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AULA DE LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL (DIREITO PENAL V)



Tema: Lei de Drogas



1 – Dos crimes na Lei nº 11.343/06 ou Lei de Drogas

- A Lei nº 11.343/06, ao contrário da legislação anterior (Lei nº 6.368/76), inicia a tipificação de condutas ilícitas pela seguinte ordem:

1º) Crime de porte de entorpecente;

2º) Crime de tráfico de entorpecentes e suas modalidades;

3º) Crimes equiparados ao crime de tráfico de entorpecentes (crime de induzimento, instigação ou auxílio ao uso de droga e o crime de oferecimento eventual);

4º) Crime envolvendo maquinário e aparelhos destinados ao tráfico

5º) Crime de associação para financiamento do tráfico;

6º) Crime de associação para custeio do tráfico;

7º) Crime de colaboração com o Tráfico

8º) Crime de tráfico culposo;

9º) Crime de condução de aeronaves e embarcações após o uso de droga.

2 – Abolitio criminis

- A Lei nº 11.343/06, quando entrou em vigência aboliu as condutas descritas no art. 12, § 2º, III e no art.17, ambos da legislação anterior (Lei nº 6.368/76), que são as seguintes:

I - A conduta do agente que contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica;

II – A conduta do agente concerne à violação de sigilo, ou seja, de segredo de justiça durante o inquérito policial em crimes de tráfico ou associação para o tráfico.

- Constata-se que, de fato, o primeiro delito foi substituído pelo crime de oferecimento eventual de droga (art. 33, § 3º, Lei nº 11.343/06), infração de menor potencial ofensivo, adequado aos usuários contumazes que acabavam não sendo punidos, vez que não se descobria o proprietário da droga.

- Verifica-se, também, que o segundo crime, continua, vez que, no cotidiano forense, o decreto do segredo de justiça em todos os processos de tráfico de entorpecentes visa resguardar, especialmente, a integridade física das testemunhas.

3 – Normas penais em branco na Lei nº 11.343/2006

- Segundo a doutrina, norma penal em branco é aquela cuja definição contida no preceito primário da norma incriminadora é indeterminada e necessita de complemento. Ademais, os tipos penais previstos na Lei nº 11.343/2006, ou Lei Antitóxicos, são considerados normas penais em branco heterogêneas, vez que recebem complemento de fonte ou órgão diverso do Poder Legislativo.

- Atenção: O Ministério da Saúde, através de Portarias da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – relaciona quais substâncias são entorpecentes ou causadoras de dependência física ou psíquica.

- Atenção: O art. 66, da Lei nº 11.343/2006, prevê que a lista das drogas, substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial estão dispostas na Portaria SVS nº 344, de 12 de maio de 1.998.

4 – Ação penal pública incondicionada – Lei de Drogas

- A Lei nº 11.343/2006 contém, por exceção, crimes considerados de menor potencial ofensivo. Contudo, a regra na referida legislação é que os demais crimes sejam apurados mediante penal pública incondicionada (princípio da indisponibilidade da ação pública).

5 – O crime de porte de entorpecentes (art. 28, da Lei nº 11.343/2006)

“Lei nº 11.343/2006
(...)

Art.28 - Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos da droga;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1º - Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

§ 2º - Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. (...)”

5.1 – Objetividade jurídica (tutela do bem jurídico) do crime de porte de entorpecentes

- A Lei nº 11.343/2006 tem por objetividade jurídica a proteção da saúde pública. Afinal, é a saúde pública (bem jurídico) que é lesionada, até mesmo com o mero porte da droga, independente de sua quantidade. Ademais, o crime de porte de entorpecentes é crime de perigo abstrato, sendo prescindível a ocorrência de dano.

5.2 – Objeto material do crime de porte de entorpecentes

- O objeto material crime de porte de entorpecentes é a substância entorpecente (droga) ou substância que causa dependência física ou psíquica.

- Atenção: A ausência do objeto material (substância entorpecente) ou caso ela não esteja prevista na Portaria da ANVISA resulta na atipicidade da conduta.

5.2 – Sujeitos do crime do crime de porte de entorpecentes

- O crime de porte de entorpecentes é crime comum, ou seja, trata-se de crime que pode ser praticado por qualquer pessoa, não se exigindo nenhuma condição especial do agente.

- O sujeito passivo primário do crime de porte de entorpecentes é o Estado, a coletividade. E sujeito passivo secundário, o próprio agente que provoca prejuízo a si próprio.

5.3 – Elemento Objetivo ou núcleo previsto no tipo penal do crime de porte de entorpecentes

- Os verbos-núcleo previstos no tipo penal do crime de porte de entorpecentes, são cinco:

I – adquirir - no sentido de obter, conseguir através de compra;

II - guardar - significa ter sob vigilância e cuidado, pôr em lugar apropriado, reservar;

III - ter em depósito - é o mesmo que conservar ou reter a coisa à sua disposição;

IV - transportar - é conduzir, levar ou carregar;

V - trazer consigo – é a conduta do agente de transportar a substância entorpecente junto ao corpo, ou no próprio corpo.

- Atenção: Cada uma das condutas que estão previstas no tipo penal do crime de porte de entorpecentes é praticada com o fim exclusivo de consumo pessoal, jamais se admitindo qualquer desvirtuamento, sob pena de se transmudar em tráfico.

- Atenção: A Lei nº 11.343/06 oferece parâmetros para que o magistrado distinga no caso concreto entre usuário, dependente e traficante.

“Lei nº 11.343/06
(...)
Art.28 – omissis.

(...)

§ 2o - Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.(...)” (grifo nosso)

5.4 – Elemento Subjetivo do crime de porte de entorpecentes

- O dolo no crime de porte de entorpecentes é genérico, ou seja, quando consiste na vontade livre e consciente de praticar cada ação do tipo penal, com o fim especial de consumo (agir) pessoal (tipo incongruente).

5.5 – Elemento Normativo do crime de porte de entorpecentes

- O elemento normativo do crime de porte de entorpecentes consiste na expressão sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

- O elemento normativo vêm incorporado ao tipo penal para retratar a licitude ou não da conduta, vez que, se houver autorização ou determinação legal, a conduta será atípica.

5.6 – Consumação e Tentativa no crime de porte de entorpecentes

- Consuma-se o crime de porte de entorpecentes quando o agente pratica qualquer das condutas descritas no tipo fundamental, vez que se trata de crime instantâneo ou de crime mera conduta, que se consuma de pronto.

- Atenção: O crime de porte de entorpecentes não admite a forma tentada, como regra. A doutrina admite a tentativa na modalidade adquirir, de vez que a conduta pode ser fracionada e o agente, por exemplo, acaba sendo surpreendido ao adquirir a droga.

5.7 – Tipo equiparado ao crime de porte de entorpecentes

- Em se tratando de tipo equiparado, o agente do crime de porte de entorpecentes responde pelas mesmas penas, segundo o § 1º, do art.28, da Lei nº 11.343/2006.

5.8 – Penas do crime de porte de entorpecentes

- O crime de porte de entorpecentes prevê penas de caráter eminentemente educativo e (res)socializador, não repressivo e de inserção social, tanto que o tipo não prevê, em nenhuma hipótese, a imposição de pena privativa de liberdade.

- As penas de caráter educativo, denominadas de medidas educativas consistem em:

I – advertência;

II - prestação de serviços à comunidade; e

III - comparecimento a programa ou curso educativo.

- As medidas educativas visam à conscientização do usuário do mal que a droga causa a si próprio, buscando sua inserção social e procurando afastá-lo das drogas.

- Atenção: As penas restritivas de direitos sempre tiveram natureza substitutiva no Direito Penal Brasileiro, mas, na Lei nº 11.343/06 elas adquiriram natureza autônoma.

5.9 – Prazo e execução da pena no crime de porte de entorpecentes

- A pena de advertência consiste na admoestação verbal decorrente do uso da droga e suas conseqüências para o agente e para a sociedade.

- Atenção: A pena de advertência é a primeira a ser aplicada em se tratando de agente primário.

- Atenção: As penas de prestação de serviços e as medidas educativas têm prazo máximo de 5 (cinco) meses.

- Em caso de reincidência na prática do crime de porte de entorpecentes, independente do crime antecedente, as penas podem ser dobradas, chegando ao patamar máximo de 10 (dez) meses.

- A pena de prestação de serviços será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados, sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.

- Atenção: O descumprimento de qualquer das penas previstas nos incisos I, II e III, do caput, do art.28, da Lei nº 11.343/06, facultam ao juiz submeter o agente a uma nova admoestação (advertência) verbal que, se não for suficiente, resultará na aplicação da pena de multa, que será fixada (calculada) pelo Juiz em número de dias-multa, em quantidade nunca inferior a 40 (quarenta) e nem superior a 100 (cem), com base na reprovabilidade da conduta.

- Atenção: Em um segundo momento da aplicação da pena de multa, o Juiz deve considerar a capacidade econômica do agente para fixar o valor do dia-multa entre 1/30 (um trinta avos) até 3 (três) vezes o valor do maior salário-mínimo vigente. E os valores pagos serão creditados ao Fundo Nacional Antidrogas.

5.10 – Prazo prescricional do crime de porte de entorpecentes

- A prescrição da pretensão punitiva e a prescrição da pretensão executória do crime de porte de entorpecentes ocorrem em 2 (dois) anos. Os marcos interruptivos são os mesmos previstos no Código Penal (art. 117, CP).

6 – Crimes de Tráfico de Entorpecentes

6.1– Tráfico de Entorpecentes (art. 33, da Lei nº 11.343/06)

- A redação do art. 33, da Lei nº 11.343/06, praticamente, repete a redação anterior, constante do art. 12, da Lei nº 6.368/76, senão vejamos:

Lei nº 11.343/06
(...)

Art. 33 - Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Penareclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.(...)” (grifo nosso)

6.1.1 – Objetividade Jurídica do crime de tráfico de entorpecentes

- O bem jurídico tutelado no crime de tráfico de entorpecentes é a incolumidade pública, mais particularmente, a saúde pública.

6.1.2 – Sujeitos do crime de tráfico de entorpecentes

- O crime de tráfico de entorpecentes é crime comum, pois, em regra, pode ser praticado por qualquer pessoa.

- Na conduta prescrever, o crime de tráfico de entorpecentes é crime próprio, por exigir uma especial qualidade do agente: ser médico ou dentista.

- No crime de tráfico de entorpecentes o sujeito passivo primário é a coletividade, o Estado. E o sujeito passivo secundário, a família e, especialmente, o usuário.

- Atenção: A despeito de posições contrárias, admite-se a assistência à acusação (CPP, arts.268 a 273), justamente porque os familiares, ao lado do dependente, são vítimas diretas do crime.

6.1.3 – Tipo objetivo do crime de tráfico de entorpecentes

- O tipo objetivo do crime de tráfico de entorpecentes prevê os mesmos 18 (dezoito) verbos da Lei nº 6.368/76, sem nenhuma adição.

- Atenção: No crime de tráfico de entorpecentes se constata a existência de tipo misto alternativo ou de conduta mista, que pune o agente com uma só sanção ainda que incorra em mais de um verbo-núcleo.

- O tipo objetivo do crime de tráfico de entorpecentes é congruente ou congruente simétrico, esgotando-se no dolo, desnecessitando de especial fim de agir. E por esta razão, entende-se que não é somente o comércio ou a prática de atos onerosos que tipificam a traficância, ou seja, trazer consigo e guardar ou fornecer gratuitamente também são condutas típicas.

- Os verbos importar e exportar, respectivamente, expressam a introdução ou a saída do território nacional de substância entorpecente. Por conseguinte, são verbos de tipo especial em face do contrabando (CP, art. 334), que se consuma com o ingresso ou a saída de substância considerada entorpecente de nosso território, por via aérea, terrestre ou marítima.

- O verbo remeter tem o significado de enviar, despachar, expedir. Caso da venda realizada via correio.

- O verbo preparar é aparelhar, organizar, dispor a droga para ser servida. Trata-se de conduta diversa da modalidade produzir, que significa fabricar, criar em qualquer quantidade substância entorpecente.

- Atenção: Em relação a preparação, as substâncias existem e são conjugadas para o surgimento de uma nova substância, que segundo a doutrina, seria o caso da transformação de cocaína bruta em cloridrato de cocaína, solúvel em água, para ser injetada. Mas, na produção, a ação exige maior técnica, pois o agente criará a substância entorpecente para futuro consumo, tal qual plantar, extrair e em seguida fabricar a maconha.

- O verbo fabricar distingue-se da preparação e da produção, por abranger a preparação por meio mecânico industrial, ou seja, inexiste rigidez para a adequação típica, logo, qualquer das três modalidades serve para tipificar a conduta delituosa, como ao preparar/produzir/fabricar o crack diretamente da cocaína.

- O verbo adquirir tem o sentido de obter, conseguir através de compra. E o verbo vender é o dispor a droga de forma onerosa.

- A conduta de expor à venda significa exibir a droga a eventuais adquirentes. O verbo oferecer é o mesmo que ofertar doando ou emprestando ou, ainda, para provocar interesse no entorpecente.

- A conduta ter em depósito é o mesma que conservar ou reter a coisa à sua disposição. O verbo transportar é conduzir, levar ou carregar.

- A conduta trazer consigo se dá quando o agente transporta a substância entorpecente junto ao corpo, ou no próprio corpo.

- O verbo guardar significa ter sob vigilância e cuidado, pôr em lugar apropriado, reservar.

- O verbo prescrever é a atividade de receitar, indicar o uso de substância entorpecente. Trata-se de crime próprio, ou seja, só pode ser praticado por médico ou dentista, os quais têm autorização para prescrição de medicamentos. E o verbo ministrar é subministrar, abastecer, inocular droga no organismo de alguém por qualquer meio como ingestão, aspiração, injeção, objetivando a produção do efeito entorpecente. Todavia, a prescrição culposa é crime autônomo (art. 38, da Lei nº 11.343/06).

- A conduta entregar a consumo correspondia a norma de encerramento no art.12, da Lei nº 6.368/76, que visava alcançar toda e qualquer conduta que não se enquadrava nas demais hipóteses. Contudo, na Lei nº11.343/06 entregar a consumo se refere apenas a uma das demais condutas típicas que significa fazer chegar, dar, passar às mãos de alguém a droga.

- O verbo fornecer é dar, prover ainda que gratuitamente o entorpecente. A ação nuclear de fornecer distingue-se do oferecimento eventual sem objetivo de lucro (infração de menor potencial ofensivo), como no exemplo do casal de namorados, em que um deles adquire cocaína para uso de ambos (§ 3º, art. 33, da Lei nº 11.343/06).

- Atenção: Pune-se a cessão gratuita e eventual, sem diferenciar o fornecedor profissional do eventual. Aliás, nada impede que o usuário seja traficante ou vice-versa.

6.1.4 – Tipo normativo do crime de porte de entorpecentes

- Considerando que no crime de porte de entorpecente a elementar normativa reside na expressão sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar que vem incorporada ao tipo para retratar a licitude ou não da conduta, de modo que havendo a autorização ou a determinação legal, a conduta será atípica, ocorre o mesmo com no crime de tráfico de entorpecentes.

6.1.5 – Tipo subjetivo do crime de porte de entorpecentes

- No crime de tráfico de entorpecentes o tipo subjetivo é o dolo genérico, não se podendo, in concreto, igualar o desvalor de ação entre quem fornece gratuita e livremente a droga com aquele que faz com ela comércio. Ambos cometem o crime do art. 33, da Lei nº 11.343/06, mas, in concreto, a resposta penal deve considerar as motivações. No segundo caso, o desvalor é acentuado (STJ - RESP nº 259.562 - RS - 5ª T. - Rel. Min. Felix Fischer - DJU 18.03.2002).


Referências


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