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A PESQUISA ACADÊMICA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL


Artigo de Luciano Mendes de Faria Filho enviado ao JC Email pelo autor.
No Brasil, a maior parte das pesquisas acadêmicas é financiada com recursos públicos. Em algumas áreas, como as ciências humanas e sociais, o financiamento público chega a quase 100%. De uma pesquisa assim custeada, espera-se que contribua para o entendimento e/ou solução dos grandes dilemas vividos pela população que a financia. Disse dilemas e não problemas, justamente para fugir da idéia de que o financiamento público só é legítimo para aquelas pesquisas que tragam soluções para os problemas do cotidiano da população. Afinal, como já dizia o poeta, "a gente não quer só comida..." e um sonho pode, tanto quanto a falta de comida, trazer à baila os grandes dilemas do humano.

Dito isto, é preciso reconhecer legítimo cobrar, também, que parte da pesquisa acadêmica, qualquer que seja a área esteja relacionada os problemas que afligem a população, notadamente aqueles problemas que são afetos aos direitos e deveres definidos por nossa Carta maior e que são objeto de atenção das políticas públicas. Ou seja, e legítimo cobrar que as pesquisas custeadas pela população por meio dos impostos não estejam voltada apenas para o atendimento dos critérios e modos de consagração acadêmicos. E, para isto, parte significativa da comunidade acadêmica brasileira está atenta.

Mas o problema que estamos enfrentando, hoje, no Brasil, é de outra natureza: o que se observa, muitas vezes, é a desconsideração, por parte dos gestores públicos, do conhecimento acumulado nas diversas áreas, conhecimento este que poderia ajudar a entender e resolver alguns dos graves problemas que afligem a nossa população. O debate público sobre o Código Florestal é disso um exemplo eloqüente e, infelizmente, não é o único.  E olhe que nós estamos falando na mais importante instituição legislativa do país, que conta com uma assessoria técnica das mais competentes e bem pagas da República! Ou seja, não raras vezes o legislativo, o executivo e o judiciário brasileiros, atendendo a interesses muito pouco públicos (e publicáveis!), não se incomodam em ignorar aqueles conhecimentos já disponíveis, mas que contrariam os seus interesses e daqueles que os financiam.

Mas se o caso do Código Florestal é eloqüente, nem de longe é o único. Em artigo publicado aqui neste mesmo JC E-mail, defendi a idéia que não é por falta de conhecimento sobre a realidade educacional brasileira que as nossas escolas têm uma qualidade muito aquém do que nossa população merece. E não se trata apenas da escola pública. Boa parte da rede de escolas privadas no Brasil apresenta uma qualidade no mínimo duvidosa, apesar do alto custo que representa para as camadas médias que abdicaram do direito à educação pública. Afirmava, na ocasião, que existe um acúmulo muito grande de conhecimento sobre a escola brasileira, fruto sobretudo do que se produz nos Programas de Pós Graduação, mas que os mesmos não são mobilizados pelos operadores das políticas públicas para a área. Ou seja, há variáveis, notadamente políticas, que se interpõem entre o conhecimento disponível e as opções realizadas pelos gestores das políticas públicas.

Ainda no campo da educação, recentemente, a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República mobilizou vários setores do Brasil e do exterior, inclusive um prêmio Nobel, para discutir e propor alternativas para as políticas para a primeira infância no Brasil. No entanto, o convidados, as discussões que se processaram no evento e que foram publicadas pela imprensa e a leitura dos textos de referência disponíveis  no site do Seminário Cidadão do Futuro revelam que, estranhamente, a enorme produção que há, no  Brasil, a respeito do tema, muitas vezes financiada pelo próprio MEC,  foi totalmente ignorada. E não se pode dizer, ressalte-se, que seja porque ela não tem qualidade ou que não seja operacionável como política pública. Só pode dizer isto que não conhece o que se produz a respeito do atendimento à primeira infância na USP de Ribeirão Preto, na Fundação Carlos Chagas, na PUC do Rio, na Federal de Santa Catarina ou do Rio Grande do Sul, apenas para dar uns poucos e parcos exemplos da enorme comunidade acadêmica brasileira sobre o tema.

Um dos temas centrais do seminário, a necessidade integração das políticas para a primeira infância, tem sido sistematicamente estudada e defendida pelos pesquisadores da área de educação infantil no Brasil. Por que será que estes foram esquecidos na mesma proporção que foram muito lembrados os pesquisadores da saúde e da economia que estudam o mesmo assunto? Será que estaremos, agora, voltando aos anos 60 e 70 do século 20 e defendendo a medicalização da primeira infância e o investimento no capital humano desde criancinha ou às preconceituosas políticas compensatórias, tão criticadas entre nós desde os anos 70 pelo menos?

Se é legítimo cobrar que a pesquisa acadêmica financiada com recursos públicos ajude a responder os grandes dilemas e problemas que afligem a população que a financia, é legítimo também que a comunidade acadêmica cobre dos gestores públicos que levem em conta o conhecimento hoje disponível na operacionalização das políticas. Não é legítimo, assim, que as disputas e os interesses políticos divergentes entre os gestores públicos leve à ignorância do conhecimento produzido para melhorar a política pública ou que tais disputam acabem por reforçar doutas ignorâncias sobre a realidade brasileira, mesmo que estas sejam de um ganhador do prêmio Nobel!

Luciano Mendes de Faria Filho é professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil - 1822/2022.


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