2. TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO LÓGICA
Quando o intérprete busca desvendar o alcance da norma, estudando-a por meio de raciocínios lógicos, analisando os períodos da lei e combinando-os entre si, está se utilizando da técnica de interpretação lógica.
A interpretação lógica pode ser utilizada tanto como uma atitude formal, no sentido de verificar regras atinentes a revogabilidade das leis, seja no que tange a especialidade, na retroatividade, na irretroatividade, como, também, como regras de atitudes práticas, visando evitar incompatibilidades e revisando disposições normativas, buscando uma solução mais eqüitativa para os conflitos, e, ainda, como uma atitude diplomática, reinterpretando a própria relação jurídica existente entre as partes.
É na verdade, uma técnica que consiste na aplicação de princípios universais da lógica e da razão aos dispositivos da lei que se deseja interpretar. Através dela se almeja encontrar inicialmente o espírito da lei (mens legis) por um processo lógico-analítico e, num estágio mais avançado, a razão da lei (ratio legis) por um processo lógico jurídico.
Nesse contexto, é importante esclarecer que ao investigar a finalidade, o objetivo, a razão (ratio legis) de uma norma se está empregando a técnica de interpretação lógica. Ou ainda, a técnica de interpretação lógica indaga sobre a mens legis pura e simples, ao invés da vontade do legislador (mens legislatoris).
Dizia Celso no Digesto, Livro I, fragmento 3, § 17: "Scire leges non hoc est verba earum tenere sed vim ac potestatem", isto é, conhecer as leis não é compreender as suas palavras, mas o seu alcance e a sua força.
A interpretação lógica funda-se no fato de que o estudo puro e simples da letra da lei conduz a resultados insuficientes e imprecisos, havendo necessidade de investigações mais amplas.
Exemplo:
Na Constituição Federal de 1988, mais precisamente, no caput do art.5º, está escrito “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, (...)”.
Por conseguinte, utilizando a técnica de interpretação lógica, faz-se necessário um enfoque constitucional do direito à vida, sua harmonização e sua análise segundo as exigências de nossa realidade social, em que a atividade normativa do Direito apenas tenta atualizar os velhos e retrógrados conceitos, em uma busca incessante pela "mens legis".
A vida humana não pode ser definida apenas por seu aspecto fisiológico, tal como a vida dos demais seres vivos, mas se deve lhe acrescentar o conceito de dignidade da pessoa humana, o diferencial do ser humano. O só fato de haver respiração e funcionamento vegetativo de órgãos não é o suficiente para se afirmar que há vida.
Deve-se ter em vista tal premissa sobretudo na análise de situações concretas, como o paciente terminal que requer a eutanásia em função de seu insuportável sofrimento, ou a mãe que deseja o aborto de feto anencéfalo, sem possibilidades reais de sobrevivência, representando em ambos os casos uma verdadeira tortura em vida, que não pode ser fundamentada em uma obrigatoriedade estatal que desrespeite os demais princípios constitucionais.
Na realização da interpretação lógica são utilizados além dos processos lógicos da dedução e da indução, a Lógica Interna, a Lógica Externa e Lógica do Razoável.
A) Lógica Interna
A lógica interna consiste em um processo de raciocínio utilizado pelo intérprete por meio do qual ele submete a lei a uma análise do ponto de vista da inteligência do texto legislativo, sem levar em consideração elementos de informação exteriores (fatores externos que levaram a produção da norma).
Segundo Paulo Nader[1],
“Pela lógica interna o intérprete submete a lei à ampla análise, considerando a própria inteligência do texto legislativo, alheando-se dos elementos de informação extra legem.”
E continua: “A lógica formal, aplicada com exclusividade, imobiliza o Direito, pois considera tão-somente os elementos fornecidos pela legislação, não levando em conta a evolução dos fatos sociais.”
No entanto, a lógica interna tem uma utilidade ao hermeneuta, pois lhe permite, segundo o referido jurista, “(...) examinar a economia geral da lei, verificando o lugar onde se situa a norma jurídica, em que seção, capítulo e título, o que pode favorecer a fixação do seu sentido e alcance.”
Convém, destacar, por oportuno, que, a utilização da Lógica Formal pelo intérprete deixa o Direito engessado vez que a evolução social não é considerada nesse processo.
É importante ressaltar, ainda, que na utilização da Lógica Formal, são empregados os métodos Dedutivo e Indutivo e, ainda, os raciocínios silogísticos como instrumentos de interpretação de normas. Entretanto, esse instrumental tem a desvantagem de não revelar o verdadeiro conteúdo ou sentido da regra interpretada, levando a prática de injustiças.
Segundo a Lei de Tóxicos - Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006, é traficante de tóxicos quem incide no art. 33, abaixo citado, da mencionada lei.
SITUAÇÃO EM QUE FOI APLICADO O RACIOCÍNIO INTERPRETATIVO POR MEIO DA LÓGICA FORMAL:
“Por volta das 21:00 horas de ontem, Sebastiana, uma jovem de 20 anos de idade, vinha andando pela Rua Piauí, em direção à sua casa, quando viu uma maleta 007, nova, semi-aberta, próxima a calçada. Acreditando que alguém a teria perdido e, supondo que talvez pudesse encontrar algum documento na mencionada maleta que a levasse ao seu proprietário, resolveu se aproximar e abri-la para ver o que tinha dentro. Ocorre que nesse instante um veículo da Polícia Militar, com dois policiais, que vinha trafegando pela rua Piauí, momento em que Sebastiana foi vista, sentada na calçada com a referida maleta, em seu colo. Situação esta que chamou a atenção dos policiais militares, bem como fizeram com que eles fossem até onde estava Sebastiana, e lhe perguntaram o que ela estava fazendo naquele local, pouco iluminado, naquela situação. Sebastiana, que nem tinha tido tempo de ver o conteúdo da maleta, após explicar o que havia ocorrido, resolveu entregar a mencionada pasta aos policiais, os quais, por sua vez, passam a verificar o conteúdo da aludida pasta 007, quando, constataram que em seu interior havia 1 (um) quilo de cocaína. Fato este que os levou a dar voz de prisão a Sebastiana por tráfico de tóxico.
O Delegado responsável pelo inquérito que apura o fato, acima descrito, por meio do processo de interpretação lógica, utilizando-se da lógica formal, ao concluir seu relatório diz que segundo o art. 33, da Lei nº 11.343/06 toda pessoa que adquirir substância entorpecente comete o crime de tráfico. No caso, Sebastiana foi presa após adquirir substância entorpecente, cuja origem ela não revelou, logo a mesma incidiu no crime de tráfico, tipificado na norma retromencionada.”
Uma outra interpretação que pode ser realizada por meio da Lógica Interna, é a seguinte:
No Título I, Constituição Federal de 1988, que trata DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS, art.1º, inciso II, temos a expressão cidadania como um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito.
Todas as demais normas que seguem no texto constitucional são baseadas em Princípios de Direito, ou seja, tem fundamento nos princípios consagrados pela Constituição, logo, o sentido que se infere do inciso II, do art. 1º, é de que o Estado Democrático de Direito é conseqüência do exercício do direito de participar no governo e do direito de ser ouvido pela representação política. É o alicerce do sistema democrático, razão pela qual está no Título I e não no Título II, Magna Carta.
Ainda, com relação a aplicação da Lógica Interna são utilizadas as REGRAS LÓGICAS (advindas do Direito Romano), que servem de instrumental de esclarecimento da norma jurídica. Entre as regras mais usadas estão as seguintes:
1ª)Regra: Onde a lei não distingue, não devemos distinguir. Exemplo:
“CF/88
(...)
art. 43 - Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais. (...); § 2º. Os incentivos regionais compreenderão, além de outros, na forma da lei: (...); III - isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas;
2ª)Regra: As normas de exceção devem ser interpretadas de forma estrita. Exemplo:
“CLT
(...)
Art. 67. Será assegurado a todo empregado um descanso semanal de vinte e quatro horas consecutivas, o qual, salvo motivo de conveniência pública ou necessidade imperiosa do serviço, deverá coincidir com o domingo, no todo ou em parte.
Parágrafo único. Nos serviços que exijam trabalho aos domingos, com exceção quanto aos elencos teatrais, será estabelecida escala de revezamento, mensalmente organizada e constando de quadro sujeito à fiscalização.”
3ª)Regra: Em desaparecendo o motivo de criação da norma, cessa por completo o que ela dispõe.
Exemplo: Decretos Municipais e Estaduais sobre calamidades do tipo enchentes. As regras de tais fontes logo que a encheste passe todo o conteúdo normativo criado para esse fim perde sua razão de efetividade.
4ª)Regra: Deve-se ater aos diferentes contextos em que a expressão ocorre e classificá-los conforme a sua especificidade.
Exemplo: Compare as seguintes normas:
a) CPC, art. 38 - A procuração geral para o foro, conferida por instrumento público, ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, salvo para receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso. (Redação dada ao artigo pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)(grifo nosso)
b) CPC, Capítulo I, da Forma dos Atos Processuais, Seção I, dos Atos em Geral
Art. 154. Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencheram a finalidade essencial.
5ª)Regra: Na ocorrência de conflitos, a regra é a prevalência da norma especial sobre a norma geral.
Exemplo: Do confronto da Lei nº 8.930, de 06 de setembro de 1994, que deu nova redação ao artigo 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências com o Código Penal, quem prevalece?
"Lei nº 8.930/1994
(...)
"Art. 1º. São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:
I - homicídio (artigo 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (artigo 121, § 2º, I, II, III, IV e V);
II - latrocínio (artigo 157, § 3º, in fine);
III - extorsão qualificada pela morte (artigo 158, § 2º);
IV - extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (artigo 159, caput, e §§ 1º, 2º e 3º);
V - estupro (artigo 213 e sua combinação com o artigo 223, caput, e parágrafo único);
VI - atentado violento ao pudor (artigo 214 e sua combinação com o artigo 223, caput, e parágrafo único);
VII - epidemia com resultado morte (artigo 267, § 1º).
Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos artigos 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, tentado ou consumado.”
É fácil observar que todos os crimes descritos na Lei dos Crimes Hediondos estão definidos no Código Penal, porém, na hora de interpretar, a Segunda não aplica vez que é norma geral, enquanto que a primeira é especial.
6ª)Regra: Nos textos legais as expressões não tem sentidos supérfluos.
Exemplo:
No Código Civil de 1916, art. 85 está escrito que “Nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem.”
7ª)Regra: É importante ter conhecimento das classificações e reclassificações, das definições e redefinições, que ora separam os termos na forma de oposições simétricas. E também das conjugações, ou seja, os conteúdos geralmente são aproximados na forma de gêneros e espécies ou espécies de um gênero superior.
Exemplo: Código Penal (...) Introdução ou abandono de animais em propriedade alheia.
Art. 164. Introduzir ou deixar animais em propriedade alheia, sem consentimento de quem de direito, desde que do fato resulte prejuízo: Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, ou multa.
Interpretação - O tipo objetivo é conceituado por JULIO FABBRINI MARABETE com incomparável objetividade: "Duas são as condutas previstas no dispositivo em estudo: introduzir ou deixar. Introduzir significa fazer entrar, levar para dentro. "A introdução - afirma Bento de Faria - pode realizar-se por qualquer forma, pouco importando que os animais entrem sozinhos ou acompanhados pelo próprio agente ou por seus prepostos ou empregados. Deixar quer dizer abandonar, largar, não retirar, ocorrendo tal conduta comissiva quando o proprietário do animal ou quem dele cuida, avisado de que está ele em propriedade alheia, ou sabendo disso, dolosamente não retira. A expressão animais, no plural, é usada apenas para indicar o gênero e não a pluralidade deles; basta a introdução de um que seja para caracterizar-se o delito." (grifo nosso)
A expressão animais, no plural, é usada apenas para indicar o gênero e não a pluralidade deles; basta a introdução de um que seja para caracterizar-se o delito."
8ª)Regra: A criatividade e inteligência do intérprete na aplicação do raciocínio lógico é outro mecanismo de grande valia.
Exemplo: João não tinha condições de financiar uma casa junto a Caixa Econômica Federal porque seu nome estava cadastrado na SERASA. E por essa razão pediu ao seu irmão, Pedro, o qual é casado com Tereza, que financiasse a casa para ele, emprestando apenas o bom nome. A casa foi financiada por Pedro e Tereza, em atendimento a solicitação de João, sendo que todas as taxas, despesas e prestações foram pagas por João. Mas, no dia em que João pediu ao seu irmão que procedesse a transferência da titularidade do financiamento Tereza não concordou, alegando que do ponto de vista do direito, para a Caixa Econômica Federal quem tinha pago todas as prestações era Pedro, seu marido. Em juízo, após o ajuizamento da ação competente, João conseguiu que a titularidade do financiamento fosse transferida para seu nome. Isto porque o Juiz da causa entendeu que todo aquele que não agiu de boa-fé não pode utilizar essa situação em proveito próprio para invalidar um negócio a fim de obter vantagem.
B)Lógica Externa
Consiste em um processo de raciocínio utilizado pelo intérprete por meio do qual ele submete a lei a uma análise (observação) dos acontecimentos que deram origem a norma, e a finalidade para a qual foi criada. Além do que, não se contesta o texto legal.
Exemplo: CF/88, art. 5º, inciso I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.
“A visualização da Lei Magna de que concretamente, há homens e há mulheres, reformula a noção de pessoa humana, que deixa de ser o homem universal, e passa a ser um ser humano que pode ser do sexo masculino ou feminino, sem que isso interfira na definição jurídica de sua capacidade civil ou laboral. Quanto à máxima da igualdade perante a lei, reiterada em sucessivas Cartas, tem sido muito questionada, porque declarar a igualdade legal de desiguais social e economicamente ou de pessoas que sofrem discriminação e marginalizações poderá contribuir para a própria cristalização da desigualdade, não se pode dizer que são iguais aqueles nos quais a diferença é óbvia, como ponderou Peter Singer.” (Neiva Flávia de Oliveira, Prof. Direito de Família, Prof. Introdução à Ciência do Direito DEDIF - UFU - Universidade Federal de Uberlândia)
C)Lógica do Razoável(revisão)
Consiste em um processo de raciocínio idealizado por Recaséns Siches, por meio do qual o intérprete deve levar em consideração as finalidades da norma jurídica (mens legis), com base na contraposição entre o texto legal e a realidade dos fatos. Não admite a aplicação da lógica tradicional, que serve para matemática, física e outras ciências da natureza, mas, não serve para o Direito.[1] NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 30. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
Quando o intérprete busca desvendar o alcance da norma, estudando-a por meio de raciocínios lógicos, analisando os períodos da lei e combinando-os entre si, está se utilizando da técnica de interpretação lógica.
A interpretação lógica pode ser utilizada tanto como uma atitude formal, no sentido de verificar regras atinentes a revogabilidade das leis, seja no que tange a especialidade, na retroatividade, na irretroatividade, como, também, como regras de atitudes práticas, visando evitar incompatibilidades e revisando disposições normativas, buscando uma solução mais eqüitativa para os conflitos, e, ainda, como uma atitude diplomática, reinterpretando a própria relação jurídica existente entre as partes.
É na verdade, uma técnica que consiste na aplicação de princípios universais da lógica e da razão aos dispositivos da lei que se deseja interpretar. Através dela se almeja encontrar inicialmente o espírito da lei (mens legis) por um processo lógico-analítico e, num estágio mais avançado, a razão da lei (ratio legis) por um processo lógico jurídico.
Nesse contexto, é importante esclarecer que ao investigar a finalidade, o objetivo, a razão (ratio legis) de uma norma se está empregando a técnica de interpretação lógica. Ou ainda, a técnica de interpretação lógica indaga sobre a mens legis pura e simples, ao invés da vontade do legislador (mens legislatoris).
Dizia Celso no Digesto, Livro I, fragmento 3, § 17: "Scire leges non hoc est verba earum tenere sed vim ac potestatem", isto é, conhecer as leis não é compreender as suas palavras, mas o seu alcance e a sua força.
A interpretação lógica funda-se no fato de que o estudo puro e simples da letra da lei conduz a resultados insuficientes e imprecisos, havendo necessidade de investigações mais amplas.
Exemplo:
Na Constituição Federal de 1988, mais precisamente, no caput do art.5º, está escrito “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, (...)”.
Por conseguinte, utilizando a técnica de interpretação lógica, faz-se necessário um enfoque constitucional do direito à vida, sua harmonização e sua análise segundo as exigências de nossa realidade social, em que a atividade normativa do Direito apenas tenta atualizar os velhos e retrógrados conceitos, em uma busca incessante pela "mens legis".
A vida humana não pode ser definida apenas por seu aspecto fisiológico, tal como a vida dos demais seres vivos, mas se deve lhe acrescentar o conceito de dignidade da pessoa humana, o diferencial do ser humano. O só fato de haver respiração e funcionamento vegetativo de órgãos não é o suficiente para se afirmar que há vida.
Deve-se ter em vista tal premissa sobretudo na análise de situações concretas, como o paciente terminal que requer a eutanásia em função de seu insuportável sofrimento, ou a mãe que deseja o aborto de feto anencéfalo, sem possibilidades reais de sobrevivência, representando em ambos os casos uma verdadeira tortura em vida, que não pode ser fundamentada em uma obrigatoriedade estatal que desrespeite os demais princípios constitucionais.
Na realização da interpretação lógica são utilizados além dos processos lógicos da dedução e da indução, a Lógica Interna, a Lógica Externa e Lógica do Razoável.
A) Lógica Interna
A lógica interna consiste em um processo de raciocínio utilizado pelo intérprete por meio do qual ele submete a lei a uma análise do ponto de vista da inteligência do texto legislativo, sem levar em consideração elementos de informação exteriores (fatores externos que levaram a produção da norma).
Segundo Paulo Nader[1],
“Pela lógica interna o intérprete submete a lei à ampla análise, considerando a própria inteligência do texto legislativo, alheando-se dos elementos de informação extra legem.”
E continua: “A lógica formal, aplicada com exclusividade, imobiliza o Direito, pois considera tão-somente os elementos fornecidos pela legislação, não levando em conta a evolução dos fatos sociais.”
No entanto, a lógica interna tem uma utilidade ao hermeneuta, pois lhe permite, segundo o referido jurista, “(...) examinar a economia geral da lei, verificando o lugar onde se situa a norma jurídica, em que seção, capítulo e título, o que pode favorecer a fixação do seu sentido e alcance.”
Convém, destacar, por oportuno, que, a utilização da Lógica Formal pelo intérprete deixa o Direito engessado vez que a evolução social não é considerada nesse processo.
É importante ressaltar, ainda, que na utilização da Lógica Formal, são empregados os métodos Dedutivo e Indutivo e, ainda, os raciocínios silogísticos como instrumentos de interpretação de normas. Entretanto, esse instrumental tem a desvantagem de não revelar o verdadeiro conteúdo ou sentido da regra interpretada, levando a prática de injustiças.
Segundo a Lei de Tóxicos - Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006, é traficante de tóxicos quem incide no art. 33, abaixo citado, da mencionada lei.
“Art. 33. Importar, exportar, remeter,
preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em
depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar
a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena
- reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a
1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.”
SITUAÇÃO EM QUE FOI APLICADO O RACIOCÍNIO INTERPRETATIVO POR MEIO DA LÓGICA FORMAL:
“Por volta das 21:00 horas de ontem, Sebastiana, uma jovem de 20 anos de idade, vinha andando pela Rua Piauí, em direção à sua casa, quando viu uma maleta 007, nova, semi-aberta, próxima a calçada. Acreditando que alguém a teria perdido e, supondo que talvez pudesse encontrar algum documento na mencionada maleta que a levasse ao seu proprietário, resolveu se aproximar e abri-la para ver o que tinha dentro. Ocorre que nesse instante um veículo da Polícia Militar, com dois policiais, que vinha trafegando pela rua Piauí, momento em que Sebastiana foi vista, sentada na calçada com a referida maleta, em seu colo. Situação esta que chamou a atenção dos policiais militares, bem como fizeram com que eles fossem até onde estava Sebastiana, e lhe perguntaram o que ela estava fazendo naquele local, pouco iluminado, naquela situação. Sebastiana, que nem tinha tido tempo de ver o conteúdo da maleta, após explicar o que havia ocorrido, resolveu entregar a mencionada pasta aos policiais, os quais, por sua vez, passam a verificar o conteúdo da aludida pasta 007, quando, constataram que em seu interior havia 1 (um) quilo de cocaína. Fato este que os levou a dar voz de prisão a Sebastiana por tráfico de tóxico.
O Delegado responsável pelo inquérito que apura o fato, acima descrito, por meio do processo de interpretação lógica, utilizando-se da lógica formal, ao concluir seu relatório diz que segundo o art. 33, da Lei nº 11.343/06 toda pessoa que adquirir substância entorpecente comete o crime de tráfico. No caso, Sebastiana foi presa após adquirir substância entorpecente, cuja origem ela não revelou, logo a mesma incidiu no crime de tráfico, tipificado na norma retromencionada.”
Uma outra interpretação que pode ser realizada por meio da Lógica Interna, é a seguinte:
No Título I, Constituição Federal de 1988, que trata DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS, art.1º, inciso II, temos a expressão cidadania como um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito.
Todas as demais normas que seguem no texto constitucional são baseadas em Princípios de Direito, ou seja, tem fundamento nos princípios consagrados pela Constituição, logo, o sentido que se infere do inciso II, do art. 1º, é de que o Estado Democrático de Direito é conseqüência do exercício do direito de participar no governo e do direito de ser ouvido pela representação política. É o alicerce do sistema democrático, razão pela qual está no Título I e não no Título II, Magna Carta.
Ainda, com relação a aplicação da Lógica Interna são utilizadas as REGRAS LÓGICAS (advindas do Direito Romano), que servem de instrumental de esclarecimento da norma jurídica. Entre as regras mais usadas estão as seguintes:
1ª)Regra: Onde a lei não distingue, não devemos distinguir. Exemplo:
“CF/88
(...)
art. 43 - Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais. (...); § 2º. Os incentivos regionais compreenderão, além de outros, na forma da lei: (...); III - isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas;
2ª)Regra: As normas de exceção devem ser interpretadas de forma estrita. Exemplo:
“CLT
(...)
Art. 67. Será assegurado a todo empregado um descanso semanal de vinte e quatro horas consecutivas, o qual, salvo motivo de conveniência pública ou necessidade imperiosa do serviço, deverá coincidir com o domingo, no todo ou em parte.
Parágrafo único. Nos serviços que exijam trabalho aos domingos, com exceção quanto aos elencos teatrais, será estabelecida escala de revezamento, mensalmente organizada e constando de quadro sujeito à fiscalização.”
3ª)Regra: Em desaparecendo o motivo de criação da norma, cessa por completo o que ela dispõe.
Exemplo: Decretos Municipais e Estaduais sobre calamidades do tipo enchentes. As regras de tais fontes logo que a encheste passe todo o conteúdo normativo criado para esse fim perde sua razão de efetividade.
4ª)Regra: Deve-se ater aos diferentes contextos em que a expressão ocorre e classificá-los conforme a sua especificidade.
Exemplo: Compare as seguintes normas:
a) CPC, art. 38 - A procuração geral para o foro, conferida por instrumento público, ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, salvo para receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso. (Redação dada ao artigo pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)(grifo nosso)
b) CPC, Capítulo I, da Forma dos Atos Processuais, Seção I, dos Atos em Geral
Art. 154. Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencheram a finalidade essencial.
5ª)Regra: Na ocorrência de conflitos, a regra é a prevalência da norma especial sobre a norma geral.
Exemplo: Do confronto da Lei nº 8.930, de 06 de setembro de 1994, que deu nova redação ao artigo 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências com o Código Penal, quem prevalece?
"Lei nº 8.930/1994
(...)
"Art. 1º. São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:
I - homicídio (artigo 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (artigo 121, § 2º, I, II, III, IV e V);
II - latrocínio (artigo 157, § 3º, in fine);
III - extorsão qualificada pela morte (artigo 158, § 2º);
IV - extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (artigo 159, caput, e §§ 1º, 2º e 3º);
V - estupro (artigo 213 e sua combinação com o artigo 223, caput, e parágrafo único);
VI - atentado violento ao pudor (artigo 214 e sua combinação com o artigo 223, caput, e parágrafo único);
VII - epidemia com resultado morte (artigo 267, § 1º).
Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos artigos 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, tentado ou consumado.”
É fácil observar que todos os crimes descritos na Lei dos Crimes Hediondos estão definidos no Código Penal, porém, na hora de interpretar, a Segunda não aplica vez que é norma geral, enquanto que a primeira é especial.
6ª)Regra: Nos textos legais as expressões não tem sentidos supérfluos.
Exemplo:
No Código Civil de 1916, art. 85 está escrito que “Nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem.”
7ª)Regra: É importante ter conhecimento das classificações e reclassificações, das definições e redefinições, que ora separam os termos na forma de oposições simétricas. E também das conjugações, ou seja, os conteúdos geralmente são aproximados na forma de gêneros e espécies ou espécies de um gênero superior.
Exemplo: Código Penal (...) Introdução ou abandono de animais em propriedade alheia.
Art. 164. Introduzir ou deixar animais em propriedade alheia, sem consentimento de quem de direito, desde que do fato resulte prejuízo: Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, ou multa.
Interpretação - O tipo objetivo é conceituado por JULIO FABBRINI MARABETE com incomparável objetividade: "Duas são as condutas previstas no dispositivo em estudo: introduzir ou deixar. Introduzir significa fazer entrar, levar para dentro. "A introdução - afirma Bento de Faria - pode realizar-se por qualquer forma, pouco importando que os animais entrem sozinhos ou acompanhados pelo próprio agente ou por seus prepostos ou empregados. Deixar quer dizer abandonar, largar, não retirar, ocorrendo tal conduta comissiva quando o proprietário do animal ou quem dele cuida, avisado de que está ele em propriedade alheia, ou sabendo disso, dolosamente não retira. A expressão animais, no plural, é usada apenas para indicar o gênero e não a pluralidade deles; basta a introdução de um que seja para caracterizar-se o delito." (grifo nosso)
A expressão animais, no plural, é usada apenas para indicar o gênero e não a pluralidade deles; basta a introdução de um que seja para caracterizar-se o delito."
8ª)Regra: A criatividade e inteligência do intérprete na aplicação do raciocínio lógico é outro mecanismo de grande valia.
Exemplo: João não tinha condições de financiar uma casa junto a Caixa Econômica Federal porque seu nome estava cadastrado na SERASA. E por essa razão pediu ao seu irmão, Pedro, o qual é casado com Tereza, que financiasse a casa para ele, emprestando apenas o bom nome. A casa foi financiada por Pedro e Tereza, em atendimento a solicitação de João, sendo que todas as taxas, despesas e prestações foram pagas por João. Mas, no dia em que João pediu ao seu irmão que procedesse a transferência da titularidade do financiamento Tereza não concordou, alegando que do ponto de vista do direito, para a Caixa Econômica Federal quem tinha pago todas as prestações era Pedro, seu marido. Em juízo, após o ajuizamento da ação competente, João conseguiu que a titularidade do financiamento fosse transferida para seu nome. Isto porque o Juiz da causa entendeu que todo aquele que não agiu de boa-fé não pode utilizar essa situação em proveito próprio para invalidar um negócio a fim de obter vantagem.
B)Lógica Externa
Consiste em um processo de raciocínio utilizado pelo intérprete por meio do qual ele submete a lei a uma análise (observação) dos acontecimentos que deram origem a norma, e a finalidade para a qual foi criada. Além do que, não se contesta o texto legal.
Exemplo: CF/88, art. 5º, inciso I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.
“A visualização da Lei Magna de que concretamente, há homens e há mulheres, reformula a noção de pessoa humana, que deixa de ser o homem universal, e passa a ser um ser humano que pode ser do sexo masculino ou feminino, sem que isso interfira na definição jurídica de sua capacidade civil ou laboral. Quanto à máxima da igualdade perante a lei, reiterada em sucessivas Cartas, tem sido muito questionada, porque declarar a igualdade legal de desiguais social e economicamente ou de pessoas que sofrem discriminação e marginalizações poderá contribuir para a própria cristalização da desigualdade, não se pode dizer que são iguais aqueles nos quais a diferença é óbvia, como ponderou Peter Singer.” (Neiva Flávia de Oliveira, Prof. Direito de Família, Prof. Introdução à Ciência do Direito DEDIF - UFU - Universidade Federal de Uberlândia)
C)Lógica do Razoável(revisão)
Consiste em um processo de raciocínio idealizado por Recaséns Siches, por meio do qual o intérprete deve levar em consideração as finalidades da norma jurídica (mens legis), com base na contraposição entre o texto legal e a realidade dos fatos. Não admite a aplicação da lógica tradicional, que serve para matemática, física e outras ciências da natureza, mas, não serve para o Direito.[1] NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 30. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
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