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AULA DE HERMENÊUTICA JURÍDICA

Tema da aula: PROCESSO OU MÉTODO DE INTERPRETAÇÃO LÓGICO OU RACIONAL

1. CONCEITO

Segundo João Baptista Herknhoff:

1) O método de interpretação lógica baseia-se na investigação da ratio legis.

2) O método de interpretação lógico busca descobrir o sentido e o alcance da lei, sem o auxilio de qualquer elemento exterior, aplicando ao dispositivo um conjunto de regras tradicionais e precisos, tomadas de empréstimo a lógica geral.

3) O método de interpretação lógico procura a idéia legal que se encontra sub litteris partindo do pressuposto de que a razão da lei pode fornecer elementos para a compreensão se o conteúdo; de seu sentido e de sua finalidade.

Ainda, de acordo com o citado jurista:

“Numa lei, o que interessa não é o seu texto, mas o alvo fixado pelo legislador”.

Carlos Maximiliano cita em sua obra “Hermenêutica e Aplicação do Direito” que o Apostolo São Paulo lançaram na segunda Epístola aos Corintios a frase que se tornou clássica entre os jurisconsultos: “a letra mata; o espírito vivifica”.

CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES

1 – Trata-se de uma técnica que almeja encontrar inicialmente o espírito da lei (mens legis) por um processo lógico-analítico e, num estágio mais avançado, a razão da lei (ratio legis) por um processo lógico jurídico.

2 – Na realização da interpretação lógica são utilizados os processos lógicos da dedução e da indução.

Com relação a interpretação lógica, é importante identificar algumas espécies de lógicas aplicadas na interpretação do direito e analisá-las. E com relação a essas espécies, temos a Lógica Interna, a Lógica Externa e Lógica do Razoável.

2.1 – Lógica Interna

É um processo de raciocínio utilizado pelo intérprete por meio do qual ele submete a lei a uma análise do ponto de vista da inteligência do texto legislativo, sem levar em consideração elementos de informação exteriores (fatores externos que levaram a produção da norma).

Obs.: Na aplicação da Lógica Interna é utilizado um outro processo de raciocínio denominado Lógica Formal

· Lógica Formal - É uma arte ou técnica de estudar o pensamento em sua estrutura formal, ou seja, o pensamento enquanto forma, que pode ser preenchida por qualquer conteúdo oriundo da experiência.

Na verdade trata-se de uma estrutura formal que não existe em si mesma, ou seja, é apenas destacável mediante uma abstração, onde é desprezado momentaneamente o conteúdo para por em relevo apenas a forma, de modo artificial. A estrutura formal é analisada como se não tivesse conteúdo.

· Ocorre, no entanto, que a utilização da Lógica Formal pelo intérprete deixa o Direito engessado vez que a evolução social não é considerada nesse processo.

· É importante ressaltar que na utilização da Lógica Formal, são empregados os métodos Dedutivo e Indutivo e, ainda, os raciocínios silogísticos como instrumentos de interpretação de normas. Entretanto, esse instrumental tem a desvantagem de não revelar o verdadeiro conteúdo ou sentido da regra interpretada, levando a prática de injustiças.

Exemplo:

Segundo a Lei de Tóxicos - Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006, é traficante de tóxicos quem incide no art. 33, abaixo citado, da mencionada lei.

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.”

“Por volta das 21:00 horas de ontem, Sebastiana, uma jovem de 20 anos de idade, vinha andando pela Rua Piauí, em direção à sua casa, quando viu uma maleta 007, nova, semi-aberta, próxima a calçada.
Acreditando que alguém a teria perdido e, supondo que talvez pudesse encontrar algum documento na mesma que levasse ao seu proprietário, se aproximou para ver o que tinha dentro. Ocorre que nesse instante uma patrulha da Polícia Militar, composta de dois policiais, que vinha trafegando pela Rua Piauí, ao avistar Sebastiana sentada na calçada com a referida pasta no colo, se aproximou da mesma. E quando um dos policiais perguntou a Sebastiana o que ela estava fazendo num local pouco iluminado naquela situação.
Sebastiana, que nem sequer tinha tido tempo de ver o conteúdo da maleta, após explicar o que tinha acontecido entregou a mesma aos policiais. E estes, por sua vez, passaram a verificar o conteúdo da mencionada maleta e descobriram no interior da mesma 1 (um) quilo de cocaína. Fato este que os levou a dar voz de prisão a Sebastiana por tráfico de tóxico.

O Delegado responsável pelo inquérito que apura o fato, acima descrito, por meio do processo de interpretação lógica, utilizando-se da lógica formal, ao concluir seu relatório disse: “... segundo o art.33 da Lei nº 11.343/06 toda pessoa que adquirir substância entorpecente comete o crime de tráfico. No caso, Sebastiana foi presa após adquirir substância entorpecente, cuja origem ela não revelou, logo a mesma incidiu no crime de tráfico, tipificado na norma retromencionada.”

· Utilizando-se a Lógica Interna podemos fazer interpretações lógicas da seguinte forma:

No Título I, Constituição Federal de 1988, que trata DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS, art. 1º, inciso II, temos a expressão cidadania como um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito.

Todas as demais normas que seguem no texto constitucional são baseadas em Princípios de Direito, ou seja, tem fundamento nos princípios consagrados pela Constituição, logo, o sentido que se infere do inciso II, do art. 1º, é de que o Estado Democrático de Direito é conseqüência do exercício do direito de participar no governo e do direito de ser ouvido pela representação política. É o alicerce do sistema democrático, razão pela qual está no Título I e não no Título II, Magna Carta.

· Em matéria de aplicação da Lógica Interna utilizam-se ainda, REGRAS LÓGICAS (advindas do Direito Romano) como instrumento de esclarecimento da norma. Entre as regras mais usadas estão as seguintes:

PRIMEIRA REGRA

Onde a lei não distingue, não devemos distinguir.

Exemplo:

CF/88, art. 43 - Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais.

Omissis;

§ 2º. Os incentivos regionais compreenderão, além de outros, na forma da lei:

Omissis;

III - isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas;

SEGUNDA REGRA

As normas de exceção devem ser interpretadas de forma estrita.

Exemplo:

“CLT
Omissis;
Art. 67. Será assegurado a todo empregado um descanso semanal de vinte e quatro horas consecutivas, o qual, salvo motivo de conveniência pública ou necessidade imperiosa do serviço, deverá coincidir com o domingo, no todo ou em parte.
Parágrafo único. Nos serviços que exijam trabalho aos domingos, com exceção quanto aos elencos teatrais, será estabelecida escala de revezamento, mensalmente organizada e constando de quadro sujeito à fiscalização.

TERCEIRA REGRA

Em desaparecendo o motivo de criação da norma, cessa por completo o que ela dispõe.

Exemplo: Decretos Municipais e Estaduais sobre calamidades do tipo enchentes. As regras de tais fontes logo que a enchente passe todo o conteúdo normativo criado para esse fim perde sua razão de efetividade.

QUARTA REGRA

Deve-se ater aos diferentes contextos em que a expressão ocorre e classificá-los conforme a sua especificidade.

Exemplo:

CPC, art. 38 - A procuração geral para o foro, conferida por instrumento público, ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, salvo para receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso. (Redação dada ao artigo pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)(grifo nosso)

CPC, Capítulo I, da Forma dos Atos Processuais, Seção I, dos Atos em Geral

“Art. 154. Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencheram a finalidade essencial.”

QUINTA REGRA

Na ocorrência de conflitos, a regra é a prevalência da norma especial sobre a norma geral.

Exemplo:

A Lei nº 8.930/1994 → Lei Especial

A Lei nº 8.072/90 → Lei Especial

Código Penal → Lei Geral ou Comum

É fácil observar que todos os crimes descritos na Lei dos Crimes Hediondos estão definidos no Código Penal, porém, na hora de interpretar, a Segunda não aplica vez que é norma geral, enquanto que a primeira é especial.

SEXTA REGRA

Nos textos legais as expressões não têm sentidos supérfluos.

Exemplo:

No Código Civil de 1916, art. 85 está escrito que “Nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem.”

SÉTIMA REGRA

É importante ter conhecimento das classificações e reclassificações, das definições e redefinições, que ora separam os termos na forma de oposições simétricas. E também das conjugações, ou seja, os conteúdos geralmente são aproximados na forma de gêneros e espécies ou espécies de um gênero superior.

Exemplo:

Código Penal
Introdução ou abandono de animais em propriedade alheia
“Art. 164. Introduzir ou deixar animais em propriedade alheia, sem consentimento de quem de direito, desde que do fato resulte prejuízo:
Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, ou multa.

Comentário - O tipo objetivo é conceituado por JULIO FABBRINI MARABETE com incomparável objetividade: "Duas são as condutas previstas no dispositivo em estudo: introduzir ou deixar. Introduzir significa fazer entrar, levar para dentro. "A introdução - afirma Bento de Faria - pode realizar-se por qualquer forma, pouco importando que os animais entrem sozinhos ou acompanhados pelo próprio agente ou por seus prepostos ou empregados. Deixar quer dizer abandonar, largar, não retirar, ocorrendo tal conduta comissiva quando o proprietário do animal ou quem dele cuida, avisado de que está ele em propriedade alheia, ou sabendo disso, dolosamente não retira. A expressão animais, no plural, é usada apenas para indicar o gênero e não a pluralidade deles; basta a introdução de um que seja para caracterizar-se o delito.

A expressão animais, no plural, é usada, apenas, para indicar o gênero e não a pluralidade deles; basta a introdução de um que seja para caracterizar-se o delito." (grifo nosso)

OITAVA REGRA

A criatividade e inteligência do intérprete na aplicação do raciocínio lógico é outro mecanismo de grande valia.

Exemplo:

“João não tinha condições de financiar uma casa junto a Caixa Econômica Federal porque seu nome estava cadastrado na SERASA. E por essa razão pediu ao irmão dele, Pedro, o qual é casado com Tereza, que o ajudasse, lhe emprestando apenas o bom nome.
A casa foi financiada por Pedro e Tereza, em atendimento a solicitação de João, sendo que todas as taxas, despesas e prestações foram pagas por João. Mas, no dia em que João pediu ao irmão dele, que procedesse a transferência da titularidade do financiamento, Tereza disse que não iria permitir a realização o referido ato, alegando que do ponto de vista do direito, para a Caixa Econômica Federal quem tinha pago todas as prestações era Pedro, seu marido.
Em juízo, após o ajuizamento da ação competente, João conseguiu que a titularidade do financiamento fosse transferida para seu nome. Isto porque o Juiz da causa entendeu que todo aquele que, não age de boa-fé, não pode utilizar essa situação em proveito próprio, visando invalidar um negócio, a fim de obter vantagem.”

2.2 – Lógica Externa

É um processo de raciocínio utilizado pelo intérprete por meio do qual ele submete a lei a uma análise (observação) dos acontecimentos que deram origem a norma, e a finalidade para a qual foi criada. Além do que, não se contesta o texto legal.

Exemplo:
“CF/88, art. 5º, inciso I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

“A visualização da Lei Magna de que concretamente, há homens e há mulheres, reformula a noção de pessoa humana, que deixa de ser o homem universal, e passa a ser um ser humano que pode ser do sexo masculino ou feminino, sem que isso interfira na definição jurídica de sua capacidade civil ou laboral.

Quanto à máxima da igualdade perante a lei, reiterada em sucessivas Cartas, tem sido muito questionada, porque declarar a igualdade legal de desiguais social e economicamente ou de pessoas que sofrem discriminação e marginalizações poderá contribuir para a própria cristalização da desigualdade, não se pode dizer que são iguais aqueles nos quais a diferença é óbvia, como ponderou Peter Singer.” (Neiva Flávia de Oliveira, Prof. Direito de Família, Prof. Introdução à Ciência do Direito DEDIF - UFU - Universidade Federal de Uberlândia)

2.3 – Lógica do Razoável (revisão)

Processo de raciocínio idealizado por Recaséns Siches, por meio do qual o intérprete deve levar em consideração as finalidades da norma jurídica (mens legis), com base na contraposição entre o texto legal e a realidade dos fatos. Não admite a aplicação da lógica tradicional, que serve para matemática, física e outras ciências da natureza, mas, não serve para o Direito.

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