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AULA DE LEGISLAÇÃO ESPECIAL PENAL


LEI DOS CRIMES HEDIONDOS (CONT. DO ROL TAXATIVOS DOS CRIMES)


6.7 – O crime de epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º)

a) O crime de epidemia

“Código Penal
(...)
Epidemia

Art. 167 - Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos:

Pena - reclusão, de doze a quinze anos.

§ 1º - Se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro.

§ 2º - No caso de culpa, a pena é de detenção, de um a dois anos, ou, se resulta morte, de dois a quatro anos
.(...)”

- A doutrina classifica o crime de epidemia da seguinte forma: crime comum, material, hediondo, comissivo ou omissivo impróprio, doloso ou culposo, de forma vinculada (o crime somente se configura com a propagação de germes patogênicos), instantâneo, de dano para alguns doutrinadores ou de perigo concreto para outros, unissubjetivo, plurissubsistente e admite tentativa.

- A conduta típica consiste em causar (provocar, produzir) epidemia (doença que atinge um grande número de pessoas como a febre amarela, cólera ou a gripe suína, entre outras), mediante a propagação (disseminação, proliferação, difusão) de germes patogênicos. Estes são micro-organismos que se proliferam pela pele, pelo sangue ou pelas mucosas, causando doenças infecciosas. A contaminação pode também ser feita por meio de águas ou de substâncias alimentícias. São as bactérias, os vírus, fungos, etc. A epidemia que se alastra por mais de um país é chamada de pandemia.

- Entende-se por epidemia a propagação de germes patogênicos, que de modo geral, os doutrinadores brasileiros interpretam tal expressão como micro-organismos (vírus, bacilo e protozoário) capazes de produzir moléstias infecciosas . Verifica-se que foi uma tentativa da doutrina pátria, de interpretar a lei considerando a sua finalidade.

- Atenção: Para configuração do crime de epidemia basta a ocorrência da morte de uma só pessoa.

- Atenção: A transmissão dolosa do vírus HIV não configura o crime ora em comento.

b) O crime de epidemia na Lei dos Crimes Hediondos

 - A inclusão do crime de epidemia na Lei dos Crimes Hediondos decorreu da necessidade de proteção da saúde pública, dentro de um contexto mais amplo, que é a incolumidade coletiva, ou seja, a vida de todo um grupo indeterminado de pessoas.

- A epidemia é um crime de perigo presumido, de forma absoluta, mas, ao mesmo tempo, de crime de dano em relação aos atingidos, pois, constitui em si mesmo evento lesivo. Tutela-se a incolumidade pública, sobretudo a saúde pública.

- Atenção: Por expressa determinação legal, somente será considerado crime hediondo se do fato (epidemia) resultar morte (art.267, §1º, do CPB), isto é, somente a forma qualificada é crime hediondo.

6.8 – O crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998)
 
a) O crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais.

Código Penal
(...)
Art.273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais;
Pena – reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.

§1° - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe a venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.

§1°-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico.

§1°-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1°. Em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:

I - Sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;
 
II - Em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior

III - Sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização;
 
IV - Com redução do seu valor terapêutico ou de sua atividade;
 
V - De procedência ignorada;
 
VI - Adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente.

§ 2° - Se o crime é culposo:
 
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.(...)”

- O Capítulo III, do Código Penal traz o tipo penal intitulado Dos Crimes Contra a Saúde Pública, logo, o bem jurídico protegido pelo delito em destaque é a saúde pública.

- A tutela jurídica que se verifica nos crimes contra a saúde pública segundo Rogério Greco “é a incolumidade pública, consubstanciada, no caso, especificamente na saúde pública” . Os núcleos do tipo previstos no caput são os verbos falsificar que significa imitar com o sentido de iludir ou fraudar, corromper que tem o sentido de viciar, estragar, tornar podre, adulterar e alterar significam modificar o produto.

- Cezar Robert Bitencourt conceitua produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais como aqueles “próprios para o tratamento, a cura ou a prevenção de enfermidades” . Damásio de Jesus segue a mesma linha e considera tais produtos como “toda substância sólida ou líquida, empregada na cura ou prevenção de moléstias”.

b) O crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais na Lei dos Crimes Hediondos

- É importante lembrar que o combate aos crimes hediondos teve começo com a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XLIII, que considera inafiançável e insuscetível de graça ou anistia a “prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos”. Diante de tanta violência, a sociedade pressionava o Estado para que este tomasse medidas contra os contínuos casos de extorsão mediante sequestro que estavam assolando o país naquela ocasião. Em seguida, adveio um novo escândalo no cenário nacional, o da falsificação de medicamentos, “nesse ano o governo descobriu 138 medicamentos falsos nas prateleiras das farmácias” , com ênfase no famoso caso da “pílula de farinha”, que novamente abalou a sociedade.

- É fato que, fora em decorrência da intensa pressão da imprensa e da opinião pública, que no ano de 1990, por meio da elaboração da Lei dos Crimes Hediondos, o Direito Penal foi chamado a apresentar uma solução rápida e mágica para os crimes de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, como se o aumento da pena ou a hediondez para o delito resolvesse rapidamente o problema. Nesse sentido Antônio Lopes Monteiro  diz o seguinte:

E, como nas situações anteriores, seqüestros (extorsão mediante seqüestro) e homicídios clamorosos, mais uma vez o Direito Penal foi chamado a dar uma resposta, como se, rotulando de hedionda esta ou aquela conduta, num passe de mágica, o problema estivesse resolvido.”

- O legislador, no afã de atender o clamor público, editou as Leis de números 9.677/98 e 9.695/98, inserindo assim o delito de falsificação,  corrupção,  adulteração  ou  alteração  de  produto  destinado  a  fins terapêuticos ou medicinais no rol dos crimes hediondos.

- A Lei n° 9.677/98 trouxe nova redação ao art. 1°, da Lei nº 8.072/90,  incluindo o delito de  “corrupção, adulteração, e  falsificação de substância alimentícia  ou medicinal”,  tratando na  forma  qualificada a exposição à  venda.

- O delito de “corrupção, adulteração, e falsificação de substância alimentícia ou medicinal”  era  a combinação do art.272, § 1° com o art. 285, todos do Código Penal.

- Importante mencionar que na alteração do tipo legal, o novo diploma legal, em sua ementa, disciplinava quais delitos do Código Penal seriam rotulados como hediondos, entretanto, em seu corpo normativo não havia nada que confirmasse essa condição. Por conseguinte, surgiram diversas inovações na técnica legislativa, trazendo preceitos primários e sancionatórios, como os parágrafos 1° - A do artigo 272 e os parágrafos 1° - A e B do artigo 273, além de siglas inusitadas, tais como a sigla “NR”, que significa que o legislador trouxe um tipo penal com “Nova Redação” e as letras A e B à frente dos parágrafos, do art.273.

- Os críticos da nova Lei n° 9.677/98 alegam que a mesma trouxe um desequilíbrio no Sistema Penal brasileiro, vez que é desprovida de embasamento científico, ou seja, no tocante a equiparação da potencialidade lesiva à saúde pública em delitos de falsificação de produtos medicinais com os de falsificação de cosméticos, ou de falsificação de substância alimentícia, aplicou a todos o mesmo tratamento punitivo. Situação que se caracteriza em grave lesão ao princípio da isonomia, na medida em que deu o mesmo tratamento a delitos com potencialidade lesiva desigual.

- A Lei n° 9.695, de 20 de agosto de 1998, foi elaborada para corrigir os equívocos e a falta de sintonia, que eram imputados a Lei n° 9.677/98.

- A Lei n° 9.695/98, quando proposta, devia tratar dos crimes hediondos, alterando os arts. 2°, 5° e 10 da Lei n° 6.437, de 20 de agosto de 1977, a qual refere-se a legislação sanitária federal. Todavia, quando sancionada considerou hediondos apenas o delito previsto no artigo 273 e seus parágrafos, do Código Penal, excluída a modalidade culposa.

- Importante registrar que, em face da Lei 9.677/98, houve uma elevada repressão penal com o aumento da pena de prisão, ou seja, de 01 a 03 anos de reclusão para 10 a 15 anos de reclusão. Além do que, uma outra modificação trazida pela nova Lei nº 9.677/98 foi a ampliação do rol dos objetos materiais do delito, ou seja, houve o acréscimo dos seguintes elementos:

a) “matéria prima” (substância a partir da qual se pode fabricar ou produzir outra);
 

b) “insumos farmacêuticos” (diversos tipos de substâncias combinadas);
 

c) “cosméticos” (produtos destinados à limpeza de pele).

- Atenção: No tocante a lei dos crimes hediondos, o estudo do art. 273, do CPB, deve ser feito de maneira integral.

- Atenção: A falsificação de cosméticos, de saneantes ou de produtos usados em diagnóstico são crimes hediondos, por incrível que pareça. Explicando melhor, segundo o disposto no § 1º-A, do art.273, do CPB, embora seja inadequada a alocação de "cosméticos"  e "saneantes" , na objetividade material do delito, se os produtos, uma vez modificados, colocam em risco significativo a saúde pública, não há se falar na desproporcionalidade propalada pela doutrina quase uníssona. Exemplificando, um produto de desinfecção de CTI adulterado, impõe perigo maior do que a falsificação de um analgésico. O mesmo se diga de um protetor solar.

6.9 – O crime de genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º, da Lei nº2.889, de 1º de outubro de 1956, tentado ou consumado.

a) O crime de genocídio

- A palavra genocídio vem da junção dos termos: génos (grega) que significa raça, povo, tribo, grupo, nação com a palavra caedere (latim) que quer dizer destruição, aniquilamento, ruína, matança etc.

- No Dicionário Aurélio  tem-se a seguinte definição para genocídio:

"crime contra a humanidade, que consiste em, com o intuito de destruir total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, cometer contra ele qualquer dos atos seguintes: matar membros seus, causar-lhes graves lesão à integridade física ou mental; submeter o grupo a condições de vida capazes de o destruir fisicamente, no todo ou em parte; adotar medidas que visem a evitar nascimentos no seio do grupo; realizar a transferência forçada de crianças num grupo para outro".

- Segundo Carlos Eduardo Adriano Jupiassú  ao falar do genocídio diz que "essa categoria de delito surgiu com os processos de Nuremberg, embora o termo crimes contra a humanidade seja conhecido, desde a IV Convenção de Haia de 1907, referente às leis e aos costumes da guerra terrestre por meio da chamada Cláusula Martens".

- Em 1948 foi editada a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio pela Assembléia Geral da ONU, sendo que o art. 2º, da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio de 1948, define o crime como:

"Na presente Convenção, entende-se por genocídio os atos abaixo indicados, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tais como:

a) assassinato de membros do grupo;

b) atentado grave à integridade física e mental de membros do grupo;
 

c) submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ou parcial;
 

d) medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
 

e) transferência forçada das crianças do grupo para outro".

- No Brasil a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio foi ratificada pelo Decreto nº 39.822, de 1952 e, logo após, em 1956, foi editada a Lei nº 2.889/56 que não fugiu aos tipos de genocídio descritos na Convenção.

- Merece registro que o art.6º, da Convenção Internacional, denominada de Estatuto de Roma define o crime de genocídio nos mesmos termos do art.2º, da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, senão vejamos:

"Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por genocídio, qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal:
 
a) homicídio de membros do grupo;
 

b) ofensas graves à integridade física ou mental dos membros do grupo;
 

c) sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial;
 

d) imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo;
 

e) transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo."

- Acontece que, quando o Estatuto de Roma instituiu o Tribunal Penal Internacional, estabeleceu a competência para o julgamento de quatro categorias de crimes:

a) o crime de genocídio;

b) os crimes contra a humanidade;

c) os crimes de guerra; e

d) crimes de agressão.


- Ensina a Professora Maria Garcia  que o genocídio "constitui-se, efetivamente, em crime contra a humanidade e a ordem internacional porque visa eliminar a diversidade e a pluralidade que caracterizam o gênero humano".

- Segundo a doutrina, o crime de genocídio se divide em três espécies:

I - Genocídio físico – que se constitui no assassinato e atos que causem a morte;

II - Genocídio biológico – que se constitui na esterilização, separação de membros do grupo; e o

III - Genocídio cultural – que se constitui em atentados contra o direito ao uso da própria língua; destruição de monumentos e instituições de arte, história ou ciência.

- O bem jurídico a ser protegido no crime de genocídio é o ser humano em relação ao seu grupo e este em relação a humanidade, vez que, trata-se de crime contra humanidade e a ordem internacional, vez que tem por intenção acabar com uma raça, uma etnia, um grupo religioso, etc.

- O entendimento majoritário defende a tese de que na definição do crime de genocídio se encontra a defesa de um bem jurídico coletivo, aliás, um bem jurídico supra individual, cujo titular não é pessoa física, mas o grupo, entendido como uma coletividade.

- Segundo Carlos Canêdo, no tocante a identificação do bem jurídico tutelado no crime de genocídio:

"não é difícil perceber o crime de genocídio como antagônico à idéia de pluralidade e diversidade humanas, que, repita-se, devem ser garantidas por um Estado Democrático de Direito. Sem embargo, é claro, da óbvia constatação de que os bens jurídicos vida e integridade física e mental são também afetados por este crime."

- Para Heleno Cláudio Fragoso, o tipo objetivo do crime de genocídio deve ser entendido da seguinte forma:

"Objetividade Jurídica. Todas as ações que configuram como crime de genocídio não se dirigem, em primeira linha, contra a vida do indivíduo, mas sim contra grupo de pessoas, na sua totalidade. Como bem jurídico tutelado surge, portanto, a vida em comum dos grupos de homens, na comunidade dos povos, em primeiro plano. Como diz MAURACH, o bem jurídico tutelado no crime de genocídio reside em ideais humanitários: o entendimento de que todos os povos e grupos de pessoas, não obstante suas diferenças, têm a pretensão ao reconhecimento de sua dignidade humana e existência."

- Em síntese, o objeto jurídico tutelado imediatamente pelo crime de genocídio corresponde a existência de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.

- No crime de genocídio a lesão à vida, à integridade física, à liberdade de locomoção etc., são apenas meios de ataque ao bem jurídico tutelado, que, nos diversos tipos de ação genocida, não se confunde com os bens primários também lesados por essas ações instrumentais.

- O sujeito ativo do crime de genocídio será sempre o homem, pois não se admite a responsabilidade das pessoas jurídicas para este crime.

- A Lei de nº 2.889/56, embora anterior à Constituição Federal de 1988, ela foi recepcionada pela mesma, abordando expressamente o crime de genocídio, tipificando penas e condutas relacionadas à “intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso” (art. 1º, da lei de nº 2.889/56). Ademais, o Código Penal Brasileiro prevê desde 1984 o crime de genocídio cometido por brasileiro ou domiciliado no Brasil, in verbis:

“Código Penal
(...)
Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:

I - os crimes:
(...)

d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984). (...)


- O delito de genocídio, na forma tentada ou consumada, encontra-se previsto nos arts. 1º, 2º e 3º, da Lei 2.889/56, caracterizando-se por todo tipo de ação direcionada a destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso.

b) O crime de genocídio e a Lei dos Crimes Hediondos

- Há quem diga que o genocídio é um crime equiparado ao hediondo. Todavia, o crime de genocídio não foi apontado pelo Constituinte Originário como hediondo. Ademais, a própria lei dos crimes hediondos considera o genocídio como tal.

- O STF, no RE 351487/RR, cujo acórdão vale à pena ser lido na íntegra, ressalta que a lesão à vida, integridade física ou à liberdade de locomoção são apenas MEIOS DE ATAQUE nos diversos meios de ação do criminoso. Afirmou-se que o crime de genocídio não visa proteger a vida ou a integridade física, mas sim a diversidade humana.

- Para o STF um eventual homicídio seria mero instrumento para a execução do crime de genocídio, ou seja, o crime de genocídio não é um crime doloso contra a vida, mas contra a existência de grupo racial, nacional, étnico e religioso.

- Segue a ementa do RE 351487/RR:

EMENTA: 
1. CRIME. Genocídio. Definição legal. Bem jurídico protegido. Tutela penal da existência do grupo racial, étnico, nacional ou religioso, a que pertence a pessoa ou pessoas imediatamente lesionadas. Delito de caráter coletivo ou transindividual. Crime contra a diversidade humana como tal. Consumação mediante ações que, lesivas à vida, integridade física, liberdade de locomoção e a outros bens jurídicos individuais, constituem modalidade executórias. Inteligência do art. 1º da Lei nº 2.889/56, e do art. 2º da Convenção contra o Genocídio, ratificada pelo Decreto nº 30.822/52. O tipo penal do delito de genocídio protege, em todas as suas modalidades, bem jurídico coletivo ou transindividual, figurado na existência do grupo racial, étnico ou religioso, a qual é posta em risco por ações que podem também ser ofensivas a bens jurídicos individuais, como o direito à vida, a integridade física ou mental, a liberdade de locomoção etc.. 2. CONCURSO DE CRIMES. Genocídio. Crime unitário. Delito praticado mediante execução de doze homicídios como crime continuado. Concurso aparente de normas. Não caracterização. Caso de concurso formal. Penas cumulativas. Ações criminosas resultantes de desígnios autônomos. Submissão teórica ao art. 70, caput, segunda parte, do Código Penal. Condenação dos réus apenas pelo delito de genocídio. Recurso exclusivo da defesa. Impossibilidade de reformatio in peius. Não podem os réus, que cometeram, em concurso formal, na execução do delito de genocídio, doze homicídios, receber a pena destes além da pena daquele, no âmbito de recurso exclusivo da defesa. 3. COMPETÊNCIA CRIMINAL. Ação penal. Conexão. Concurso formal entre genocídio e homicídios dolosos agravados. Feito da competência da Justiça Federal. Julgamento cometido, em tese, ao tribunal do júri. Inteligência do art. 5º, XXXVIII, da CF, e art. 78, I, cc. art. 74, § 1º, do Código de Processo Penal. Condenação exclusiva pelo delito de genocídio, no juízo federal monocrático. Recurso exclusivo da defesa. Improvimento. Compete ao tribunal do júri da Justiça Federal julgar os delitos de genocídio e de homicídio ou homicídios dolosos que constituíram modalidade de sua execução.(Grifo nosso)

- Atenção: O crime de envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal era crime hediondo. Porém, tal delito continua no elenco dos crimes suscetíveis de decretação de prisão temporária, o que pode gerar confusão no estudante.

7 - Rol dos crimes equiparados ou assemelhados a hediondos

- A Lei nº 8.072/90  abrange  não  só  as  infrações  penais enumeradas em  seu art. 1º,  como  também  os crimes  de  tortura,  tráfico  de entorpecentes  e  terrorismo,  os quais não são crimes hediondos, mas são considerados  como  tal, tornando-se  equiparados  a  estes, ou seja, tem o mesmo tratamento dos hediondos. E por esta razão, são aplicadas a esses crimes todas as regras que traz a lei dos crimes hediondos, conforme expresso no art.2º, da Lei nº 8.072/90.

- Os crimes assemelhados a Hediondos são três: a) o crime de tráfico ilícito de entorpecentes (drogas); b) o crime de terrorismo; e c) o crime de tortura.

I – O crime de tráfico ilícito de drogas – está previsto nos arts. 33, caput, §1º, e art. 34, da Nova Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06).

- Atenção: Nem todos os crimes definidos na nova Lei de Drogas serão considerados hediondos. Exemplificando, o crime de posse ilegal de drogas para consumo pessoal, previsto no art. 28, da referida Lei, não caracteriza delito equiparado a hediondo, por não ter natureza de tráfico ilícito de drogas.

II – O crime de terrorismo – está tipificado no art. 20, da Lei nº 7.170/83 (Lei de Segurança Nacional), caracterizando-se pela conduta de “devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas”. Havendo a lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro e, no caso de morte, aumenta-se até o triplo.

- Atenção: No Brasil a tipificação do terrorismo não é pacífica, havendo duas correntes sobre o tema:

1º) Corrente que defende a inexistência do tipo penal específico para o crime de terrorismo. Dessa forma, as ações terroristas e suas consequências precisariam se enquadrar nas normas penais existentes no ordenamento jurídico (homicídio, lesão corporal, incêndio, dentre outros).

2º) Corrente que defende a tipificação do crime de terrorismo no art. 20, da Lei de Segurança Nacional. Esta Lei prevê crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão a integridade territorial e a soberania nacional; o regime representativo e democrático; a Federação; e o Estado de Direito. Os contornos do crime de terrorismo estariam fixados neste dispositivo. É a posição majoritária na doutrina.

III – O crime de tortura – está previsto em diversos tratados internacionais de Direitos Humanos, assim como o tráfico de drogas e o terrorismo. No Brasil, a sua tipificação pelo legislador infraconstitucional foi impulsionada por uma série de acontecimentos de repercussão nacional, destacando-se as ações de tortura cometidas por policiais militares em Diadema, na Grande São Paulo.

8 - Efeitos Jurídicos

- O art. 2º, da Lei dos Crimes Hediondos dispõe que são insuscetíveis de anistia, graça, indulto e de fiança todos os delitos que estão listados no art.1º, da referida lei, e também, os crimes assemelhados aos hediondos.
 
“Lei dos Crimes Hediondos
(...)
Art. 2º - Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
I - anistia, graça e indulto;
II - fiança. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007)
(...)”
 
8.1 - Anistia

- Entende-se por ANISTIA o “esquecimento” jurídico de uma ou mais infrações. Mas, também é conceituada como sendo um ato pelo qual uma autoridade concede o perdão a determinados indivíduos, geralmente por crimes de teor político.

- A concessão da anistia é atribuição do Congresso Nacional, por meio de lei federal, sendo que, uma vez concedida, todos os efeitos de natureza penal deixam de existir, ou seja, se constitui em causa extintiva da punibilidade do agente.

8.2 – Graça

- O instituto jurídico denominado de GRAÇA é a concessão de “perdão” pelo Presidente da República por meio de decreto. Trata-se de uma espécie de perdão estatal. É também uma das causas de extinção da punibilidade.

- Atenção: O instituto jurídico da Graça trata-se de um indulto individual.

8.3 – Indulto

- O instituto jurídico denominado de INDULTO também é concedido pelo Presidente da República por meio de decreto. Trata-se de instituto jurídico coletivo, vez que possui um caráter de generalidade, ou seja, abrange várias pessoas.

- A inclusão do indulto no art. 2º, da Lei dos Crimes Hediondos, gerou discussões acerca da sua constitucionalidade, já que no art. 5º, inc. XLIII, da CF, proíbe, tão somente, a concessão de graça, a anistia e fiança. Todavia, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento pela constitucionalidade do art.2º, I, da Lei nº 8.072/90, quando do julgamento da ADI 2795 MC/DF.

- Segundo o STF a concessão de indulto aos condenados a penas privativas de liberdade insere-se no exercício do poder discricionário do Presidente da República, limitado à vedação prevista no inciso XLIII, do art. 5º, da CF, de onde o artigo supracitado retira a sua validade. Foi arguido que o termo ‘graça’, previsto no dispositivo constitucional, abrange ‘indulto’ e ‘comutação de penas’.

- Por delegação do Presidente da República, podem conceder indulto ou comutar penas no caso de crimes não-hediondos, o Ministro de Estado, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União.

9 - Liberdade Provisória e Fiança

9.1 - Liberdade Provisória

- A liberdade provisória é um instituto processual que garante ao indiciado/acusado o direito de aguardar em liberdade o transcurso de inquérito ou processo penal, e no caso deste último, até o trânsito em julgado da sentença condenatória, vinculado ou não a certas condições, podendo ser revogada a qualquer momento, se descumprida qualquer condição imposta e aceita, servindo então para mitigar os rigores das prisões processuais.

- A liberdade provisória é concedida ao indiciado ou ao réu preso cautelarmente. É uma garantia constitucional prevista no Art. 5º, inciso LXVI, da CF, assim redigido: “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.

- A Constituição Federal e a Lei nº 8.072/90 dizem que os crimes hediondos e equiparados são inafiançáveis, ou seja, que é vedada a concessão de liberdade provisória com arbitramento de fiança para tais delitos.

- A vedação à liberdade provisória, antes expressamente prevista na Lei nº 8.072/90, não impedia o relaxamento do flagrante quando:

a) ocorresse excesso de prazo da prisão processual;

b) não confirmada à situação de flagrância; e

c) reconhecida à nulidade na lavratura do auto de prisão.

- Quanto ao tema da vedação à liberdade provisória nos crimes hediondos, foi editada a Súmula 697/STF, que diz:

A proibição da liberdade provisória nos processos por crimes hediondos não veda o relaxamento da prisão processual por excesso de prazo”.

- Atenção: Com o advento da Lei nº 11.464/07, houve o disciplinamento da possibilidade de concessão de liberdade provisória sem arbitramento de fiança, no caso de cometimento de crimes hediondos ou equiparados.
 
- A doutrina não sedimentou entendimento sobre possibilidade de concessão de liberdade provisória sem arbitramento de fiança, no caso de cometimento de crimes hediondos, ou seja, existe a tese, segundo a qual, mesmo com a alteração na lei dos crimes hediondos, a proibição de liberdade provisória decorreria da inafiançabilidade prevista no art.5º, XLIII, da CF. Ademais, muitos doutrinadores defendem que, se a liberdade provisória com fiança não é permitida, com mais razão não seria a liberdade provisória sem fiança. Neste sentido, vale citar o HC 93.229/SP, do STF e o HC 93591/MS, do STJ.

- No que concerne aos crimes de tráfico de drogas, o art. 44, da Lei n.º 11.343/06 veda, de maneira expressa, a concessão de liberdade provisória sem fixação de fiança aos delitos em comento.

- O STF, em manifestações recentes, tem suscitado que a redação conferida ao art. 2º, II, da Lei nº 8.072/90, pela Lei nº 11.464/07, NÃO PREPONDERA sobre o disposto no art. 44, da Lei nº11.343/06, que proíbe, EXPRESSAMENTE, a concessão de liberdade provisória em se tratando de tráfico de drogas – HC 92495/PE: Informativo 508.

- No HC 94916/RS: Informativo 522 – o Ilustre Min. Eros Grau enfatiza a excepcionalidade da liberdade provisória nos crimes de tráfico de drogas.

9.2 – Fiança

- Fiança é a garantia prestada pelo indiciado ou réu, em situação de prisão cautelar, para que responda ao inquérito ou ao processo-crime em liberdade.

- Pode-se falar que a fiança tem duas finalidades, que são as seguintes:

1ª) Substituir a prisão, isto é, o preso obtém sua liberdade mediante o recolhimento de determinada garantia, que pode ser em bens ou dinheiro;

2ª) Proporcionará a reparação do dano, no caso do acusado ser condenado, inclusive, com a satisfação da multa e das custas processuais.

10 - Progressão de Regime

- A antiga redação do art. 2º, da Lei nº 8.072/90 afirmava que a pena privativa de liberdade por crime previsto na referida lei deveria ser cumprida em regime integralmente fechado. Mas, em 1997, a Lei de Tortura inovou no ordenamento jurídico dispondo que era possível que o condenado por tal delito pudesse progredir de regime. Muitos sustentaram que tal possibilidade deveria ser dada aos demais crimes hediondos e equiparados. Porém o STF, por meio da Súmula 698 disse que não se estenderia aos demais crimes hediondos e equiparados a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura.

- A Súmula 698 perdeu a razão de ser com a declaração de inconstitucionalidade da vedação à progressão de regime, prevista na lei dos Crimes Hediondos e, a conseqüente alteração realizada pela Lei nº 11.464 de 2007.

- Atenção: A antiga redação do art.2º, da Lei dos Crimes Hediondos não encontrava perfeita sintonia com o princípio constitucional da individualização da pena. Assim, quase 16 anos depois da edição da referida Lei, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 82.959, entendeu que a vedação de progressão de regime ofendia, em sua essência, a regra constitucional em estudo.

STF - HC 82959 / SP - SÃO PAULO

Ementa

PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90
.” (Grifo nosso)

- Com o advento da Lei nº 11.464/07 (art. 2º, § 1º), a progressão do regime passou a ser EXPRESSAMENTE admitida. Assim, se o apenado for primário a progressão ocorrerá após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se reincidente após o cumprimento de 3/5 (três quintos).

11 - Prisão Temporária nos Crimes Hediondos

- O prazo da prisão temporária nos crimes hediondos será de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade.

- Atenção: Para os outros crimes (não hediondos), o prazo da prisão temporária é de 5 (cinco) dias, também prorrogável por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade.

- Atenção: É cabível prisão temporária em todos os crimes hediondos e equiparados, mas nem todos os crimes previstos na Lei da Prisão Temporária são hediondos.
 
12 - Possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito

- No STF predominava o entendimento de que não era possível a substituição, uma vez que o regime de cumprimento de pena no caso de condenação por crime hediondo era integralmente fechado, conforme redação anterior do §1º, do art. 2º, da Lei nº 8.072/90. De outra parte, desde que preenchidos os requisitos para a substituição, alguns Ministros citavam a inconstitucionalidade do já mencionado artigo. Mas, com a alteração introduzida pela Lei n.º 11.464/07, admitindo a progressão de regime, pode-se arguir pela possibilidade de substituição da pena, já que o óbice legal anteriormente usado pelos que defendiam a sua inadmissibilidade foi extraído da lei. Tal entendimento poderá ainda ser atribuído ao instituto do SURSIS.

- Uma importante observação a ser feita é com relação ao art. 44, da Lei n.º 11.343/06, que veda expressamente a aplicação de penas restritivas ao condenado pelos crimes de tráfico.

13 - Possibilidade do condenado recorrer em liberdade

- Rege a lei dos Crimes Hediondos:

“Lei dos Crimes Hediondos (...)
Art.2º - (...)
§ 3º - Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.” (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007)
(...)”

- O Superior Tribunal de Justiça vem se manifestando no sentido de que somente será imposto ao réu o recolhimento provisório quando presentes as hipóteses do art. 312, do CPP, havendo, assim, uma releitura da Súmula nº 09. Julgados recentes: RHC 23987/SP e HC 92886/SP.

14 - Livramento Condicional

- Livramento condicional é a concessão de liberdade antecipada pelo juiz, ao condenado, mediante a existência de determinados requisitos, e observadas algumas condições durante o restante da pena que deveria cumprir preso.

- O art. 83, inciso V, do Código Penal tem a seguinte redação:

“Código Penal (...)
Art.83 – omissis.
(...)
V - cumprido mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza".(...)
” (grifo nosso)
 
- Atenção: Para que seja concedido o benefício da liberdade condicional, além dos requisitos já estabelecidos no Código Penal, o condenado deve cumprir 2/3 da reprimenda imposta, desde que não seja reincidente específico.

15 - Reincidência específica: o que é?

- 1ª Corrente: denominada de Corrente Restritiva – defende que se configura a reincidência específica quando o criminoso, já condenado por um crime hediondo, comete novamente o mesmo delito.

- 2ª Corrente: denominada de Corrente Ampliativa – defende que se configura a reincidência específica quando o criminoso, após ser condenado por um dos crimes hediondos ou equiparado, comete qualquer outro crime tratado na lei.




Referências

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