APLICAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL
Em artigo de autoria de Paulo Sérgio Pinheiro[1] e Paulo de Mesquita Neto[2], intitulado “Direitos Humanos no Brasil. Perspectivas no Final do Século”, lecionam que:
“A política nacional de direitos humanos do Estado brasileiro, desenvolvida desde o retorno ao governo civil em 1985, e de forma mais definida, desde 1995, pelo governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, reflete e aprofunda uma concepção de direitos humanos partilhada por organizações de direitos humanos desde a resistência ao regime autoritário nos anos 1970. Pela primeira vez, entretanto, na história republicana, quase meio- século depois da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, os direitos humanos passaram a ser assumidos como política oficial do governo, num contexto social e político deste fim de século extremamente adverso para a maioria das não-elites na população brasileira.
A luta pelos direitos humanos é um processo contraditório, no qual o Estado, qualquer que seja o governo no regime democrático, e a sociedade civil têm responsabilidades necessariamente compartilhadas. É uma parceria que se funda sobre princípios rígidos e irrenunciáveis, qualquer que seja a conjuntura.
Não há política sem contradição, não há luta pelos direitos humanos sem conflitos, obstáculos e resistências: negar essa realidade é recusar a própria luta, na qual como a viagem do navegante na política e na democracia não há porto final. (...)” (Grifo nosso)
(...)
O Programa, ainda que reconheça a indivisibilidade dos direitos humanos, e a importância dos direitos econômicos, sociais e culturais, ressalta a garantia dos direitos civis, particularmente dos direitos à vida, à integridade física e à justiça. Da mesma forma que no direito internacional dos direitos humanos existe um Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e outro Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o governo brasileiro, ao situar a responsabilidade pelo Programa no Ministério da Justiça, sinaliza a necessidade de ressaltar a realização plena dos direitos civis.
Essa particularidade é justificada no próprio programa: "Para que a população, porém, possa assumir que os direitos humanos são direitos de todos, e as entidades da sociedade civil possam lutar por estes direitos e organizar-se para atuar em parceria com o Estado, é fundamental que os seus direitos civis elementares sejam garantidos e, especialmente, que a Justiça seja uma instituição garantidora e acessível para qualquer um." Mesmo dando ênfase aos direitos civis, o Programa contempla inúmeros direitos econômicos e sociais, ao tratar, por exemplo , dos direitos das crianças, dos negros, das mulheres, deixando claro não haver uma compartimentação entre os diversos conjuntos de direitos.
Em suma, o Programa exprime plena consciência de que, para a violência criminal ser plenamente debelada, a "violência estrutural" da pobreza, da fome, do desemprego seja enfrentada. Em termos da ação governamental imediata, motivada por razões de emergência diante de situações claramente epidêmicas ¾ homicídios por exemplo ¾ deve ser enfrentado o desafio da construção plena do estado de direito, onde os direitos civis ganham necessariamente proeminência.(...)" (Grifo nosso)
No artigo, acima citado, Paulo Sérgio Pinheiro e Paulo de Mesquita Neto relatam:
“(...)que no âmbito do Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH, foram aprovadas três leis, que investem claramente para coibir o triângulo fatal das violações.
1. Reconhecimento das mortes de pessoas desaparecidas em razão de participação política (Lei n.º. 9.140/ 95), pela qual o Estado brasileiro reconhece a responsabilidade dos governos ditatoriais por essas mortes e concede indenização a seus familiares. Essa iniciativa constitui uma poderosa iniciativa para a reconstituição da verdade.
2. Transferência da justiça militar para a justiça comum de crimes dolosos praticados por policiais militares (Lei 9.299/96), que permitiu que os policiais militares responsáveis pelos massacres ocorridos na Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo, de Corumbiara, em Rondônia e em Eldorado de Carajás, no Pará fossem indiciados e levados ao Tribunal do Júri.
3. Tipificação do crime de tortura, com penas severas (Lei 9.455/97), tornando possível a aplicação efetiva dos preceitos da Convenção contra Tortura e outros instrumentos cruéis e degradantes ratificada pelo Brasil.
Quando, ao lado dessas três leis, for sancionado o Projeto de Emenda Constitucional proposto pelo governo federal para dar à Justiça Federal competência para julgar crimes contra os direitos humanos, o PNDH terá conseguido assegurar instrumentos jurídicos decisivos para debelar a impunidade. Esse projeto (PEC 368/96) já foi aprovado aos 4 de abril de 1.997, pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e continua em tramitação no Congresso Nacional.
Além dessas leis e projeto foram ainda implementadas as seguintes iniciativas:
►Criminalização do porte ilegal de arma e criação do Sistema Nacional de Armas, SINARM (Lei nº. 9.437/97)
► Obrigação da presença do Ministério Público em todas as fases processuais que envolvam litígios pela posse da terra urbana e rural (Lei n.º 9.415/96).
►Estabelecimento do rito sumário nos processos de desapropriação de terra para fins de reforma agrária (Lei complementar nº. 88/96)
► Novo código de trânsito (Lei nº. 9.503/97)
► Universalização da gratuidade de certidão de nascimento e de óbito.
► Estatuto dos refugiados (Lei nº. 9.474/97).
Remessa ao Congresso Nacional de Projetos de Lei:
► aumentando de 12 para 14 anos a idade mínima para trabalho de adolescentes (PEC nº. 368/96);-
► revendo a legislação para coibir trabalho forçado (PL nº.3649/97) e
► ampliando as possibilidades da aplicação de penas alternativas (PL n.º. 2.684/96).
Além dessas, vale mencionar aqui, à guisa de exemplo, algumas das inúmeras medidas implementadas pelo Ministério da Justiça, em parceria com entidades de direitos humanos e centros de pesquisa, por meio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos:
► Implantação de programas de serviço civil voluntário, constituídos por jovens, recém saídos das escolas, para serem formados como agentes da cidadania atuando para a proteção dos direitos humanos, em parceria com entidades da sociedade civil em Brasília e no Rio de Janeiro.
► Elaboração, em convênio com o Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, CEDEC, São Paulo. Quatro de mapas de Violência Urbana, com base em dados e indicadores nas cidades de São Paulo, Curitiba, Rio de Janeiro e Salvador.
► Criação de programas de proteção a testemunhas, a partir da experiência anterior do Gajop (Gabinete de Assessoria Jurídica a Organizações Populares), Recife/PE com a Secretaria de Justiça do estado de Pernambuco partiu-se para construção de uma rede de proteção a testemunhas e vítimas de crimes no âmbito do PROVITA. Além de Pernambuco já foram treinadas equipe nos estados da Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte.
► Criação de Balcões de Direito para prestação de serviços gratuitos de assessoria jurídica, auxílio na obtenção de documentos básicos e mediação de conflitos para populações de comunidades carentes em convênio com o Viva Rio, no Rio de Janeiro e com CEVIC (Centro de Atendimento a Vítimas de Crime) no Paraná.
► Realização de cursos de reciclagem, capacitação e treinamento de policiais civis e militares, com ênfase no respeito aos direitos humanos por meio de convênios com a Anistia Internacional, Cruz Vermelha Internacional e Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais.
► Elaboração de manual de direitos humanos para informar e treinar os integrantes de organizações governamentais e não-governamentais responsáveis pela implementação do PNDH, elaborado em conjunto com centenas de entidades e lideranças da sociedade civil[3].
Foram iniciados programas específicos visando:
• valorizar a população negra através do Grupo de Trabalho para Eliminação da Discriminação;
• prevenir e tratar AIDS e doenças sexualmente transmissíveis;
• coibir o trabalho infantil, inclusive através de bolsas-educação;
• erradicar a exploração sexual infanto-juvenil;
• coibir o trabalho forçado através do Grupo de Repressão ao Trabalho Forçado;
• assentar trabalhadores rurais sem terra;
• demarcar terras indígenas.
Perspectivas
São inegáveis as mudanças e avanços nas políticas governamentais no que se refere à proteção e promoção dos direitos humanos durante o segundo ano de vigência do Programa Nacional de Direitos Humanos.
Há várias ações propostas no Programa que começam a ser implementadas, sem as quais a política governamental de proteção dos direitos humanos ficaria prejudicada, em particular as medidas referentes à implementação e monitoramento do PNDH.
Desde os primeiros seminários regionais de preparação do PNDH, assim como nas três conferências nacionais de direitos humanos, em 1.996, 1.997 e 1.998, promovidas pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados e nos encontros regionais do Movimento Nacional de Direitos Humanos (que contaram com apoio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos) ficou claro que a implementação deveria ser acompanhada por um grupo autônomo e independente. Foi, assim, constituído o Núcleo de Acompanhamento do PNDH[4].
A solução encontrada foi reunir um grupo de consultores independentes, com a responsabilidade de acompanhar a implementação e atualização do Programa Nacional de Direitos Humanos, inclusive de receber sugestões e queixas sobre o seu cumprimento. Foram estabelecidos vínculos estreitos do Núcleo com cada estado da federação dada a magnitude e diversidade das tarefas de execução do PNDH. Uma das idéias que está sendo posta em prática é a constituição de "pontos focais" nas diversas unidades da federação, que podem abranger secretarias de governo, universidades, centros de pesquisa, ministério público e organizações não governamentais.
Essa concepção de rede orientou a montagem em cada estado de um "ponto focal" visando a preparação do primeiro relatório de direitos humanos. Foi enviada para cada governador de estado comunicação informando a sistemática que deverá presidir a elaboração dos informes estaduais que irão compor a documentação sobre a qual será elaborado o relatório nacional.
Um roteiro fundamentado no PNDH foi elaborado, enunciando as questões e indicando qual a documentação que deveria começar a ser coletada, sob a responsabilidade de um secretário de estado ou assessor direto do governador.
Os membros do Núcleo, no seu estado de domicílio, integram necessariamente o "ponto focal" respectivo.
Os resultados desse roteiro, somados a informações de outros relatórios e instituições coligidas pelos "pontos focais", serão consolidadas e processadas pelo Núcleo de Estudos da Violência, NEV/USP. Os consultores do Núcleo de Acompanhamento farão o primeiro exame da versão preliminar do relatório no segundo semestre se 1.998, encaminhando críticas e sugestão para a preparação da versão final.
Pela primeira vez na história da República, graças à necessidade de monitoramento do PNDH, o governo federal pede informações sobre direitos humanos às unidades da federação. O relatório nacional de direitos humanos, a ser lançado no dia 10 de dezembro de 1998, data do cinqüentenário da Declaração Universal de Direitos Humanos será o primeiro a ser lançado pelo Estado brasileiro. Dessa forma, o governo federal e os governos estaduais contribuirão para a transparência das violações de direitos humanos, para a punição de seus responsáveis e para a prevenção dessas violações. Esse relatório será decisivo para a luta contra a impunidade, ajudando a construir uma convivialidade voltada para a realização do horizonte dos direitos humanos.
O que está em questão não é apenas a implementação do Programa, mas a institucionalização de políticas públicas capazes de impedir a prática de graves violações de direitos humanos, muitas vezes, ainda, com impunidade garantida, pondo em risco a construção de um estado de direito válido para as elites e as não-elites.
A realização dos direitos humanos, como ficou claro depois da Declaração e do Programa de Direitos Humanos de Viena, é essencial para a consolidação da democracia. A política de direitos humanos deve integrar todas as políticas de governo e não ser apenas uma preocupação excêntrica de algumas esferas do poder público. É a realização dos direitos humanos que pode dar a medida precisa do grau de controle que as não-elites exercem sobre as elites, requisito primordial para uma democracia que inclua todos os cidadãos.(...)”
Referência bibliográfica:
PINHEIRO, Paulo Sérgio e NETO, Paulo de Mesquita. Direitos humanos no Brasil: Perspectivas no final do século. In Cinqüenta Anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. São Paulo, Pesquisas, n. 11, 1998.
[1] Coordenador do Núcleo de Estudos da Violência e Professor Titular do Departamento de Ciência Política, FFLCH, USP. Foi relator do projeto do Programa Nacional de Direitos Humanos-PNDH e é Coordenador do Núcleo de Acompanhamento do PNDH. É Relator Especial da ONU para o Burundi e Membro da subcomissão de Prevenção da Discriminação e Proteção das Minorias da ONU.
[2] Doutor em ciência política pela Universidade de Columbia, New York. É Pesquisador Senior do Núcleo de Estudos da Violência, Professor Colaborador do Departamento de Ciência Política, FFLCH, USP. Foi relator-geral executivo do Programa Nacional de Direitos Humanos e relator do Programa Estadual de Direitos Humanos em São Paulo.
[3] Para um elenco completo das iniciativas da Secretaria Nacional de Direitos Humanos ver Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Direitos Humanos, PNDH em movimento, ano I, número 4, março/abril 1998
[4] Em junho de 1998 são membros do Núcleo de Acompanhamento e Fiscalização da Execução do Programa Nacional de Direitos Humanos, criado pela Portaria nº 491 do Ministério da Justiça de 02.08.1.996: Adhemar Gabriel Bahadian, Antônio Augusto Cançado Trindade, Maria José Mota (Zezé Mota), Jayme Sirotsky, Dom Mauro Morelli, Oscar Gatica, Paulo Sérgio Pinheiro, Ricardo Balestreli e Marcelo Duarte
Em artigo de autoria de Paulo Sérgio Pinheiro[1] e Paulo de Mesquita Neto[2], intitulado “Direitos Humanos no Brasil. Perspectivas no Final do Século”, lecionam que:
“A política nacional de direitos humanos do Estado brasileiro, desenvolvida desde o retorno ao governo civil em 1985, e de forma mais definida, desde 1995, pelo governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, reflete e aprofunda uma concepção de direitos humanos partilhada por organizações de direitos humanos desde a resistência ao regime autoritário nos anos 1970. Pela primeira vez, entretanto, na história republicana, quase meio- século depois da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, os direitos humanos passaram a ser assumidos como política oficial do governo, num contexto social e político deste fim de século extremamente adverso para a maioria das não-elites na população brasileira.
A luta pelos direitos humanos é um processo contraditório, no qual o Estado, qualquer que seja o governo no regime democrático, e a sociedade civil têm responsabilidades necessariamente compartilhadas. É uma parceria que se funda sobre princípios rígidos e irrenunciáveis, qualquer que seja a conjuntura.
Não há política sem contradição, não há luta pelos direitos humanos sem conflitos, obstáculos e resistências: negar essa realidade é recusar a própria luta, na qual como a viagem do navegante na política e na democracia não há porto final. (...)” (Grifo nosso)
(...)
O Programa, ainda que reconheça a indivisibilidade dos direitos humanos, e a importância dos direitos econômicos, sociais e culturais, ressalta a garantia dos direitos civis, particularmente dos direitos à vida, à integridade física e à justiça. Da mesma forma que no direito internacional dos direitos humanos existe um Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e outro Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o governo brasileiro, ao situar a responsabilidade pelo Programa no Ministério da Justiça, sinaliza a necessidade de ressaltar a realização plena dos direitos civis.
Essa particularidade é justificada no próprio programa: "Para que a população, porém, possa assumir que os direitos humanos são direitos de todos, e as entidades da sociedade civil possam lutar por estes direitos e organizar-se para atuar em parceria com o Estado, é fundamental que os seus direitos civis elementares sejam garantidos e, especialmente, que a Justiça seja uma instituição garantidora e acessível para qualquer um." Mesmo dando ênfase aos direitos civis, o Programa contempla inúmeros direitos econômicos e sociais, ao tratar, por exemplo , dos direitos das crianças, dos negros, das mulheres, deixando claro não haver uma compartimentação entre os diversos conjuntos de direitos.
Em suma, o Programa exprime plena consciência de que, para a violência criminal ser plenamente debelada, a "violência estrutural" da pobreza, da fome, do desemprego seja enfrentada. Em termos da ação governamental imediata, motivada por razões de emergência diante de situações claramente epidêmicas ¾ homicídios por exemplo ¾ deve ser enfrentado o desafio da construção plena do estado de direito, onde os direitos civis ganham necessariamente proeminência.(...)" (Grifo nosso)
No artigo, acima citado, Paulo Sérgio Pinheiro e Paulo de Mesquita Neto relatam:
“(...)que no âmbito do Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH, foram aprovadas três leis, que investem claramente para coibir o triângulo fatal das violações.
1. Reconhecimento das mortes de pessoas desaparecidas em razão de participação política (Lei n.º. 9.140/ 95), pela qual o Estado brasileiro reconhece a responsabilidade dos governos ditatoriais por essas mortes e concede indenização a seus familiares. Essa iniciativa constitui uma poderosa iniciativa para a reconstituição da verdade.
2. Transferência da justiça militar para a justiça comum de crimes dolosos praticados por policiais militares (Lei 9.299/96), que permitiu que os policiais militares responsáveis pelos massacres ocorridos na Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo, de Corumbiara, em Rondônia e em Eldorado de Carajás, no Pará fossem indiciados e levados ao Tribunal do Júri.
3. Tipificação do crime de tortura, com penas severas (Lei 9.455/97), tornando possível a aplicação efetiva dos preceitos da Convenção contra Tortura e outros instrumentos cruéis e degradantes ratificada pelo Brasil.
Quando, ao lado dessas três leis, for sancionado o Projeto de Emenda Constitucional proposto pelo governo federal para dar à Justiça Federal competência para julgar crimes contra os direitos humanos, o PNDH terá conseguido assegurar instrumentos jurídicos decisivos para debelar a impunidade. Esse projeto (PEC 368/96) já foi aprovado aos 4 de abril de 1.997, pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e continua em tramitação no Congresso Nacional.
Além dessas leis e projeto foram ainda implementadas as seguintes iniciativas:
►Criminalização do porte ilegal de arma e criação do Sistema Nacional de Armas, SINARM (Lei nº. 9.437/97)
► Obrigação da presença do Ministério Público em todas as fases processuais que envolvam litígios pela posse da terra urbana e rural (Lei n.º 9.415/96).
►Estabelecimento do rito sumário nos processos de desapropriação de terra para fins de reforma agrária (Lei complementar nº. 88/96)
► Novo código de trânsito (Lei nº. 9.503/97)
► Universalização da gratuidade de certidão de nascimento e de óbito.
► Estatuto dos refugiados (Lei nº. 9.474/97).
Remessa ao Congresso Nacional de Projetos de Lei:
► aumentando de 12 para 14 anos a idade mínima para trabalho de adolescentes (PEC nº. 368/96);-
► revendo a legislação para coibir trabalho forçado (PL nº.3649/97) e
► ampliando as possibilidades da aplicação de penas alternativas (PL n.º. 2.684/96).
Além dessas, vale mencionar aqui, à guisa de exemplo, algumas das inúmeras medidas implementadas pelo Ministério da Justiça, em parceria com entidades de direitos humanos e centros de pesquisa, por meio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos:
► Implantação de programas de serviço civil voluntário, constituídos por jovens, recém saídos das escolas, para serem formados como agentes da cidadania atuando para a proteção dos direitos humanos, em parceria com entidades da sociedade civil em Brasília e no Rio de Janeiro.
► Elaboração, em convênio com o Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, CEDEC, São Paulo. Quatro de mapas de Violência Urbana, com base em dados e indicadores nas cidades de São Paulo, Curitiba, Rio de Janeiro e Salvador.
► Criação de programas de proteção a testemunhas, a partir da experiência anterior do Gajop (Gabinete de Assessoria Jurídica a Organizações Populares), Recife/PE com a Secretaria de Justiça do estado de Pernambuco partiu-se para construção de uma rede de proteção a testemunhas e vítimas de crimes no âmbito do PROVITA. Além de Pernambuco já foram treinadas equipe nos estados da Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte.
► Criação de Balcões de Direito para prestação de serviços gratuitos de assessoria jurídica, auxílio na obtenção de documentos básicos e mediação de conflitos para populações de comunidades carentes em convênio com o Viva Rio, no Rio de Janeiro e com CEVIC (Centro de Atendimento a Vítimas de Crime) no Paraná.
► Realização de cursos de reciclagem, capacitação e treinamento de policiais civis e militares, com ênfase no respeito aos direitos humanos por meio de convênios com a Anistia Internacional, Cruz Vermelha Internacional e Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais.
► Elaboração de manual de direitos humanos para informar e treinar os integrantes de organizações governamentais e não-governamentais responsáveis pela implementação do PNDH, elaborado em conjunto com centenas de entidades e lideranças da sociedade civil[3].
Foram iniciados programas específicos visando:
• valorizar a população negra através do Grupo de Trabalho para Eliminação da Discriminação;
• prevenir e tratar AIDS e doenças sexualmente transmissíveis;
• coibir o trabalho infantil, inclusive através de bolsas-educação;
• erradicar a exploração sexual infanto-juvenil;
• coibir o trabalho forçado através do Grupo de Repressão ao Trabalho Forçado;
• assentar trabalhadores rurais sem terra;
• demarcar terras indígenas.
Perspectivas
São inegáveis as mudanças e avanços nas políticas governamentais no que se refere à proteção e promoção dos direitos humanos durante o segundo ano de vigência do Programa Nacional de Direitos Humanos.
Há várias ações propostas no Programa que começam a ser implementadas, sem as quais a política governamental de proteção dos direitos humanos ficaria prejudicada, em particular as medidas referentes à implementação e monitoramento do PNDH.
Desde os primeiros seminários regionais de preparação do PNDH, assim como nas três conferências nacionais de direitos humanos, em 1.996, 1.997 e 1.998, promovidas pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados e nos encontros regionais do Movimento Nacional de Direitos Humanos (que contaram com apoio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos) ficou claro que a implementação deveria ser acompanhada por um grupo autônomo e independente. Foi, assim, constituído o Núcleo de Acompanhamento do PNDH[4].
A solução encontrada foi reunir um grupo de consultores independentes, com a responsabilidade de acompanhar a implementação e atualização do Programa Nacional de Direitos Humanos, inclusive de receber sugestões e queixas sobre o seu cumprimento. Foram estabelecidos vínculos estreitos do Núcleo com cada estado da federação dada a magnitude e diversidade das tarefas de execução do PNDH. Uma das idéias que está sendo posta em prática é a constituição de "pontos focais" nas diversas unidades da federação, que podem abranger secretarias de governo, universidades, centros de pesquisa, ministério público e organizações não governamentais.
Essa concepção de rede orientou a montagem em cada estado de um "ponto focal" visando a preparação do primeiro relatório de direitos humanos. Foi enviada para cada governador de estado comunicação informando a sistemática que deverá presidir a elaboração dos informes estaduais que irão compor a documentação sobre a qual será elaborado o relatório nacional.
Um roteiro fundamentado no PNDH foi elaborado, enunciando as questões e indicando qual a documentação que deveria começar a ser coletada, sob a responsabilidade de um secretário de estado ou assessor direto do governador.
Os membros do Núcleo, no seu estado de domicílio, integram necessariamente o "ponto focal" respectivo.
Os resultados desse roteiro, somados a informações de outros relatórios e instituições coligidas pelos "pontos focais", serão consolidadas e processadas pelo Núcleo de Estudos da Violência, NEV/USP. Os consultores do Núcleo de Acompanhamento farão o primeiro exame da versão preliminar do relatório no segundo semestre se 1.998, encaminhando críticas e sugestão para a preparação da versão final.
Pela primeira vez na história da República, graças à necessidade de monitoramento do PNDH, o governo federal pede informações sobre direitos humanos às unidades da federação. O relatório nacional de direitos humanos, a ser lançado no dia 10 de dezembro de 1998, data do cinqüentenário da Declaração Universal de Direitos Humanos será o primeiro a ser lançado pelo Estado brasileiro. Dessa forma, o governo federal e os governos estaduais contribuirão para a transparência das violações de direitos humanos, para a punição de seus responsáveis e para a prevenção dessas violações. Esse relatório será decisivo para a luta contra a impunidade, ajudando a construir uma convivialidade voltada para a realização do horizonte dos direitos humanos.
O que está em questão não é apenas a implementação do Programa, mas a institucionalização de políticas públicas capazes de impedir a prática de graves violações de direitos humanos, muitas vezes, ainda, com impunidade garantida, pondo em risco a construção de um estado de direito válido para as elites e as não-elites.
A realização dos direitos humanos, como ficou claro depois da Declaração e do Programa de Direitos Humanos de Viena, é essencial para a consolidação da democracia. A política de direitos humanos deve integrar todas as políticas de governo e não ser apenas uma preocupação excêntrica de algumas esferas do poder público. É a realização dos direitos humanos que pode dar a medida precisa do grau de controle que as não-elites exercem sobre as elites, requisito primordial para uma democracia que inclua todos os cidadãos.(...)”
Referência bibliográfica:
PINHEIRO, Paulo Sérgio e NETO, Paulo de Mesquita. Direitos humanos no Brasil: Perspectivas no final do século. In Cinqüenta Anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. São Paulo, Pesquisas, n. 11, 1998.
[1] Coordenador do Núcleo de Estudos da Violência e Professor Titular do Departamento de Ciência Política, FFLCH, USP. Foi relator do projeto do Programa Nacional de Direitos Humanos-PNDH e é Coordenador do Núcleo de Acompanhamento do PNDH. É Relator Especial da ONU para o Burundi e Membro da subcomissão de Prevenção da Discriminação e Proteção das Minorias da ONU.
[2] Doutor em ciência política pela Universidade de Columbia, New York. É Pesquisador Senior do Núcleo de Estudos da Violência, Professor Colaborador do Departamento de Ciência Política, FFLCH, USP. Foi relator-geral executivo do Programa Nacional de Direitos Humanos e relator do Programa Estadual de Direitos Humanos em São Paulo.
[3] Para um elenco completo das iniciativas da Secretaria Nacional de Direitos Humanos ver Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Direitos Humanos, PNDH em movimento, ano I, número 4, março/abril 1998
[4] Em junho de 1998 são membros do Núcleo de Acompanhamento e Fiscalização da Execução do Programa Nacional de Direitos Humanos, criado pela Portaria nº 491 do Ministério da Justiça de 02.08.1.996: Adhemar Gabriel Bahadian, Antônio Augusto Cançado Trindade, Maria José Mota (Zezé Mota), Jayme Sirotsky, Dom Mauro Morelli, Oscar Gatica, Paulo Sérgio Pinheiro, Ricardo Balestreli e Marcelo Duarte
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