1 – Ordenamento
jurídico e Ciência Penal
1.1 - O que é o Ordenamento
Jurídico?
- Segundo Norberto Bobbio[1] só se pode falar de Direito onde
haja um complexo de normas formando um ordenamento, e que, portanto, o Direito não é norma, mas um conjunto
coordenado de normas, sendo evidente que uma norma jurídica não se encontra
jamais só, mas está ligada a outras normas com as quais forma um sistema
normativo.
- Para Bobbio a Teoria do Ordenamento Jurídico constitui uma integração da Teoria da Norma Jurídica, e que foi
levado a esta integração pelos resultados a que chegou na busca de uma
definição do Direito do ponto de vista da norma jurídica, considerada
isoladamente, mas que teve de alargar os seus horizontes para a consideração do
modo pelo qual uma determinada norma
jurídica se torna eficaz a partir de uma complexa organização que determina a
natureza e a entidade das sanções, as pessoas que devem exercê-las e sua
execução, e que essa organização complexa é o produto de um ordenamento
jurídico, o que significa que uma definição do Direito só é possível se nos
colocarmos do ponto de vista do ordenamento jurídico.
1.2 - O que é a Ciência Penal?
- Para entender o conceito de Ciência
Penal, se faz necessário citar a Doutora Bartira Macedo de Miranda Santos[2], a qual leciona que:
“(...) Ciência Penal designa-se o conjunto de saberes científicos relacionados
ao conhecimento do crime e do sistema punitivo. Por esta expressão estão
abarcadas a Criminologia, com suas teorias explicativas do crime, do criminoso,
da vítima, da sociedade criminógena e do sistema de reação ao crime; o Direito
Penal, enquanto detentor da competência de esclarecer, com base na legislação
vigente, quais são as condutas criminosas e qual a pena correspondente, a fim
de estabelecer a necessária limitação do poder punitivo; o Direito Processual
Penal, que estabelece as regras e os procedimentos legais para o julgamento dos
acusados e a aplicação das penas, regulamentando/limitando a atuação do Estado
no exercício do poder punitivo; a Política Criminal que, no seu discurso
oficial, assume o compromisso de, por meio das descobertas científicas da
Criminologia, orientar na escolha das opções legislativas no âmbito do direito
penal, processual penal, execução penal etc.(...)” (grifo nosso)
1.3 - O que é a Dogmática Penal?
- Na visão de Luis Jimenez de Asúa,
existe a Dogmática Penal, que se constitui em um método (com todos os limites que são inerentes a qualquer método) de
investigação, conhecimento, interpretação e crítica de um objeto específico,
que é o Direito Penal[3]. Afinal, segundo a lição de Munõz
Conde[4], somente uma atividade humana pode
ter um método, o que não é o caso do Direito Penal (conjunto normativo).
- A ciência penal ou dogmática penal é apenas uma das maneiras
possíveis de se estudar o delito, dedicando-se a investigá-lo na sua dimensão
propriamente jurídica. Ao seu lado, outras disciplinas não dogmáticas estão
voltadas para o estudo do crime e das leis penais, a partir de um outro
enfoque, como por exemplo, a sociologia
criminal, a história do direito penal, a filosofia penal, dentre outras.
- A título de ilustração, o cientista do direito penal pretende
alcançar uma conclusão fundamentada acerca da possibilidade da cólera ou estado
de embriaguez do agente afastar o caráter delituoso de sua conduta. Assim
agindo, com o objetivo de orientar o profissional do direito no
exercício de sua atividade de natureza técnica, para indicar qual a melhor
solução para o problema concreto que ele possa vir a enfrentar na prática.
- A ciência jurídico-penal tem por missão “satisfazer as necessidades da administração da justiça”, ou seja,
esta disciplina pretende-se valiosa por servir de maneira eficiente à
finalidade de aplicação do direito, nas palavras de Santiago Mir Puig[5].
2 – Conceito/definição de Direito
Penal
- Para o jurista Von Liszt Direito
Penal era entendido como “o conjunto das prescrições emanadas do
Estado, que ligam ao crime, como fato, a pena como conseqüência”[6].
- Edmund Mezger ao falar do Direito
Penal o definia como “o conjunto das normas jurídicas que regulam
o exercício do poder punitivo do Estado, associando ao delito, como pressuposto,
a pena como conseqüência”.[7]
- O professor Edgar Magalhães Noronha[8], por sua vez, definia o Direito
Penal nos seguintes termos: “conjunto de normas jurídicas que regulam o
poder punitivo do Estado, tendo em vista os fatos de natureza criminal e as
medidas aplicáveis a quem os pratica”.
- O professor Basileu Garcia Veiga[9], ao ensinar o Direito Penal,
defendia que o mesmo se trata de um “conjunto de normas jurídicas que o Estado
estabelece para combater o crime, através das penas e medidas de segurança”.
3 - O Direito Penal como regra de
controle social
- Na visão de José Miguel Zugaldía
Espinar[10], não
é possível se imaginar uma comunidade sem controle social, onde estariam
ausentes as normas de conduta e convivência, sem sanções adequadas à quebra de
regras e onde não houvesse a aplicação da norma sancionadora quando há o
descumprimento de tais regras. Por conseguinte, segundo o referido
pensador, o Direito Penal se caracteriza por dois fundamentos: ser um instrumento de controle social
primário e por ser um instrumento de controle social formalizado. (grifo
nosso)
- O Direito Penal é controle social primário quando tem por objetivo
amenizar as ações delitivas por meio de suas penalidades e, se constitui em instrumento de controle social formalizado,
quando se pauta pela regulamentação, através de normas positivadas, nos termos
do princípio da legalidade (ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei).
4 - O Direito Penal e seu caráter
fragmentário
- O caráter fragmentário do Direito Penal significa, em síntese, que
uma vez escolhidos aqueles bens fundamentais, comprovada a lesividade e a
inadequação das condutas que os ofendem, esses bens passarão a fazer parte de
uma pequena parcela, que é protegida pelo Direito Penal, originando-se, assim,
sua natureza fragmentária. Em outras palavras, não é tudo que o Direito Penal vai tutelar, mas somente uma parte (fragmento) do que é mais importante a sociedade.
Neste contexto, as ações meramente imorais não são tuteladas, tais como a
mentira, a conduta homossexual, a prostituição do próprio corpo etc.
5 - O Direito Penal e as novas
exigências sociais no Estado Democrático de Direito.
- As novas exigências sociais no Estado
Democrático de Direito, além de impor a submissão de todos
perante a lei, também dever editar
normas que possuam conteúdo e adequação social, ou seja, devem ser
definidas como infrações apenas os fatos
que realmente coloquem em risco bens jurídicos fundamentais para a sociedade.
- Ou melhor, a norma penal, em um Estado
Democrático de Direito deve, obrigatoriamente, selecionar, dentre os comportamentos
humanos, somente aqueles que possuam real
lesividade social. Do contrário,
haverá uma colisão de tais normas com a Constituição e, um atentado aos
princípios básicos da dignidade humana.
- Fátima Ferreira Pinto dos Santos[11], no artigo Os novos rumos do direito penal: uma perspectiva para
além da modernidade defende que o uso da razão foi condicionante para o
desenvolvimento/progresso do capitalismo e do controle social, a quem serve o
Direito Penal. Tese que complementa nos seguintes termos:
“(...) Algumas das respostas da modernidade no campo penal viriam com a
humanização das penas, com o fim das penas cruéis e infamantes e com o declínio
da aplicação da pena de morte. Por outro lado, pelo lado da crise do modelo
repressor, os modelos de prisão baseados no Panóptico benthaniano – manter o detento sob vigilância
constante, os olhos atentos, vigilantes e disciplinadores do Estado a reter
isolado o preso dos demais presos e estes da sociedade, falharam
fragorosamente. Do mesmo modo, as idéias de prevenção geral e especial não
surtiram os efeitos desejados pelo Estado e pela sociedade, qual seja a
diminuição da criminalidade: o grande monstro com que se depara hoje a
sociedade e o Estado brasileiro.
Entretanto,
a mercê dos passos efetivados pela modernidade e seu inegável avanço em relação
ao Direito Penal do antigo regime, fato é que continuamos a mexer numa ferida
que só tem crescido. Estamos navegando ao sabor do vento. Ora falamos de abolicionismo penal – para os mais
radicais –, ora exaltamos o minimalismo
penal como soluções para os problemas vigentes; e em outra ponta o nosso
legislador já se afigura com normas que tendem a efetivar cada vez mais o
chamado “Movimento de Lei e Ordem”,
inspirado em situações como da Baia de Gantânamo, nascido nas entranhas do
imperialismo norte americano. Como exemplo podemos citar a edição da Lei dos
Crimes Hediondos e da Lei do Crime Organizado.(...)
- Alessandro Baratta[12], entendendo que o Direito Penal é um
direito desigual, aponta que se deve empreender dois movimentos:
"1°) instituir a tutela penal em
campos que afetem interesses essenciais para a vida, a saúde e o bem-estar da
comunidade;
2°) contrair ao máximo o sistema
punitivo, com a descriminalização pura e simplesmente ou substituindo-as por
formas de controle legal não estigmatizantes, como por exemplo sanções de ordem
administrativas e civis. O que acarretaria uma profunda transformação no
processo e na organização judiciária, bem como nas instituições policiais"[13].
- Ainda em terceiro lugar, nas
palavras de Alessandro Baratta, considerando o fracasso da prisão em todas as suas
funções – controlar a criminalidade, reinserir o condenado à vida social[14] -, lutar pela abolição da pena de
prisão[15]. Para tanto sugere:
"a) implantação de
“substitutivos penais;
b) ampliação de formas de suspensão
condicional de execução e livramento condicional;
c) introdução de formas de execução
em regime de semiliberdade;
d) reavaliação do trabalho
carcerário;
6 - Metodologia do Direito Penal,
como ciência de conteúdo jurídico.
- Se o que se pretende demonstrar
como fim último do Direito Penal é, como aspirou
Feuerbach, a tutela de direitos
subjetivos, o método mais adequado seria partir de tais direitos e
reconhecer, como fonte de saber penal, a Filosofia.
De outra banda, se o que se pretende é
tutelar o direito objetivo, a tendência é aceitar que o método seja reduzido à vontade do legislador. Ou melhor, o método no Direito Penal tem sido
alterado e utilizado como forma de manutenção do status quo. A depender do discurso que se pretende
legitimar, modifica-se o caminho em prol de novos objetivos.
- A questão do método sempre foi
variável em relação ao Direito Penal, a depender da ideologia da época, do
contexto histórico e de fatores sociais. Pode-se observar esta nítida variação
no tópico referente às Escolas Penais.
7 - Evolução histórica do Direito
Penal
- O tópico em estudo, abaixo
transcrito, se encontra no artigo Evolução histórica do Direito Penal e
Escolas Penais, de Ana Clélia Couto Horta[17]:
“Importância do conhecimento histórico para
desfazer preconceitos e alargar horizontes” (João José Leal)
O estudo
da evolução histórico-penal é de suma importância para uma avaliação correta da
mentalidade e dos princípios que nortearam o sistema punitivo contemporâneo.
A
história humana não pode ser desvinculada do direito penal, pois desde o
princípio o crime vem acontecendo. Era necessário um ordenamento coercitivo que
garantisse a paz e a tranqüilidade para a convivência harmoniosa nas
sociedades.
“A história do Direito Penal é a história da
humanidade. Ela surge com o homem e o acompanha através dos tempos, isso porque
o crime, qual sombra sinistra, nunca dele se afastou”.
Os
estudiosos subdividem a história do direito penal em algumas fases. Fases estas
que não se sucederam de forma linear ou totalmente rígida (os princípios e
características de um período penetravam em outro). São elas:
Vingança
Privada
“A pena em sua origem, nada mais foi que
vindita, pois é mais compreensível que naquela criatura, dominada pelos
instintos, o revide à agressão sofrida devia ser fatal, não havendo
preocupações com a proporção, nem mesmo com sua justiça” (Edgar Magalhães Noronha)
Quando
ocorria um crime a reação a ele era imediata por parte da própria vitima, por
seus familiares ou por sua tribo. Comumente esta reação era superior à
agressão, não havia qualquer idéia de proporcionalidade.
Esta
ligação foi definida por Eric Fromm[18] como
sendo um vínculo de sangue, ou seja, era “um
dever sagrado que recai num membro de determinada família, de um clã ou de uma
tribo, que tem de matar um membro de uma unidade correspondente, se um de seus
companheiros tiver sido morto”.
Foi um
período marcado por lutas acirradas entre famílias e tribos, acarretando um
enfraquecimento e até a extinção das mesmas. Deu-se então o surgimento de
regras para evitar o aniquilamento total e assim foi obtida a primeira
conquista no âmbito repressivo: a Lei de
Talião (jus talionis).
O termo
talião de origem latina tálio + onis, significa castigo na mesma medida da
culpa. Foi a primeira delimitação do castigo: o crime deveria atingir o seu infrator da mesma forma e intensidade do
mal causado por ele.
O famoso
ditado “olho por olho, dente por dente”
foi acolhido como principio de diversos códigos como o de Hamurabi[19] e pela
Lei das XII Tábuas (Lex XII Tabularum).
Com o
passar do tempo á própria Lei de Talião evoluiu, surgindo a possibilidade do
agressor satisfazer a ofensa mediante indenização em moeda ou espécie (gado,
vestes e etc). Era a chamada Composição
(compositio).
“A composição é, assim, uma forma
alternativa de repressão aplicável aos casos em que a morte do delinqüente
fosse desaconselhável, seja porque o interesse do ofendido ou dos membros de
seu grupo fosse favorável à reparação do dano causado pela ação delituosa”. (João José Leal)
Vingança
Divina
É o
direito penal imposto pelos sacerdotes, fundamentalmente teocrático; o Direito se confundindo com a religião.
O crime era visto como um pecado e
cada pecado atingia a um certo deus. A pena era um castigo divino para a
purificação e salvação da alma do infrator.
Era comum
neste período o uso de penas cruéis e bastante severas.
Seus
princípios podem ser verificados no Código de Manu (Índia)[20] e no
Código de Hamurábi, assim como nas regiões do Egito, Assíria, Fenícia, Israel e
Grécia.
“Se alguém furta bens do Deus ou da Corte
deverá ser morto; e mais quem recebeu dele a coisa furtada também deverá ser
morto” (Código de Hamurábi – art.6º).
Vingança
Pública
Período[21] marcado pelas penas cruéis (morte na
fogueira, roda, esquartejamento, sepultamento em vida) para se alcançar o
objetivo maior que era a segurança do monarca. Com o
poder do Estado cada vez mais fortalecido, o caráter religioso foi sendo
dissipado e as penas passaram a ter o intuito de intimidar para que os crimes
fossem prevenidos e reprimidos.
Os
processos eram sigilosos, o réu não sabia qual era a imputação feita contra
ele, o entendimento era de que, sendo inocente, o acusado não precisava de
defesa; se fosse culpado, a ela não teria direito. Isso favorecia o arbítrio
dos governantes.
Direito
Penal Romano
De
inicio, em Roma, a religião e o direito estavam intimamente ligados, o Pater Famílias consistia no poder de
exercitar o direito de vida e de morte (jus vitae et necis) sobre todos os seus
dependentes, inclusive mulheres e escravos.
Com a
chegada da Republica Romana ocorreu
uma ruptura e desmembramento destes dois alicerces, a vingança privada foi abolida passando ao Estado o magistério penal.
“Roma foi o marco inicial do direito moderno
principalmente no âmbito civil. No penal, embora tímido, conseguiram destacar o
dolo e a culpa e o fim da correção da pena (...)” César Dário
Os
romanos contribuíram para a evolução do direito penal fazendo a distinção do
crime, do propósito, do ímpeto, do acaso, do erro, da culpa leve, do simples
dolo e dolo mau (dolus malus), além do fim de correção da pena.
Direito
Penal Germânico
O Direito era visto como uma ordem da
paz; desta forma o crime seria a quebra, a ruptura com este estado.
Inicialmente
eram utilizadas a vingança e a composição,
porém, com a invasão de Roma, o poder Estatal foi consideravelmente aumentado,
desaparecendo a vingança.
As leis bárbaras caracterizavam-se pela
composição, onde as tarifas eram estabelecidas conforme a qualidade da
pessoa, o sexo, idade, local e espécie da ofensa. Para aqueles que não pudessem
pagar eram atribuídas as penas corporais.
Também
adotaram a Lei de Talião e, conforme o delito cometido, utilizavam a força para
resolver questões criminais.
Eram
admitidas também as ordálias ou juízos
de Deus (provas de água fervendo, ferro em brasa...), assim como os duelos
judiciários, onde o vencedor era proclamado inocente.
Direito
Canônico
É o
ordenamento jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana.
O vocábulo canônico é derivado da
palavra kánon, que significava regra e norma, com a qual originariamente se
indicava qualquer prescrição relativa à fé ou à ação cristã.
Inicialmente
o Direito Canônico tinha o caráter
meramente disciplinar, porém com o fortalecimento do poder papal, este direito passou atingir a todos da sociedade
(religiosos e leigos).
Tinha o objetivo de recuperação dos criminosos
através do arrependimento, mesmo que fosse necessária a utilização de penas
e métodos severos.
Os
delitos eram classificados em:
*delicta eclesiástica:
ofendido o direito divino, o julgamento era de competência dos tribunais
eclesiásticos. A punição do infrator era dada em forma de penitências.
*delicta mere secularia: quando
a ordem jurídica laica fosse lesionada a competência era dos tribunais do
Estado. O infrator era punido com penas comuns.
*delicta mixta: delitos
que violavam a ordem laica e a religiosa; a competência do julgamento era do
primeiro tribunal que tomasse conhecimento do delito.
Esse
direito deu uma atenção ao aspecto
subjetivo do crime, combateu a vingança privada com o direito de asilo e as tréguas de Deus, humanizou as penas, reprimiu o uso das ordálias e introduziu as
penas privativas de liberdade (ocorriam nos monastérios em celas) em
substituição às patrimoniais.
A penitenciária foi criada por este
Direito: seria um local onde o condenado não
cometeria crimes, se arrependeria dos seus erros e por fim se redimiria podendo
voltar ao convívio social.
Os
tribunais eclesiásticos não costumavam aplicar as penas capitais até o período
conhecido como a Inquisição[22]. Neste
período passou-se a empregar a tortura,
o processo inquisitório dispensava
prévia acusação e as autoridades eclesiásticas agiam conforme os seus
valores e entendimentos. Foi um período
marcado por muitas atrocidades...
Período
Humanitário
Em fins do século XVIII com a propagação
dos ideais iluministas, ocorreu uma conscientização
quanto às barbaridades que vinham acontecendo, era preciso romper com os
convencionalismos e tradições vigentes. Houve um imperativo para a proteção da
liberdade individual em face do arbítrio judiciário e para o banimento das
torturas, com fundamento em sentimentos de piedade, compaixão e respeito à
pessoa humana.
Almejava-se
uma lei penal que fosse simples, clara, precisa e escrita em língua pátria,
deveria ser também severa o mínimo necessário para combater a criminalidade,
tornando assim o processo penal rápido e eficaz.
Cesare de Bonesana, o Marques de
Beccaria, saiu em defesa dos desafortunados e
dos desfavorecidos em sua obra “Dos
delitos e das penas” (Dei Delitti e Delle Pene). Opôs-se às técnicas
utilizadas até então pela justiça, era
contra a prática da tortura como meio de produção de prova e por fim combateu o sistema presidiário das
masmorras. Foi um verdadeiro grito contra o individualismo.
Baseou-se na Teoria do Contrato Social,
investiu contra a pena capital, com o argumento de que, apesar do homem
ceder parte de sua liberdade ao Bem Comum, não poderia ser privado de todos os
seus direitos e a ninguém seria conferido o poder de matá-lo.
“A lei que autoriza a tortura é uma lei que
diz: homens, resisti à dor” (Beccaria)
Beccaria
dividiu o crime em duas espécies:
* Crimes horrendos - aqueles que
são fruto da violação das convenções sociais e ligados ao bem estar comum como
o direito de propriedade e também os homicídios.
*Admitia
que havia crimes menos graves que o
homicídio e ainda os delitos, como o adultério.
Beccaria
foi um marco decisivo para a modificação do Direito Penal, veja algumas de suas
citações mais importantes:
Sobre a Impunidade:
“É,
porém, em vão que procuro abafar os remorsos que me afligem, quando autorizo as
santas leis, fiadoras sagradas da confiança pública, base respeitável dos
costumes, a proteger a perfídia, a legitimar a traição. E que opróbrio para uma
nação, se os seus magistrados tornados infiéis, faltassem à promessa que
fizeram e se apoiassem vergonhosamente em vãs sutilezas, para levar ao suplício
aquele que respondeu ao convite das leis”.
Sobre a moderação das penas: estas
deveriam ser preventivas e não retributivas.
"Toda severidade que ultrapasse os limites
se torna supérflua e, por conseguinte, tirânica".
“O que pretendeu Beccaria não foi certamente
fazer obra de ciência, mas de humanidade e justiça, e, assim, ela resultou num
gesto eloqüente de revolta contra a iniqüidade, que teve, na época, o poder de
sedução suficiente para conquistar a consciência universal. (...) falou claro diante dos poderosos, em um
tempo de absolutismo, de soberania de origem divina, de confusão das normas
penais com religião, moral, superstições, ousando construir um Direito Penal
sobre bases humanas, traçar fronteiras à autoridade do príncipe e limitar a
pena à necessidade da segurança social. Defendeu, assim, o homem contra a
tirania, e com isso encerrou um período de nefanda (perversa) memória na
história do Direito Penal”. (Aníbal Bruno)
Outras
figuras importantes também surgiram neste período, tais como:
John Howard, em seu
livro The State of Prision in England,
relatou a situação das prisões européias, propondo um tratamento mais digno aos
presos (direito ao trabalho, a uma alimentação sadia, assistência
religiosa...). John Howard é considerado por muitos como o pai da Ciência Penitenciária.
Jeremias Bentham, o qual postulou
que o castigo era um mal necessário para se prevenir maiores danos à sociedade,
embora admitisse o seu fim correcional.
Sua obra
mais significativa foi a Teoria das
Penas e das Recompensas.
A sua
maior contribuição foi o pan-óptico[23], em que
descrevia a arquitetura e os problemas de uma penitenciária.
Além
destes citem-se também os reformadores Servan
(Discurso sobre a administração da justiça criminal); Marat (Plano de legislação criminal) e Lardizábal (Discurso sobre las penas).(...)” (grifos nossos)
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três escolas penais. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1938.
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8ª ed. Rio de janeiro: Revan, 2002.
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[1] BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, 10. Ed. Brasília:
Universidade de Brasília, 1999, p. 19-34.
[2] SANTOS, Bartira Macedo de Miranda. A MODERNA CIÊNCIA PENAL: A ESPECIALIZAÇÃO DOS SABERES E SUA FUNÇÃO
IDEOLÓGICA. 2013. (Apresentação de Trabalho/Comunicação). Disponível em http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=6fbb2c2ee065c77a
[3] JIMENEZ DE ASÚA, Luis. Principios
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1997. p.24.
[5] MIR PUIG, Santiago.
El derecho penal en el Estado social y democrático de derecho. Barcelona:
Ariel, 1994.
[9] VEIGA, Basileu Garcia. Direito penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1977. v. 1, p. 62.
[11] SANTOS, Fátima Ferreira Pinto
dos. Os novos
rumos do direito penal: uma perspectiva para além da modernidade. Disponível
em http://www.trinolex.com
[12] BARATTA, Alessandro. Criminologia
crítica e crítica do direito penal. 3ª ed. Rio de janeiro: Revan,
2002.
[13] BARATTA, apud, Batista, 2002, p. 37
[14] A prisão trás ainda o marcante selo
estigmatizador dos que por ela passam e ainda ao contrário do que se propõe,
ela dessocializa o indivíduo. Ocorre a chamada prisionização: o detento absorve
os modos de vida do presídio, seus códigos, suas leis. Por isso diz-se sempre
ser a prisão a verdadeira “escola do crime”. É a graduação dos que violaram as
normas de convívio social e as normas jurídicas.
[15] Se a sociedade atual ainda necessita
da prisão como meio de punição e exemplo, e se ainda não se pode renunciar à
sua existência, se ela é, como dizia Foucault (2004, p. 195), a detestável solução de que não se pode abrir mão,
então, que se destine a crimes mais graves, mas que também sejam aplicadas às
exigências humanitárias condizentes com o Estado Democrático de Direito.
[16] BARATTA, apud, Batista, 2002, p. 38
[17] HORTA, Ana Clélia Couto. Evolução historica do Direito Penal e Escolas
Penais. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, VIII, n. 21, maio 2005.
Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=514>. Acesso em jul 2014.
[18] FROMM, Erich. Anatomia de
destrutividade humana. Erich Fromm foi grande psicanalista alemão
(1900-1980)
[19] Código de Hamurabi (2.300 a.C.),
código feito pelo rei da Babilônia, Khammu-rabi.
[20] Código de Manu (Índia, 1300 a.C)
[21] Também chamado de Época dos Suplícios,
a tortura era utilizada para descobrir a “verdade” sobre o crime.
[22] Vocábulo de origem latina
Inquisitione. Antigo tribunal eclesiástico que teve início com o Concilio de
Latrão (1215) instituído com a finalidade de investigar e punir os crimes
contra a fé católica.
[23] O termo pan-óptico quer dizer “que
permite uma visão total”.
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