O "Caso das mãos amarradas" é preciso ser lembrado, para haja respeito a quem lutou por DIREITOS e não teve reconhecimento: os advogados Rael Rogowski e João-Francisco Rogowski
O processo judicial relacionado
ao "Caso das mãos amarradas" passa a integrar o acervo de
guarda permanente do TRF da 4ª Região e será digitalizado, porque se trata de
matéria relativa a direitos humanos, e o processo possui conteúdo de valor
histórico, probatório e informativo. A preservação dos autos e das
informações nele contidas foi considerada de vital importância para a
preservação da memória institucional da Justiça Federal do RS e se ajusta aos
objetivos da instituição de otimizar a gestão documental.
A informação foi prestada por Cristiane Galvan, servidora da Seção de Memória Institucional, Núcleo de Documentação, da Justiça Federal do RS, ao advogado João-Francisco Rogowski, procurador de Elisabeth Chalupp Soares, viúva da vítima.
Rogowski recebeu um exemplar da obra “O caso das mãos amarradas - o direito na história”, publicada pelo TRF-4 e, a seu pedido, outro exemplar será doado à biblioteca da OAB-RS.
Relembrando aos mais jovens, trata-se do episódio da prisão ilegal, tortura e morte do sargento do Exército, Manoel Raimundo Soares, em Porto Alegre no ano de 1966. Ele integrava uma facção militar legalista que articulava a volta ao poder de João Goulart, presidente da República deposto pelo golpe militar em 1964.
Raimundo foi preso no Parque da Redenção por agentes da Polícia do Exército e depois transferido para a ilha presídio sob custódia do DOPS, onde foi barbaramente torturado e depois cruelmente assassinado por afogamento.
Os episódios ficaram conhecidos como “Caso das mãos amarradas” pela forma como corpo foi encontrado, boiando as margens do rio Jacuí com as mãos amarradas às costas. O episodio causou grande comoção popular à época, várias investigações foram instauradas, uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi instalada pela Assembléia Legislativa Gaúcha.
O Ministério Público fez uma investigação independente liderada pelo então promotor Paulo Claudio Tovo que produziu o celebre “Relatório Tovo”.
A morte do sargento resultou em dois processos, um criminal e um cível (indenizatório). A ação penal promovida pelo Ministério Público foi arquivada.
Em 1985 os advogados Rael Rogowski e João-Francisco Rogowski ajuizaram uma nova ação penal - privada, subsidiária da pública - na vara do Tribunal do Júri de Porto Alegre (RS) contra os acusados pela morte de Manoel Raimundo Soares.
A sentença determinou novamente o arquivamento do processo reconhecendo a prescrição da pretensão punitiva. O advogado recorreu dessa decisão ao TJRS, sustentando, com base no Direito Internacional Comparado, a tese da imprescritibilidade dos crimes hediondos contra a humanidade. O julgamento do recurso confirmou a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado por decurso de prazo - ou seja, pelo correr dos anos o processo caducou.
A ação indenizatória que tramitou na
Justiça Federal do RS, promovida por Elizabeth Chalupp Soares, viúva do
sargento, ajuizada em 1975, foi julgada procedente pelo juiz Cândido Alfredo
Silva Leal Júnior, então na 5ª Vara Federal de Porto Alegre. O recurso de
apelação - que teve como relatora, no TRF-4, a juíza federal convocada Vânia
Hack de Almeida - confirmou o julgado.
Elizabeth teria direito à pensão vitalícia, retroativa a 1966, com base na remuneração integral de 2º sargento, compensando-se os valores que ela já recebia mensalmente, pelo óbito do marido. A viúva morreu em setembro de 2009, sem receber o valor da indenização.
A reparação pelos danos morais foi fixada em R$ 222.720,00 - valor nominal, a ser corrigido monetariamente. A correção retroage à data da sentença (dezembro de 2000) e os juros de mora de 12% ao ano seriam contados desde a data do crime até hoje, mas o percentual foi reduzido pelo STJ para 0,5% ao mês, durante o período de vigência do Código Civil anterior. Cálculo feito hoje (03.11.2011) pelo Espaço Vital aponta a cifra atualizada de R$ 2.270.022,70 - só em relação ao dano moral.
Como o casal não teve descendentes, uma filha de criação (Fátima) - mas sem adoção formal - habilitou-se como sucessora. Até morrer, a viúva recebia R$ 1,5 mil de pensão mensal. Não viu a cor do restante! Com o julgamento pelo STJ, a execução de sentença tornou-se definitiva e a filha de criação está habilitada para receber - via precatório a ser pago pela União - os haveres que deveriam ter sido pagos à viúva.
O óbito de Elizabeth - sem ter recebido os seus haveres - causou indignação e mais motivos deu aos advogados João-Francisco Rogowski e Rael Rogowski, para denunciar o Estado Brasileiro à Corte Interamericana de Direitos Humanos por violação do Pacto de San Jose da Costa Rica e por crime contra a humanidade.
O processo brasileiro ainda tramita em fase de liquidação da sentença; é uma das ações de mais longa duração da historia do Poder Judiciário brasileiro.
O acervo documental relacionado ao "Caso das mãos amarradas" foi tombado pela ONU como patrimônio histórico da humanidade.
A denúncia oferecida pelo Ministério Público pode ser lida no original, no link: http://digital.canaleletronico.net/maosamarradas/memorial.html
Sem referência aos advogados
"O caso das mãos amarradas - o direito na história", publicado pelo TRF da 4ª Região, contem 205 páginas, na sua maioria reproduções de peças processuais, alguns comentários/depoimentos e matérias de jornais antigos.
Estranhável o fato de que os nomes dos advogados que atuaram na ação não foram mencionados uma única vez.
Ficou
a impressão que a Advocacia é um detalhe perfeitamente dispensável no processo
judicial...
Leandro Eustáquio de Matos Monteiro
Advogado. Professor de Direito Ambiental e Direito Financeiro.
Mestre em Direito Publico pela PUCMINAS.
Fonte: www.leandroeustaquio.com.br
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