Uma ONG americana criou um sistema que permite a qualquer
um calcular sua 'pegada escravista'
Graças
à pesquisa “Perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural
no Brasil” da Organização Internacional do Trabalho (OIT), temos o perfil do
senhor de escravos do Brasil do século XXI. As entrevistas sugerem que a
maioria deles nasceu em cidades do interior do Sudeste e Paraná, mas mora no
Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde possuem propriedades de 1,5 mil a 17 mil
hectares, dedicadas à pecuária, cana ou soja e que usam tecnologia moderna.
Dos
doze entrevistados, com média de idade de 47,1 anos, oito são brancos, dois
orientais, um se diz “moreno” e outro não se definiu. Têm curso superior em
administração de empresas, agronomia, veterinária, economia ou contabilidade,
pertencem a associações patronais, tem casamentos estáveis e filhos na
faculdade. Um é filiado ao PSDB, outro ao PMDB e um terceiro o já ocupou cargos
de vereador e prefeitoem uma coligação PL/PMDB. Gente limpinha e cheirosa, que
se descreve como “homem de bem”. Poucos se envergonhariam de ser vistos a seu
lado em restaurantes e colunas sociais.
Enquanto
os amos exibem um leve verniz de modernidade em relação aos barões de D. Pedro
II, seus escravos, na maioria nordestinos, são indistinguíveis de seus
ancestrais do tempo do Império: 80% são negros e 1% indígenas. São na maioria
solteiros ou separados, com baixa instrução (84% analfabetos ou com primário
incompleto) e idade média de 31,4 anos. Os aliciadores ou “gatos”, com perfil
semelhante exceto pela idade (média de 45,8 anos), também poderiam ter sido
feitores das fazendas do século XIX.
O
problema, é claro, não existe só no Brasil. Estima-se que há 27 milhões de
pessoas trabalhando em condições análogas à escravidão em várias partes do
mundo. E nestes tempos de globalização, é quase certo que alguns dos produtos
que você consome tenha a mão de alguns deles. A Fair Trade Fund, ONG da
Califórnia presidida por Justin Dillon, criou um programa disponível em http://slaveryfootprint.org
que se propõe calcular sua “pegada” escravista. Ou seja, quantos escravos
trabalharam para você em alguma parte do mundo.
No
caso deste colunista (incluindo apenas bens estritamente pessoais, não os do
restante da família), o resultado foi 28, 60% dos quais teriam contribuído para
meu vestuário, 20% para eletrônicos e 20% para meu veículo. Mais concentrados
na China, mas também no Sudeste Asiático, Índia, África, Arábia Saudita,
Brasil, Peru, Austrália e EUA. Como? Produzindo carvão, metais, lã e outras
matérias-primas na China, cobalto e ferroem minas da Austrália, milho e náilon
nos EUA, algodão em Zâmbia, Índia ou Paquistão, petróleo no Golfo etc.
Vale
notar que esta cesta de consumo em particular não inclui nenhum celular, alvo
do recente documentário Blood
in the Mobile (“Sangue no Celular”), do dinamarquês Frank Poulsen.
Ali se retrata a escravidão de homens, mulheres e crianças na extração de
minérios raros destinados a esses aparelhos, tais como volframita, columbita e
tantalita, tão impressionante quanto a vista no filme Blood Diamonds (“Diamantes
de Sangue”) de Edward Zwick.
Embora
os critérios e a metodologia estejam explicitadas no site, há várias restrições
que se poderiam fazer a esse cálculo. Tendo sido concebido por uma ONG que
trabalha em parceria com o Departamento de Estado dos EUA, pode estar enviesado
pelos preconceitos de Washington em relação ao que deve ser ou não considerado
trabalho escravo, bem como por interesses protecionistas em relação às
importações da China e de outros países periféricos. Mas não há dúvida de que,
pormenores à parte, o problema é real.
Fonte:João Marcelo Borelli Machado
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