TEORIA
SOBRE TUTELA CAUTELAR E TUTELA SATISFATIVA[1]
OBS.:
A TEORIA AQUI EXPLANADA ESTÁ DE ACORDO COM O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (LEI
Nº 13.105/15)
1 – TUTELA DEFINITIVA: SATISFATIVA E
CAUTELAR
- A tutela jurisdicional oferecida pelo Estado-juiz
pode ser definitiva ou provisória.
- O que
é a tutela definitiva? Segundo Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, a tutela definitiva é aquela obtida
com base em cognição exauriente, com profundo debate acerca do objeto da decisão,
garantindo-se o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.
- A tutela definitiva é predisposta a
produzir resultados imutáveis, cristalizados pela coisa julgada. É espécie de
tutela que prestigia, sobretudo, a segurança jurídica.
- A tutela definitiva pode ser satisfativa ou cautelar.
- A tutela definitiva satisfativa é aquela
que visa certificar e/ou efetivar o direito material.
- A tutela definitiva satisfativa
predispõe-se à satisfação de um direito material com a entrega do bem da vida
almejado pela parte. É a chamada tutela-padrão[2].
- Há dois diferentes tipos de tutela definitiva satisfativa:
a) a
tutela de certificação de direitos (declaratória, constitutiva e condenatória[3]);
b) e a
tutela de efetivação dos direitos (tutela executiva, em sentido amplo).
- As
atividades processuais necessárias para a obtenção de uma tutela satisfativa (a
tutela-padrão) podem ser demoradas, o que coloca em risco a própria realização do
direito afirmado. Surge o chamado perigo da demora (periculum in mora) da
prestação jurisdicional.
- Para
conservar o direito afirmado e, com isso, neutralizar os efeitos maléficos do
tempo, em razão disso, há uma tutela
definitiva não-satisfativa, de cunho
assecuratório denominada de TUTELA
CAUTELAR.
- Atenção: A tutela cautelar não visa à satisfação de um direito (ressalvado,
obviamente, o próprio direito à cautela), mas, sim , a assegurar a sua futura
satisfação, protegendo-o.
2 - CARACTERÍSTICAS DA TUTELA CAUTELAR
2.1 - Referibilidade e temporariedade
- A
tutela cautelar distingue-se da tutela satisfativa não apenas por terem elas objetos
distintos (respectivamente, asseguração
e certificação/efetivação), mas também
porque a tutela cautelar tem duas características peculiares: a referibilidade e a temporariedade.
- Entende-se
por REFERIBILIDADE a questão da tutela cautelar se constituir em meio
de preservação de outro direito, o direito acautelado, objeto da tutela
satisfativa. E por conseguinte, a tutela
cautelar é, necessariamente, uma tutela que se refere a outro direito, distinto
do direito à própria cautela.
- Atenção: Há o direito à cautela e o
direito que se acautela. O direito à cautela é o direito à tutela cautelar; o
direito que se acautela, ou direito acautelado, é o direito sobre que recai a
tutela cautelar. Essa referibilidade é essencial.
- Um exemplo: O arresto de dinheiro do
devedor inadimplente é instrumento assecuratório do direito de crédito do
credor. O direito de crédito é o direito acautelado; o direito à cautela é o
direito à utilização de um instrumento processual que assegure o direito de
crédito.
- A tutela cautelar é, ainda, TEMPORÁRIA, por ter sua eficácia
limitada no tempo[4].
- A
tutela cautelar dura o tempo necessário para a preservação a que se propõe.
Cumprida sua função acautelatória, perde a eficácia. Além disso, tende a
extinguir-se com a obtenção da tutela satisfativa definitiva - isto é, com a
resolução da demanda principal em que se discute e/ou se efetiva o direito
acautelado.
- Por exemplo: Satisfeito o direito de
crédito, perde a eficácia a cautela de bloqueio de valores do devedor
insolvente.
- Com
base em reflexões de Ovídio Baptista da Silva[5],
é possível fazer distinção entre o provisório e o temporário.
O provisório é sempre preordenado a ser "trocado" pelo definitivo que goza
de mesma natureza - ex.: "flat" provisório em que se instala o
casal a ser substituído pela habitação definitiva (apartamento de edifício em construção).
Já o temporário é definitivo, nada virá em seu lugar (de mesma natureza), mas seus efeitos
são limitados no tempo, e predispostos à cessação - ex.: andaimes colocados
para a pintura do edifício em que residirá o casal lá ficarão o tempo necessário
para conclusão do serviço (e feito o serviço, de lá sairão, mas nada os
substituirá). (grifo nosso)
- A
despeito de temporária, a tutela
cautelar é, como já visto, definitiva.
Os adjetivos podem conviver: definitivo é o oposto de provisório.
- A tutela cautelar é temporária, mas não é
provisória, pois nada virá em seu lugar da mesma natureza - é ela a tutela
assecuratória definitiva e inalterável daquele bem da vida. Mas seus efeitos
têm duração limitada e, cedo ou tarde, cessarão.
3 – A COISA JULGADA CAUTELAR
- A temporariedade da tutela cautelar não
exclui, como visto, sua definitividade.
- A
demanda cautelar, como todo ato de postulação, possui um objeto, um mérito[6],
composto por pedido (de segurança) e causa de pedir (remota: plausibilidade do
direito acautelado e o perigo da demora; próxima: direito à cautela).
- Há
cognição exauriente do mérito cautelar e, pois, do direito à cautela. A
cognição do direito material acautelado é que é sumária, bastando que se revele
provável para o julgador (como exige a fumaça do bom direito).
- A
probabilidade do direito (tradicionalmente chamada "fumus boni
iuris") é elemento do suporte fático do direito à cautela. Ou seja, para que seja reconhecido o direito à
tutela cautelar de outro direito, é necessário mostrar que esse outro direito,
ou direito acautelado, é provável. Uma vez concretizado esse suporte fático
(probabilidade do direito acautelado), o direito à cautela pode ser certificado
com definitividade.
- Ter um suporte fático integrado pela
probabilidade ou plausibilidade não implica que o direito que dele decorre não
possa ser reconhecido em decisão fundada em cognição exauriente. Essa é a
profundidade cognitiva a que se precisa chegar para que seja reconhecido o
direito à cautela: a probabilidade do direito acautelado.
- A doutrina
aponta outros direitos subjetivos que se assentam em pressupostos fáticos integrados
pela probabilidade. É o que se diz do direito à indenização pelos lucros cessantes,
que decorre probabilidade de lucro, e os direitos do nascituro, que se fundam
na probabilidade de que nasça com vida[7].
- Um EXEMPLO: Para deferir definitivamente o
arresto (medida cautelar), é necessário que o julgador examine, de forma
exauriente, o preenchimento dos pressupostos legais (probabilidade do direito
acautelado e o perigo da demora) do pedido de cautela; sobre o direito
acautelado a cognição será sumária, mas sobre o direito à cautela, exauriente. Assim,
se há decisão cautelar de mérito, com cognição exauriente, e não mais sujeita a
recurso, há coisa julgada cautelar[8].
- Importante
conferir as colocações de Calmon de Passos[9]
sobre o tema, que geram muita polêmica[10]:
"Ouso
dizer, e que me perdoem o atrevimento, que as decisões de mérito, em ação
cautelar, são insuscetíveis de modificação, senão houve alteração na situação
de fato - situação de perigo, que a determinou, ou se modificação não houver na
situação do direito no tocante à plausibilidade da tutela favorável ao autor da
medida. Só a mudança de um desses elementos constitutivos da causa de pedir
autoriza a modificação. E se indeferida a medida, só nova situação de perigo,
ou alterações nas condições anteriormente indicadas para fundamento do pedido,
ou pedido de medida diversa da anterior, pode legitimar a postulação de nova
cautelar. Essa imutabilidade pode não ser batizada com o nome de coisa julgada,
mas que é imutabilidade é. Como chamá-la para não colocá-la na família nobre do
processo de jurisdição contenciosa? É problema de preferência? Hermengarda,
Febroniana, Ocridalina ou coisa parecida. Mas que é mulher como a outra é. Ou
para ser específico: que é imutabilidade do decidido com repercussão fora do
processo cautelar é. E temos dito".
- A decisão final cautelar viabiliza uma tutela
definitiva, dada com cognição exauriente de seu objeto (pedido de
segurança, fundado no perigo da demora e na plausibilidade do direito
acautelado) e apta a tornar-se imutável.
- Atenção: Na tutela cautelar TEMPORÁRIOS são apenas seus efeitos
práticos. A cautela perde sua eficácia quando reconhecido e satisfeito o
direito acautelado ou quando ele não for reconhecido[11],
mas a decisão que a concedeu, ainda assim, permanece imutável, inalterável em
seu dispositivo.
- Em
suma, a decisão final cautelar é
definitiva, mas seus efeitos são temporários.
- Assim,
por ser definitiva, a decisão final cautelar não pode ser tida como provisória (ou
precária). Não é uma decisão provisória a ser, posteriormente, substituída por
uma definitiva - que a confirme, modifique ou revogue. Ela é a decisão final, definitiva,
para a questão.
- Uma
vez proferida, a decisão final cautelar não é suscetível de ser modificada ou
revogada a qualquer tempo. Preclusas as vias recursais, o seu dispositivo não
poderá ser alterado, nem mesmo pela superveniência de fatos novos, como
sustentava clássica doutrina, a partir da letra do art. 807, caput, CPC-1973[12].
Art. 807 - As medidas cautelares
conservam a sua eficácia no prazo do artigo antecedente e na pendência do
processo principal; mas podem, a qualquer tempo, ser revogadas ou
modificadas". Essa mesma leitura não pode ser extraída do art. 296 do
CPC-201 5, que, apesar de conter texto semelhante, só é aplicável à tutela
provisória (cautelar ou satisfativa) e, não, à tutela definitiva cautelar.
- A modificação do substrato fático pode
ensejar uma nova demanda cautelar (com nova causa de pedir), a ser decidida por nova sentença; como
visto no capítulo sobre coisa julgada, essa nova decisão não interfere na coisa
julgada (cautelar) formada sobre a decisão proferida anteriormente. É
exatamente isso que justifica o parágrafo único do art. 309: "Se
por qualquer motivo cessar a eficácia da tutela cautelar, é vedado à parte renovar
o pedido, salvo sob novo fundamento".
“Novo CPC (LEI Nº
13.105/15)
[...]
III - o juiz julgar
improcedente o pedido principal formulado pelo autor ou extinguir o processo
sem resolução de mérito.
Parágrafo único - Se por qualquer motivo cessar a eficácia da tutela cautelar, é vedado
à parte renovar o pedido, salvo sob novo fundamento.”(grifo nosso)
REFERÊNCIAS
COSTA,
Eduardo José da Fonseca. "Sentença cautelar, cognição e coisa julgada -
reflexões em homenagem à memória de Ovídio Baptista". Revista de Processo.
São Paulo: RT, 201 1, n. 191.
LACERDA, Galeno. Comentários ao Códi30 de Processo civil. 5ª ed. Rio de
janeiro: Forense, 1993, V. 8, t. 1.
PASSOS,
José Joaquim Calmon de. Comentários a o Código de Processo Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1984, v. 10.
THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de
janeiro: Forense, 2000, v. 2.
[1] O
conteúdo textual da presente apostila foi retirado da obra DIDIER JR., Fredie; BRAGA; Paula Sarno; OLIVEIRA,
Rafael Alexandria de. Curso de direito
processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias,
decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 10. ed.
Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015. v. 2. E também, todas as citações e notas, em
sua íntegra.
[2] A este respeito, conferir ZAVASCKI, Teori Albino.
Antecipação de Tutela. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 18- 21.
[3] As tutelas de certificação de direitos a uma
prestação, em regra, já são imediatamente seguidas da tutela de efetivação da
prestação. Por isso se diz que a tutela condenatória conjuga certificação e
efetivação - e em alguns casos, a própria tutela declaratória e a constitutiva.
[4] Com posicionamento peculiar, Daniel Mitidiero
defende que toda tutela, seja ela cautelar ou satisfativa, tem eficácia temporária.
Para que cessem seus efeitos basta que ocorra uma mudança da situação fático-jurídica
que ensejou sua concessão. O que há de peculiar na tutela cautelar é que a
situação fático-jurídica que lhe serve de base é naturalmente mais instável, o
que torna mais evidente a sua temporariedade eficacial, diz ("Tendências
em matéria de tutela sumária: da tutela cautelar à técnica antecipatória".
Revista de Processo. São Paulo: RT, 2011, n. 197, p. 35). De fato, a cláusula rebus sic stantibus é inerente a
qualquer decisão judicial, conforme, aliás, defendido neste Curso. A
temporariedade da tutela cautelar, no sentido em que apresentado neste Curso,
tem significado diverso: a tutela cautelar, em razão da sua referibilidade à
tutela de outro direito, não dura para sempre: é eficaz apenas enquanto for
útil.
[5] Processo cautelar. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2006, p. 86 segs.
[6] Defendendo inclusive uma "ação material
cautelar", GOUVEIA FILHO, Roberto Pinheiro Campos; PEREIRA, Mateus Costa.
"Ação Material e Tutela Cautelar", cit., p. 591-592.
[7] COSTA, Eduardo José da Fonseca. "Sentença
cautelar, cognição e coisa julgada - reflexões em homenagem à memória de Ovídio
Baptista". Revista de Processo. São Paulo: RT, 201 1, n. 191, p. 368.
[8] Assim, COSTA, Eduardo José da Fonseca.
"Sentença cautelar, cognição e coisa julgada - reflexões em homenagem à
memória de Ovídio Baptista", cit., p. 365. Admite, também, a coisa julgada
cautelar, MITIDIERO, Daniel. "Tendências em matéria de tutela sumária: da
tutela cautelar à técnica antecipatória", cit., p.36.
[9] PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários a o
Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, v. 10, p. 237.
[10] LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo
civil, v. 8, t. 1, cit., p. 277 ss.; THEODORO) R., Humberto.
Curso de
Direito Processual Civil, v. 2, cit., p. 377 e segs. OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA,
a despeito de repudiar os argumentos expendidos por outros autores para
justificar a inexistência de coisa julgada cautelar - como a ausência de
sentença de mérito ou a provisoriedade de sua decisão -, segue-os em sua
conclusão. O autor defende que a sentença cautelar não transita em julgado, mas
por outras razões; entende que isso "decorre da ausência de qualquer
declaração sobre relações jurídicas que possam ser controvertidas na demanda
cautelar. O juiz, ao decidir a causa, limita-se à simples plausibilidade da
relação jurídica de que o autor se afirma titular e à existência de uma
situação de fato de perigo. Ora, como se sabe, o juízo sobre os fatos jamais
adquire selo de indiscutibilidade, pois sobre eles não se estende a coisa
julgada (...) o juiz de futura demanda, ao reapreciar a mesma causa e decidir
de modo diverso, nunca poderia agredir uma declaração sentencia! Contida no
primeiro julgamento, pois a primeira sentença, por definição, nada declarou a
respeito de qualquer relação jurídica" (Processo cautelar, cit., p. 1 85).
[11] Embora existam formas anômalas de perda de eficácia
da cautelar como a homologação da desistência do pedido cautelar (art. 485,
VIII) e as hipóteses do art. 309, a serem posteriormente analisadas.
[12] THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual
Civil. Rio de janeiro: Forense, 2ooo, v. 2, p. 377-378; com visão similar,
LACERDA, Galeno. Comentários ao Códi30 de Processo civil. 5ª ed. Rio de
janeiro: Forense, 1993, V. 8, t. 1, p. 227-228.
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