LEIA O ARTIGO NO JORNAL O ESTADO EM 06.09.2011
Artigo
enviado ao JCEmail pelos autores, em resposta ao artigo "Feijão
maravilha", de Xico Graziano, publicado no jornal O Estado de São Paulo de
6 de setembro.
Segurança
é uma noção relacionada com confiança, continuidade, e em matéria da vida todos
nós queremos marcar um golaço para termos mais segurança e vivermos em um
ambiente sadio. O que queremos realmente é o desenvolvimento do país, com
sustentabilidade, e o bem estar da população. O que desejamos é a proteção em
relação aos riscos. Daí a noção de biossegurança e a importância do
aprofundamento das avaliações dos riscos. Foi aprovado na Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio) o processo de liberação comercial do feijão
transgênico. Uma vez que biossegurança interessa todos, vale a pena então
discutirmos a questão de um feijão maravilha seguro!
Respondemos
inicialmente a um artigo do Sr. Xico Graziano publicado no Jornal o Estado de
São Paulo aos 06.09.2011 intitulado por um feijão maravilha, no qual ele
apresentou um discurso estranhamente triunfalista e afirmou que o "transgênico verde amarelo maravilha da
biotecnologia nacional" representava um "golaço da moderna
agronomia". Em primeiro lugar não se trata de trabalho da agronomia, não é
verde e amarelo, e dificilmente poderá vir a ser um golaço. Vários feijões
transgênicos já foram desenvolvidos, testados e descartados. Dada à escassez de
informações que o cerca, com muita sorte, pode vir a ser um escanteio.
Em
segundo lugar os elogios rasgados se apoiam em forte demonstração de
desconhecimento dos procedimentos realizados nesta obra. O autor revela supor
que, porque "demoraram toda uma década", os cientistas da Embrapa
comprometidos com este projeto teriam trabalhado demais, ou mais rápido do que
o resto do mundo (...) e, mais, supondo que a "biobalística, técnica de
bombardeamento celular em laboratório" oferece alguma segurança e precisão
científica e que o acaso não interferiu neste resultado onde "os
cientistas conseguiram introduzir parte de material genético do vírus
diretamente no genoma nuclear do feijoeiro"; o autor deixa claro que não
entende do assunto. Talvez por isso não lhe ocorram dúvidas a respeito do que
mais possa ter ocorrido com o genoma do feijoeiro e nem sequer questionou os
experimentos que foram realizados em campo, aliás, foram realizados em
2008-2009.
Ao
imaginar que há seriedade em frases como "o mosaico dourado trombou com a
ciência", a "transgenia foi copiada da natureza", e que "a
ciência superou o medo", o autor literalmente equivoca-se profundamente,
não sabe quais são as regras do jogo e nem mesmo a diferença entre futebol de
areia e em um gramado, mas isso se estivéssemos diante de jogo de futebol.
Entretanto, a questão merece um tratamento adequado e não se trata de levantar
uma bandeira de um time de futebol, de ser contra ou a favor.
Trata-se
de pensar no futuro do País, no futuro de sua população, em sua saúde e
bem-estar. Somos todos brasileiros, somos todos seres humanos e estamos no
mesmo barco. O feijão é o segundo alimento da lista de consumo dos brasileiros,
com um consumo diário médio de 182,9 gramas de acordo com pesquisa do IBGE
(2011).
O
que nós temos então nesse caso? Literalmente,
a ciência se utilizou de mecanismos de uma bactéria, para incorporar transgenes
que não se prestam a relações simbióticas - e nisso ainda estaríamos diante de
mecanismos menos imprecisos do tiro no escuro da biobalística, método aleatório
e sem precedentes na natureza-, e a ciência trombou, sim, não com o vírus
transmitido pela mosca branca, mas com os interesses de curto prazo
estabelecidos em instâncias decisórias, a ponto de permitir que a transgenia
ameace definitivamente a natureza, e que esta pseudociência gere novos e
fundados temores, apesar do ufanismo e miopia de muitos. Aliás, dos 22
eventos do feijão gerados para resistência ao mosaico, apenas dois destes
funcionaram e não se sabe o porquê - isso relata a própria Embrapa!
Sim,
há muita desinformação e por vezes mentiras no ar. Escutamos e lemos repetições
de afirmativas sem fundamento, como as do autor a quem respondemos, ou ainda
outras que alegam que uma panela de pressão pode dar conta de inativar todos os
produtos no caso de feijão GM (Jornal Nacional 06.09.2011). E, a rigor, a
população acaba por não saber o que mais mudou no feijão GM, não há informações
sobre a contaminação e os riscos humanos e à saúde, enfim não sabemos sobre os
perigos dessa tecnologia.
Mas,
sabemos com certeza que graças à pressa desenfreada e a uma política do
"jeitinho brasileiro" que não considera o fato que estamos lidando
com alta tecnologia, "vem aí o feijão maravilha, obra prima da pesquisa
nacional", e que se calem os cientistas que pensam o contrário, e torçamos
todos para que o acaso ajude os que pensam ter tudo sob controle, pois só assim
o pior será evitado. Ou no máximo estabeleceremos como para os veículos uma
política de recall... a questão é... como fazer esse recall quando o que está
em jogo é a saúde da população brasileira, o meio ambiente e relações que
muitas vezes não são visíveis a olho nu.
Em
que pese tudo isso, o autor estava certo quando afirmava que "resta[va]
aguardar a liberação do plantio comercial do feijão transgênico, decisão a ser
tomada nos próximos dias pela CTNBio" e isso foi o que ocorreu, sem que
houvesse, todavia, no seio dessa comissão a possibilidade de manifestação de
vários setores da sociedade civil, dentre eles, especialistas em defesa do
consumidor e em saúde do trabalhador. Coincidência ou não, seria essa mais uma
tática para afastar das discussões aqueles que questionam indagam e indicam a
necessidade da realização de estudos para que efetivamente tenhamos um feijão
maravilha seguro?
Foi
assim então que na 145ª Reunião Plenária da CTNBio aos 15 de setembro de 2011 o
feijão transgênico evento Embrapa 5.1 resistente ao vírus do mosaico dourado do
feijoeiro foi aprovado: 15 votos a favor, 2 abstenções e 5 votos pela
diligência, quer dizer, posicionando-se para que fossem realizados mais
estudos. Merece destaque o voto do representante do Ministério da Ciência
Tecnologia e Inovação que se absteve e fica a indagação: diante de questão tão
complexa e importante para a sociedade brasileira poderia ele ter simplesmente
ficado em cima do muro, enquanto em discurso nesse ano diante dessa comissão
mostrou-se favorável não apenas a aplicação do principio da precaução e da
biossegurança, mas do desenvolvimento do campo da geossegurança? Por que alguns
membros indicaram a necessidade de mais estudos? Seriam eles radicais ou teriam
como objetivo que houvesse um equilíbrio entre os interesses econômicos do
desenvolvimento desse feijão GM e a saúde da população brasileira e proteção
ambiental?
Há uma imensa dificuldade de controlar
as partículas virais e a análise de risco nesse caso deve levar em conta essa
particularidade. Trata-se de um feijão transgênico, a ser utilizado como
alimento, que utiliza uma nova tecnologia que não foi nunca antes utilizada em
larga escala em nenhum outro país, ou seja, nenhuma população foi em larga
escala alimentada diretamente por um transgênico com essa tecnologia.
Entretanto,
várias informações em relação a esse feijão transgênico foram consideradas
confidenciais não permitindo saber exatamente o que foi inserido no feijão e,
como relatam Nodari e Agapito-Tefen "Não se sabe quais proteínas transgênicas são
expressas nesta planta. Não se sabe como detectar este transgênico em alimentos
ou em outras plantas contaminadas" (Parecer técnico independente
encaminhado a CTNBio por Nodari e Agapito-Tenfen - UFSC - a CTNBio sobre o
processo 01200.00.005161/2010-86). A Embrapa, através de parte de seus
pesquisadores, ao impedir o acesso da comunidade científica ou da população às informações
moleculares está contribuindo para o obscurantismo da ciência, ao não querer
mostrar o que de fato está ocorrendo no feijão transgênico. Esconder da
sociedade o que estará dentro de um prato de comida não foi uma prerrogativa
dada pela sociedade a uma empresa mantida com recursos oriundos desta própria
sociedade.
E parte do que se sabe foi relatado na reunião por um dos membros da CTNBio: em parte do processo a Embrapa indica que os estudos com sete cobaias foram realizados por 35 dias, em outra parte o período indicado foi de 45 dias e, dessas sete cobaias, quatro são fêmeas e três machos. Apenas os três machos foram sacrificados e estudos realizados em seus órgãos, tendo sido constatados problemas. Assim, a Embrapa não se diferencia de outras empresas que também submeteram pedidos de liberação de OGMs, cujos estudos são de baixa qualidade científica. Há ainda vários aspectos a serem considerados que exigem estudos adicionais. Mas mais uma vez, a maioria dos membros da CTNBio desobedeceram o artigo da Lei de Biossegurança, que exige a observância do principio da precaução.
E parte do que se sabe foi relatado na reunião por um dos membros da CTNBio: em parte do processo a Embrapa indica que os estudos com sete cobaias foram realizados por 35 dias, em outra parte o período indicado foi de 45 dias e, dessas sete cobaias, quatro são fêmeas e três machos. Apenas os três machos foram sacrificados e estudos realizados em seus órgãos, tendo sido constatados problemas. Assim, a Embrapa não se diferencia de outras empresas que também submeteram pedidos de liberação de OGMs, cujos estudos são de baixa qualidade científica. Há ainda vários aspectos a serem considerados que exigem estudos adicionais. Mas mais uma vez, a maioria dos membros da CTNBio desobedeceram o artigo da Lei de Biossegurança, que exige a observância do principio da precaução.
É
possível afirmar que essa decisão não observou as próprias normas da CTNBio:
não foram apresentados todos os estudos exigidos pelas normas da comissão, os
poucos estudos não analisam as condições observadas nos biomas nacionais, pouco
se sabe sobre o que ocorrerá quando o transgene migrar para as variedades
crioulas de feijão, e enfim, o parecer final não considerou estudo apresentado
por geneticistas da UFSC nem o parecer contrário apresentado em Plenária. Alias
o parecer consolidado já estava preparado e os 15 votos favoráveis já eram
conhecidos e estavam assegurados como demonstra inclusive uma lista de adesão
veiculada na internet pelo presidente daquela Comissão: o momento é de festa,
em que pese a penumbra. O momento é de festa em que pese não estejamos
efetivamente em face do feijão maravilha seguro! E segure-se quem puder, já que
o poder público não nos assegura segurança!
Rubens Onofre Nodari, professor titular da UFSC
Solange
Teles da Silva, professora da UEA
Paulo
Yoshio Kageyama, professor titular da ESALQ/USP
Luiza
Chomenko, pesquisadora MCN/FZB-RS
Magda Zanoni, professora da Universidade
Paris-Diderot
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