antijurídicos que possam ter implicação pública, na eventualidade
de virem a ser praticados no exercício do mandato, em especial, os delitos
constantes do Título XI, do Código Penal,
que se reportam aos crimes contra a
administração pública, praticados por seus agentes.
- O
Código Penal distribuiu as condutas típicas em cinco espécies:
a) Crimes cometidos por Funcionários
Públicos contra a Administração Pública em geral: são os delitos do Capítulo I, que se encontram nos artigos 312 a 327, do Código Penal;
b) Crimes cometidos por particulares
contra a Administração Pública: são os delitos do Capítulo II, que se encontram nos artigos 328 a 337, do Código Penal;
c) Crimes cometidos por particulares
contra a Administração Pública estrangeira: são os delitos do Capítulo II-A, que se encontram nos
artigos 337-B, 337-C e 337-D, do
Código Penal, que foram acrescentados por meio da Lei nº 10.467/02.
d) Crimes cometidos contra a Administração
da Justiça: são os delitos do Capítulo
III, que se encontram nos artigos 338 a 359, do Código Penal;
e) Crimes cometidos contra as Finanças
Públicas: são os delitos do Capítulo IV,
que se encontram nos artigos 359-A, 359-B, 359-C, 359-D, 359-E, 359-F, 359-G,
359-H, do Código Penal, que foram
acrescentados por meio da Lei nº 10.028/2000.
- Atenção: As condutas previstas nos artigos 312 a 327, do Código Penal têm, obrigatoriamente, como sujeito ativo o agente público, sob pena de desclassificação para outro
tipo de delito, rationae persona.
Explicando melhor, são crimes
essencialmente funcionais, cujo resultado ou modus operandi assemelham-se
às condutas elencadas no artigo 1º, do Decreto-Lei nº 201/67.
- Atenção: O Decreto-Lei nº 201/67 cuida
somente das condutas impingidas a
prefeitos no exercício do cargo, enquanto os delitos do Código Penal se
referem a todas as pessoas, indistintamente, que estejam ocupando cargo ou função pública (art. 327, do Código Penal).
Exemplo:
FA conduta
descrita no art. 1º, inciso I, do
Decreto-Lei nº 201/67, ou seja, apropriar-se
de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio, corresponde à definição de peculato, constate do art. 312, do Código Penal
(apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem
móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou
desviá-lo, em proveito próprio ou alheio). Por conseguinte, o legislador
estabeleceu a mesma pena: reclusão, de
dois a doze anos.
- Atenção: O inciso XI, do art.1º, do Decreto-Lei nº 201/67, que
prescreve a conduta de adquirir bens, ou
realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos
exigidos em lei corresponde ao tipo
penal do art. 89, da Lei nº 8.666/93 (dispensar ou inexigir
licitação fora das hipóteses previstas em lei ou deixar de observar as
formalidades pertinentes à dispensa ou a inexigibilidade), nesse caso, apenados
de maneira diversa.
- Atenção: Não caracteriza a hipótese de non
bis in idem, se a conduta, prevista
no art. 89, da Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93) e também, no inciso XI, do art.1º, do Decreto-Lei nº 201/67
(esta dispondo sobre prefeito municipal),
se esta última for objeto de ação cível visando aplicação de sanção com
fundamento na Lei de Improbidade Administrativa.
- Os crimes contra as finanças públicas,
insertos no Código Penal por força da Lei nº 10.028/2000, que por sua vez, é
derivação direta do art. 73, da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar
nº101/2000), se encontram abrangidos
(incluídos):
a) na Lei de Crimes de Responsabilidade (Lei
nº 1.079/50);
b) no
Decreto-Lei nº 201/67;
c) na
Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa).
“Lei
Complementar nº101/2000
(...)
Art. 73 - As infrações dos dispositivos desta Lei Complementar
serão punidas segundo o Decreto-Lei
no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); a Lei no
1.079, de 10 de abril de 1950; o Decreto-Lei
no 201, de 27 de fevereiro de 1967; a Lei no
8.429, de 2 de junho de 1992; e demais normas da legislação
pertinente.(...)”
- Atenção: As crimes descritos na Lei de
Responsabilidade Fiscal, apenadas de maneira diferenciada e em esfera diversas
de direito, têm como sujeito ativo, pela
especificidade do ato delituoso, o
detentor de mandato ou ocupante de cargo público com poder de decisão, o
que vai além do conceito de funcionário público, do art. 327, do Código Penal, sendo impossível a sua prática por servidor
público de staff inferior.
9 -
Distinção entre o regime de responsabilidade dos agentes políticos e os demais
agentes públicos.
- O
STF já consagrou que a Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade
político-administrativa para os agentes políticos, ou seja:
I - O
regime previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei n° 8.429/1992);
II -
O regime fixado no art. 102, I, "c", (disciplinado pela Lei n°
1.079/1950).
- O
Superior Tribunal de Justiça, em 5/05/ 2004, quando do julgamento da Reclamação ajuizada em face de sentença
do Juiz Federal da 3ª Vara da Seção
Judiciária do Estado do Acre, em sede de medida cautelar preparatória de ação civil pública, cumulada com ação
de improbidade administrativa, proposta pelo Ministério Público Federal,
onde houve o decretou de afastamento do Conselheiro do Tribunal de Contas do
Estado do Acre, da referida Corte, na forma do art. 20, parágrafo único, da Lei
nº 8.429/92, por meio de sua Corte Especial, julgou procedente a mencionada Reclamação, que foi ementada nos
seguintes termos:
“RECLAMAÇÃO.
ATO DE IMPROBIDADE. APURAÇÃO DE MATÉRIA CRIMINAL. MÓVEL DO AFASTAMENTO DE
AUTORIDADE COM FORO PRIVILEGIADO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. USURPAÇÃO DE
COMPETÊNCIA. STJ.
1.
Revela-se como desvirtuamento do foro privilegiado (art. 20, parágrafo único da
Lei 8.429, de 1992), o afastamento, com
usurpação de competência do Superior Tribunal de Justiça, de Conselheiro do
Tribunal de Contas do Estado, por decisão de Juízo de primeiro grau, em sede de
medida cautelar preparatória de ação civil pública, cumulada com ação de
improbidade administrativa, proposta pelo Ministério Público Federal,
quando o ato reputado lesivo ao patrimônio público e, portanto, infringente
daquele diploma legal, dele sendo beneficiário o reclamante, deságua, in thesi,
na letra do art. 180 do Código Penal, móvel principal e exclusivo da medida
impugnada (afastamento). Haveria na ação civil apuração de matéria criminal,
consoante decidido pela Corte Especial, na Reclamação 1018/SE.
2.
Reclamação procedente. (STJ, Rcl 1.091/AC, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES,
CORTE ESPECIAL, julgado em 05/05/2004, DJ 14/03/2005 p. 179) (grifo nosso)
- A
1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 19/06/2008, quando do julgamento
de Recurso Especial interposto pelo
Ministério Público do Estado de São Paulo, com fundamento na alegação de
negativa de vigência ao art. 5º, ao art. 10 e seu inciso VIII e ao art. 12 e
seu inciso II, todos da Lei nº 8.429/92, por parte acórdão estadual, o Ministro LUIZ FUX, em seu voto vista,
ressaltou que o Decreto-lei n.º 201/67,
disciplina os crimes de responsabilidade dos agentes políticos (prefeitos e
vereadores), punindo-a com rigor maior do que o da lei de improbidade.
-
Segundo o Ministro Luiz Fux, a Constituição Federal inadmite o concurso
de regimes de responsabilidade dos agentes políticos pela Lei de Improbidade e
pela norma definidora dos Crimes de Responsabilidade, posto inaceitável bis
in idem. O julgado restou assim ementado:
“ADMINISTRATIVO.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EX-PREFEITO. CONDUTA OMISSIVA. CARACTERIZAÇÃO DE INFRAÇÃO
POLÍTICO ADMINISTRATIVA. DECRETO-LEI N.º 201/67. ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. LEI N.º 8.429/92. COEXISTÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DO
ACÓRDÃO RECORRIDO. VOTO DIVERGENTE DO RELATOR.
1.
Conduta de ex-prefeito, consistente na aquisição de combustíveis, sem a
efetivação de processo licitatório.
2.
Razoabilidade de enquadramento nas sanções por infrações
político-administrativas e na Lei n.º 8.429/92, que define os atos de
improbidade administrativa.
3. Os
ilícitos previstos na Lei n.º 8.429/92 encerram delitos de responsabilidade
quando perpetrados por agentes políticos diferenciando-se daqueles praticados
por servidores em geral.
4.
Determinadas autoridades públicas não são assemelhados aos servidores em geral,
por força do cargo por elas exercido, e, conseqüentemente, não se inserem na
redução conceitual do art. 2º da Lei nº 8.429/92 ("Reputa-se agente
público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que
transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação,
contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo,
emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior"), posto
encartados na lei que prevê os crimes de responsabilidade.
5. O
agente político exerce parcela de soberania do Estado e pour cause atuam com a
independência inextensível aos servidores em geral, que estão sujeitos às
limitações hierárquicas e ao regime comum de responsabilidade.
6. A
responsabilidade do agente político obedece a padrões diversos e é perquirida
por outros meios. A imputação de improbidade a esses agentes implica em
categorizar a conduta como "crime de responsabilidade", de natureza
especial.
7. A
Lei de Improbidade Administrativa admite no seu organismo atos de improbidade subsumíveis
a regime jurídico diverso, como se colhe do art. 14, § 3º da lei 8.429/92
("§ 3º Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará
a imediata apuração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será
processada na forma prevista nos arts. 148 a 182 da Lei nº 8.112, de 11 de
dezembro de 1990 e, em se tratando de servidor militar, de acordo com os
respectivos regulamentos disciplinares."), por isso que se infere excluída
da abrangência da lei os crimes de responsabilidade imputáveis aos agentes
políticos.
8. O Decreto-lei n.º 201/67, disciplina os
crimes de responsabilidade dos agentes políticos (prefeitos e vereadores),
punindo-a com rigor maior do que o da lei de improbidade. Na concepção
axiológica, os crimes de responsabilidade abarcam os crimes e as infrações
político-administrativas com sanções penais, deixando, apenas, ao desabrigo de
sua regulação, os ilícitos civis, cuja transgressão implicam sanção pecuniária.
9. Conclusivamente, os fatos tipificadores dos
atos de improbidade administrativa não podem ser imputados aos agentes
políticos, salvo através da propositura da correspectiva ação por crime de
responsabilidade.
10. O
realce político-institucional do thema iudicandum sobressai das conseqüências
das sanções inerentes aos atos ditos ímprobos, tais como a perda da função
pública e a suspensão dos direitos políticos.
11.
As sanções da ação por improbidade podem ser mais graves que as sanções
criminais tout court , mercê do gravame para o equilíbrio jurídico-institucional,
o que lhe empresta notável colorido de infração penal que distingue os atos
ilícitos civis dos atos ilícitos criminais.
12.
Resta inegável que, no atinente aos agentes políticos, os delitos de
improbidade encerram crimes de responsabilidade e, em assim sendo, revela
importância prática a indicação da autoridade potencialmente apenável e da
autoridade aplicadora da pena.
13. A
ausência de uma correta exegese das regras de apuração da improbidade pode
conduzir a situações ilógicas, como aquela retratada na Reclamação 2138, de
relatoria do Ministro Nelson Jobim, que por seu turno, calcou-se na Reclamação
591, assim sintetizada: "A ação de improbidade tende a impor sanções
gravíssimas:perda do cargo e inabilitação, para o exercício de unção pública,
por prazo que pode chegar a dez anos. Ora, se um magistrado houver de responder
pela prática da mais insignificante das contravenções, a que não seja cominada
pena maior que multa, assegura-se-lhe foro próprio, por prerrogativa de função.
Será julgado pelo Tribunal de Justiça, por este Tribunal Supremo. Entretanto a
admitir a tese que ora rejeito, um juiz de primeiro grau poderá destituir do
cargo um Ministro do STF e impor-lhe pena de inabilitação para outra função por
até dez anos. Vê-se que se está diante de solução que é incompatível como o
sistema." 14. A eficácia jurídica da solução da demanda de improbidade faz
sobrepor-se a essência sobre o rótulo, e contribui para emergir a questão de
fundo sobre a questão da forma. Consoante assentou o Ministro Humberto Gomes de
Barros na Rcl 591: "a ação tem como origem atos de improbidade que geram
responsabilidade de natureza civil, qual seja aquela de ressarcir o erário,
relativo à indisponibilidade de bens. No entanto, a sanção traduzida na
suspensão dos direitos políticos tem natureza, evidentemente, punitiva. É uma
sanção, como aquela da perda de função pública, que transcende a seara do
direito civil A circunstância de a lei denominá-la civil em nada impressiona.
Em verdade, no nosso ordenamento jurídico, não existe qualquer separação
estanque entre as leis civis e as leis penais." 15. A doutrina, à luz do sistema, conduz à inexorável conclusão de que os
agentes políticos, por estarem regidos por normas especiais de
responsabilidade, não se submetem ao modelo de competência previsto no regime
comum da lei de improbidade. O fundamento é a prerrogativa pro populo e não
privilégio no dizer de Hely Lopes Meirelles, verbis: "Os agentes políticos
exercem funções governamentais, judiciais e quase-judiciais, elaborando normas
legais, conduzindo os negócios públicos, decidindo e atuando com independência
nos assuntos de sua competência. São as autoridades públicas supremas do
Governo e da Administração, na área de sua atuação, pois não são
hierarquizadas, sujeitando-se apenas aos graus e limites constitucionais e
legais da jurisdição. Em doutrina, os agentes políticos têm plena liberdade
funcional, equiparável à independência dos juízes nos seus julgamentos, e, para
tanto, ficam a salvo de responsabilização civil por seus eventuais erros de
atuação, a menos que tenham agido com culpa grosseira, má-fé ou abuso de poder.
(...) Realmente, a situação dos que governam e decidem é bem diversa da dos que
simplesmente administram e executam encargos técnicos e profissionais, sem
responsabilidade de decisão e opções políticas.
Daí
por que os agentes políticos precisam de ampla liberdade funcional e maior
resguardo para o desempenho de suas funções. As prerrogativas que se concedem
aos agentes políticos não são privilégios pessoais; são garantias necessárias
ao pleno exercício de suas altas e complexas funções governamentais e
decisórias. Sem essas prerrogativas funcionais os agentes políticos ficariam
tolhidos na sua liberdade de opção e decisão ante o temor de responsabilização
pelos padrões comuns da culpa civil e do erro técnico a que ficam sujeitos os
funcionários profissionalizados (cit. p. 77)" (Direito Administrativo
Brasileiro, 27ª ed., p. 76).
16.
Aplicar-se a Lei de Improbidade, cegamente, pode conduzir à situações insustentáveis
enunciadas pelo voto preliminar do Ministro Jobim, assim descritos: a) o
afastamento cautelar do Presidente da República (art. 20, par. único. da Lei
8.429/92) mediante iniciativa de membro do Ministério Público, a despeito das
normas constitucionais que fazem o próprio processo penal a ser movido perante
esta Corte depender da autorização por dois terços da Câmara dos Deputados (CF,
art. 102, I, b, c;c o art. 86, caput); ou ainda o seu afastamento definitivo,
se transitar em julgado a sentença de primeiro grau na ação de improbidade que
venha a determinar a cassação de seus direitos políticos e a perda do cargo: b)
o afastamento cautelar ou definitivo do presidente do Congresso Nacional e do
presidente da Câmara dos Deputados nas mesma condições do item anterior, a
despeito de o texto constitucional assegurar-lhes ampla imunidade material,
foro por prerrogativa de função em matéria criminal perante o STF (CF, art.
102, I, b) e regime próprio de responsabilidade parlamentar (CF, art. 55, II);
c) o afastamento cautelar ou definitivo do presidente do STF, de qualquer de
seus membros ou de membros de qualquer Corte Superior, em razão de decisão de
juiz de primeiro grau; d) o afastamento cautelar ou definitivo de Ministro de
Estado, dos Comandantes das Forças Armadas, de Governador de Estado, nas mesmas
condições dos itens anteriores; e) o afastamento cautelar ou definitivo do
procurador-geral em razão de ação de improbidade movida por membro do
Ministério Público e recebida pelo juiz de primeiro grau nas condições dos
itens anteriores"
17.
Politicamente, a Constituição Federal inadmite o concurso de regimes de
responsabilidade dos agentes políticos pela Lei de Improbidade e pela norma
definidora dos Crimes de Responsabilidade, posto inaceitável bis in idem.
18. A
submissão dos agentes políticos ao regime jurídico dos crimes de
responsabilidade, até mesmo por suas severas punições, torna inequívoca a total
ausência de uma suposta "impunidade" deletéria ao Estado Democrático
de Direito.
19.
Recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo
desprovido, mantendo o acórdão recorrido por seus fundamentos. (STJ, REsp
769.811/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIZ FUX,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/06/2008)” (Grifo nosso)
- O
Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 2.138/DF no dia
2/12/2009, decidiu pela extinção da ação
de improbidade deflagrada contra Ministro de Estado, porquanto a conduta
descrita na ação configuraria em tese crime de responsabilidade. Ademais,
quando do julgamento da mencionada reclamação, o STF proclamou que os agentes políticos não respondem por
improbidade administrativa nos moldes da Lei nº8.429/1992, mas apenas por
crime de responsabilidade.
Referências
ALVARENGA, Aristides Junqueira. Ato do
improbidade administrativa: crime de responsabilidade. publicado no Caderno
Direito & Justiça do Jornal Correio Braziliense do dia 30 de setembro de
2002.
BONILHA, Márcio Martins, Prerrogativa
de foro. publicado no Estado de São Paulo, 10 de dezembro de 2002.
BRASIL, Constituição Federal de 1988.
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
acesso em 11.09.2014
BRASIL, Constituição Federal de 1824.
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm
acesso em 11.09.2014
BRASIL, Constituição Federal de 1891.
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm
acesso em 11.09.2014
BRASIL, Lei 12.846/2013. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12846.htm
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