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AULA SOBRE PROCESSO CAUTELAR



Tema: AÇÃO CAUTELAR DE ARROLAMENTO DOS BENS

1 – Conceito

- Atenção: É importante não confundir o arrolamento de bens previsto no art. 855 e seguintes, do CPC, com o arrolamento de bens previsto no art. 1.031 e seguintes, também, do CPC. Neste contexto, ensinam Euclides Benedito de Oliveira[1] e Sebastião Luiz Amorim[2]:

"Não confundir o arrolamento, do direito sucessório, com a medida cautelar de arrolamento de bens, de que trata o artigo 855 do Código de Processo Civil. A finalidade do processo cautelar é a de evitar extravio ou dissipação de bens, assegurando a imodificabilidade de situação. Em casos como de partilha de bens de sociedade em dissolução, ou de separação judicial, cabe o arrolamento, inclusive com outorga de liminar, funcionando como arrecadação prévia, para a justa e oportuna divisão dos bens a ser efetuada na ação principal. Nada tem a ver, pois, com o processo de arrolamento de bens da herança, que visa formalizar sua transmissão aos sucessores legítimos ou testamentários, como uma forma simplificada de inventário". (grifo nosso)

- Euclides Benedito de Oliveira[3] e Sebastião Luiz Amorim[4]Os juristas2 ainda diferenciam "arrolamento sumário" (art. 1.031, do CPC, com a redação dada pela Lei nº 11.441/2007) de "arrolamento" (art. 1.036, do CPC, com a redação dada pela Lei nº 7.019/1982), com fim do direito ao inventário/partilha que não será abordado, evidentemente.

2 – Ação Cautelar de Arrolamento de Bens (Livro III, do Código de Processo Civil)

- O mineiro Humberto Theodoro Júnior[5], citando Pontes de Miranda, Cláudio Vianna de Lima e Ovídio A. Baptista da Silva, conceitua o arrolamento de bens previsto no art. 855 e seguintes do CPC, da seguinte forma:

"O Código revogado conhecia o arrolamento e descrição de bens como medida cautelar acessória das ações matrimoniais, com função meramente conservativa de prova a ser utilizada na futura partilha dos bens comuns e sem qualquer invasão imediata na esfera jurídica do cônjuge que detinha os bens.
Para o referido Código, o cônjuge interessado, além do arrolamento, podia usar o seqüestro, uma vez que as duas medidas tinham objetivos distintos e inconfundíveis.
O Código atual, adotando o sistema português como paradigma, alterou profundamente a figura e os objetivos do arrolamento cautelar.
Agora, conforme se depreende do art. 858, a medida cautelar ‘dirige-se à conservação de bens em perigo de extravio ou dilapidação. Por isso, a nomeação de depositário a quem cabe o arrolamento propriamente dito é obrigatória, configurando mesmo ‘a razão de ser da medida.
Enquanto o arrolamento do art. 676, IX, do Código anterior é providência meramente probatória, ou, dizendo-se melhor, ação cautelar correspondente a pretensão à segurança de prova, o arrolamento de bens incluído no novo Código corresponde à pretensão de segurança da própria prestação. Há mais do que simples arrolamento ‘ad probationem’. Arrolam-se os bens para depositarem-se em mão de terceiro, nomeado pelo juiz. Há constrição semelhante à do seqüestro.
Deu-se, outrossim, maior extensão à medida, que agora não cabe apenas aos cônjuges nas ações matrimoniais, mas a qualquer interessado nos bens, inclusive credores (art. 856), em outras ações patrimoniais.
Não merece aplausos a inovação por ter desnaturado a antiga e útil figura de segurança da prova, ao mesmo tempo em que criou duas medidas de feições distintas, mas com inútil duplicidade de natureza e objetivos, uma vez que, agora, não há distinção essencial entre o arrolamento e o seqüestro, a não ser de rito.
Ao amoldar-se à figura similar do CPC português, esqueceu o legislador brasileiro de que a legislação lusa desconhece o seqüestro, e realiza sua função através do arrolamento.
Para nosso sistema, todavia, que conta com a figura típica do seqüestro, seria muito mais útil, mais maleável e prático conservar o arrolamento como medida cautelar probatória, sem confundi-la com as medidas constritivas, já tão bem delineadas entre nós". (GRIFO NOSSO)

- Por sua vez, Paulo Afonso Garrido de Paula[6] conceitua o arrolamento de bens previsto no art. 855 e seguintes do CPC, nos seguintes termos:

"Medida genuinamente cautelar, consistente na apreensão, listagem e depósito de bens sob posse de outrem, tendo por finalidade sua conservação. Trata-se de medida onde é ínsita a constrição, de sorte que resumida a pretensão ao arrolamento documental de bens, a providência amolda-se à cautelar inominada, com fulcro no art. 798 do CPC".

3 - Pressupostos da ação cautelar de arrolamento

- Os pressupostos da ação cautelar de arrolamento de bens são explicados por Humberto Theodoro Jr.[7], citando Sérgio Sahione Fadel, que diz:

"Procede-se ao arrolamento sempre que há fundado receio de extravio ou de dissipação de bens (art. 856). E pode requerê-lo todo aquele que tem interesse na conservação dos bens (art. 856).
O cabimento da medida cautelar tem como pressupostos:
a) o fundado receio de extravio ou dissipação dos bens;
b) o interesse do requerente na conservação dos mesmos bens.
O fundado receio deve ser extraído de fatos concretos apurados na conduta daquele que detém os bens em seu poder, como vida desregrada, ocultação de bens, negócios ruinosos etc.
O interesse do requerente pode decorrer de direito próprio sobre o bem, já constituído ou que deva ser declarado em ação própria (art. 856, § 1º). Podem, assim, ser arrolados bens próprios em poder de terceiro, bens comuns ou bens alheios sobre que incida interesse legítimo do requerente.
A medida cautelar terá, assim, além da separação judicial e da anulação de casamento, exata aplicação em várias ações, como as de dissolução de sociedade de fato.
Não é condição de admissibilidade a prévia aferição da viabilidade de êxito do requerente na ação principal, o que seria uma incabível antecipação de julgamento da lide. O que importa é a demonstração do fundado receio de dano (extravio ou dissipação), aliado ao simples interesse processual da parte na conservação dos bens, evidenciado pelo direito ao processo principal (direito de ação). Como toda medida cautelar, o arrolamento tende apenas a evitar que o provimento final da ação definitiva caia no vazio e na inocuidade.
Basta, portanto, que o requerente esteja em posição tal que, se vier a ser vitorioso na ação principal, tenha interesse sobre bens que devam ser arrolados cautelarmente". (grifo nosso)

- Paulo Afonso Garrido de Paula[8] sobre os pressupostos da ação cautelar de arrolamento de bens, diz que:

"O temor de sumiço culposo ou desaparecimento doloso dos bens deve ser concreto, isto é, fundado em indícios dos quais possam extrair-se a conclusão de que a tutela jurisdicional representa única forma de conservação patrimonial".

- A leitura do art.855, do CPC, deixa claro o pressuposto necessário à tomada da medida constritiva:

“Código de Processo Civil
(...)
Art. 855. Procede-se ao arrolamento sempre que há fundado receio de extravio ou de dissipação de bens. (...)”

- Segundo a hermenêutica do art.855, do CPC, cabe ao intérprete verificar o atendimento dos pressupostos descritos acima ("fumaça do bom direito" e "perigo da demora"), pois caso estejam ausentes, o juiz deve indeferir a petição inicial cautelar liminarmente, por exemplo, por falta de interesse processual, extinguindo-se o processo sem resolução do mérito[9].

4 - Legitimidade

- A legitimidade na ação cautelar de arrolamento de bens está disciplinada no art.856, do CPC, que segue transcrito in verbis:

“Código de Processo Civil
(...)
Art. 856 - Pode requerer o arrolamento todo aquele que tem interesse na conservação dos bens.

§ 1º - O interesse do requerente pode resultar de direito já constituído ou que deva ser declarado em ação própria.

§ 2º - Aos credores só é permitido requerer arrolamento nos casos em que tenha lugar a arrecadação de herança. (...)”

Neste sentido, Humberto Theodoro Jr.[10], citando Hugo Alsina, sobre a legitimação do instituto:

"Todo aquele que tiver interesse na conservação dos bens em poder de outrem pode requerer o respectivo arrolamento (art. 856), desde que demonstre o fundado receio de extravio ou dissipação (art. 855).
Para legitimar-se o interessado há de ser titular:
a) de uma situação jurídica já constituída, que lhe assegure a faculdade de reclamar os bens do detentor, como o depositante, o comodante, o locador, o condômino, o sócio; ou b) de um interesse relativo a um direito que possa ser declarado em ação própria, como a do cônjuge que demanda a dissolução da sociedade conjugal, a do sócio que pede a dissolução da sociedade comercial ou mesmo de uma sociedade de fato, como, por exemplo, nas situações de concubinato e outras similares. Observe-se que o uso da medida cautelar em exame não é privilégio da mulher, nas ações matrimoniais, pois, também, o marido pode promover arrolamento dos bens em poder da esposa;
c) quanto aos credores, que sempre têm interesse sobre o patrimônio do devedor, visto que este representa a garantia de satisfação de direitos, o Código restringe sua legitimidade para promover o arrolamento cautelar apenas aos casos em que tenha lugar a arrecadação de herança (art. 856, § 2º), isto é, nos casos de herança jacente (art. 1.142)".

5 - Finalidade

- Citando o alagoano Pontes de Miranda, Humberto Theodoro Jr.[11] diz que:

"O arrolamento destina-se a preservar os bens sobre que incide o interesse da parte. É medida puramente cautelar.
Não realiza a separação preventiva de bens, figura conhecida do direito português, mas inexistente em nosso ordenamento jurídico. Tampouco serve para dirimir questões controvertidas sobre fraude ou desvio de bens já perpetrados pelo promovido.
Essas divergências só poderão ser solucionadas por vias contenciosas ordinárias.
Atinge apenas coisas corpóreas de valor econômico, móveis ou imóveis. O documento puro e simples não está abrangido pelo alcance da medida; mas os documentos que representam valores econômicos em si, como os títulos de crédito, podem ser arrolados". (grifo nosso)

- Paulo Afonso Garrido de Paula[12] acerca da finalidade da ação cautelar de arrolamento de bens ensina:

"Deflui do dispositivo que o interesse do requerente consiste na conservação de bens, prevenindo extravio ou dissipação. Quem conserva resguarda algo de dano, de modo que a pretensão deve fundar-se em utilidade que possa o requerente retirar da coisa, indicando a titularidade de direito subjetivo cuja consistência dependa da existência ou da integridade dos bens".

- E continua o jurista Paulo Afonso Garrido de Paula[13] com os tópicos "fumus boni juris" e "interesse de credor", relacionados com a finalidade do arrolamento de bens:

"Como toda cautelar genuína, contenta-se o legislador com a plausibilidade do direito invocado, de sorte que o requerente não precisa demonstrar nem o juiz deve dispor a respeito da existência/inexistência do direito cuja consistência dependa da conservação dos bens.
Essa é a razão da menção ao direito que deva ser declarado em ação própria, indicando também a possibilidade da medida quando o fundamento da conservação ainda dependa de reconhecimento judicial em ação própria. É o caso, por exemplo, do arrolamento preparatório de uma ação de reconhecimento de uma sociedade de fato, do qual poderá redundar em meação patrimonial".

"Ao restringir o pedido de arrolamento cautelar do credor nos casos em que tenha lugar a arrecadação da herança o legislador circunscreveu a providência aos casos de herança jacente, conforme prescrição do art. 1.142 do CPC. A defesa de crédito líquido e certo, ainda que não exigível, faz-se mediante cautelar de arresto, enquanto aquele cujo crédito dependa de constituição por sentença poderá vale-se [SIC] de cautelar inominada visando à indisponibilidade patrimonial. Se o direito é sobre a coisa, objeto litigioso de ação judicial iniciada ou ainda por iniciar, a medida adequada é o seqüestro". 

6 - Procedimento

- Humberto Theodoro Jr.[14], citando Sérgio Sahione Fadel, assevera que:

"O arrolamento corre em autos próprios, seja como medida preparatória ou como incidente da ação principal, dando-se o apensamento sempre que possível (art. 809).
A petição inicial deve atender, além dos requisitos comuns (arts. 282 e 801), aos do art. 857, isto é, a exposição:
I – do seu direito aos bens ou seu interesse sobre eles; e
II – dos fatos em que se funda o receio de extravio ou de dissipação dos bens.
Deferida a inicial, o juiz permitirá que o requerente justifique unilateralmente seu receio de prejuízo, o que pode ser feito documentalmente ou através de outras provas em audiência.
Se as circunstâncias não revelarem maior perigo de frustração da medida, o juiz determinará a citação do possuidor ou detentor dos bens, para pronunciar-se, em cinco dias (arts. 803 e 858, parágrafo único).
Convencendo-se, porém, de que o interesse do requerente corre sério risco, o arrolamento será liminarmente deferido (art. 858).
No ato de decretar a medida, seja liminarmente, seja após a ouvida do promovido, o juiz desde logo nomeará depositário para encarregar-se do arrolamento.
Se não houver inconveniente sério, a nomeação de preferência deve recair sobre a pessoa do possuidor dos bens, mormente nos casos de cabeça-de-casal em causas de família.
O depositário – seja o possuidor, seja um terceiro – prestará compromisso e passará a ter a guarda dos bens no exercício de uma função pública, sob as ordens do juiz do feito.
O arrolamento, malgrado sua aproximação do sistema português, deve ser aplicado entre nós como medida mais branda do que o seqüestro, de modo que não se deve impedir ou restringir desnecessariamente o exercício dos atos normais de administração do possuidor transformado em depositário.
A lavratura do auto de arrolamento caberá ao depositário, que fará constar dele a descrição minuciosa de todos os bens e o registro de quaisquer ocorrências que tenham interesse para sua conservação (art. 859).
Para cumprimento da diligência, será expedido mandado judicial, e um oficial de justiça acompanhará o depositário e efetuará a apreensão de todos os bens, intimando o promovido a não oferecer resistência ou obstáculo, e os entregará ao depositário.
Se os bens forem daqueles que exigem não só a guarda, mas também atos de gestão do depositário (empresas, semoventes, plantações etc.), e se o depositário não for o antigo possuidor, caberá a ele traçar um plano de administração e submetê-lo à aprovação do juiz.
Qualquer ato de disposição dos bens arrolados ou de seus frutos dependerá sempre de prévia anuência judicial.
O arrolamento deve quanto possível iniciar e terminar no mesmo dia. Mas, se isso não for possível, o oficial de justiça e o depositário colocarão selos ou lacres nas portas da casa ou nos móveis em que estejam os bens, continuando no dia seguinte a diligência. O Código fala em dia que for designado, mas, dada a urgência da medida, deve ser sempre o dia seguinte, se útil.
O arrolamento, quando necessário, não deve ser deliberado por conta própria pelo oficial de justiça e depositário. O obstáculo deve ser levado ao conhecimento do juiz, que autorizará o arrombamento e requisitará a força policial quando isso for indispensável". 

- Paulo Afonso Garrido de Paula[15] sobre os dispositivos procedimentais relativos ao arrolamento de bens, leciona:

“Art. 857 - Na petição inicial exporá o requerente:

I – o seu direito aos bens;
II – os fatos em que funda o receio de extravio ou de dissipação dos bens.

Petição inicial: Dispositivo complementar ao art. 801 do CPC, esclarecedor de que a causa de pedir cautelar (direito ameaçado e o receio de lesão) está relacionada ao arrolamento, no direito aos bens (causa remota) e na possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação em razão do receio de extravio ou dissipação dos bens (causa próxima)".

Art. 858 - Produzidas as provas em justificação prévia, o juiz, convencendo-se  de que o interesse do requerente corre sério risco, deferirá a medida,  nomeando depositário dos bens.

Parágrafo único - O possuidor ou detentor dos bens será ouvido se a audiência não comprometer a finalidade da medida.

Audiência de justificação prévia: A audiência de justificação prévia somente deverá ser designada havendo pedido de liminar inaudita altera parte e se o requerente não trouxer, com a petição inicial, prova pré-constituída da urgência urgentíssima e da indispensabilidade de surpresa ao requerido. 

Liminar cautelar de arrolamento: O deferimento de liminar de arrolamento, com ou sem audiência de justificação prévia, impõe pedido expresso do requerente ante à possibilidade objetiva por perdas e danos derivada do art. 811 do CPC. Não havendo pedido de liminar, o requerido deverá ser citado nos termos do art. 802 do CPC.

Depósito dos bens: A menção ao depositário dos bens revela que o arrolamento consiste na apreensão material dos bens, provocando desapossamento material ou jurídico. Material, quando os bens saem da esfera de fruição de seu possuidor e jurídico quando se verifica a transformação do possuidor em mero detentor, em caso de sua nomeação como depositário. Necessário aduzir que a apreensão judicial que é ínsita  ao arrolamento vem também expressa no art. 1.046 do CPC, quando da previsão dos embargos de terceiro.

Procedimento: À falta de regras especiais de rito, tirante as relacionadas ao conteúdo da causa de pedir, o arrolamento reclama o procedimento cautelar comum amplo, disciplinado nos arts. 801, 802, 803 e 804 do CPC"[16].

Art. 859 - O depositário lavrará auto, descrevendo minuciosamente todos os bens e registrando quaisquer ocorrências que tenham interesse para sua conservação.

Auto de arrolamento: O auto deverá observar o que dispõe o CPC a respeito da penhora (art. 665), de modo que deverão estar presentes: (a) a indicação de dia, mês, ano e lugar onde foi feito; (b) os nomes do requerente e requerido; (c) a descrição minuciosa dos bens, com todos os seus característicos, permitindo a perfeita individualização; (d) a nomeação do depositário dos bens"[17].

Art. 860. Não sendo possível efetuar desde logo o arrolamento ou concluí-lo no dia em que foi iniciado, apor-se-ão selos nas portas da casa ou nos móveis em que estejam os bens, continuando-se a diligência no dia que for designado.

"Execução do arrolamento: Esclarece o dispositivo a necessidade de lacração do local onde se encontram os bens ainda não arrolados (e conseqüentemente não depositados nas mãos do depositário), permitindo a suspensão do ato processual. Não raras vezes a medida exige prévia busca e apreensão, mera providência de execução que não se confunde com cautelar autônoma. Entregue os bens ao depositário lavrar-se-á o auto correspondente, passando a partir daí o depositário a responder pela conservação dos bens apreendidos"[18]. 

7 - Questões específicas

7.1 - Diferença entre arrolamento de bens, arresto e seqüestro

- O procedimento do arrolamento de bens se difere do procedimento do arresto e do seqüestro, que fique bem claro. 

- À concessão do arresto exige a lei a prova literal da dívida líquida e certa ou a prova documental ou justificação de algum dos casos que menciona (art. 813 do CPC), equiparando-se à prova literal da dívida líquida e certa a sentença, líquida ou ilíquida, pendente de recurso, condenando o devedor ao pagamento de dinheiro ou de prestação que em dinheiro possa converter-se, segundo o art. 814 do CPC.

- O art. 856, caput, do CPC, se contenta que o requerente do arrolamento de bens demonstre – fundado na "fumaça do bom direito" e no "perigo da demora" – o mero interesse na conservação dos bens, não exigindo a liquidez do direito invocado (liquidez do direito material que alega possuir em face do requerido). O que importa para o requerente, portanto, é a conservação destes bens, ainda que não prove o direito líquido e certo que tem sobre eles.

- Importa para o requerente do arrolamento, a necessidade de se acautelar eventual dilapidação que estes bens podem representar se o  provável devedor consumar negócio jurídico destes com terceiros.

- O mesmo vale para o seqüestro, que invoca para si normas gerais do arresto naquilo em que o Código não disse. Deveras, o § 1º do art. 856 diz que o interesse do requerente pode resultar de direito já constituído ou que deva ser declarado em ação própria. Daí o contentamento, menos rigoroso à concessão do arrolamento, de que não haja, ao contrário do arresto/seqüestro, prova literal da dívida líquida e certa, prova documental ou justificação de algum dos casos mencionados no art. 813, e, não só, que haja anterior peleja judicial entre o requerente e requerido sobre os bens indicados na petição inicial da cautelar de arrolamento.

7.2 - Natureza jurídica do arrolamento de bens

- A ação de arrolamento de bens se trata de medida cautelar propriamente dita, pura ou genuína.

No mesmo sentido, Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira[19], citando Athos Gusmão Carneiro, Teori Albino Zavascki, Luiz Guilherme Marinoni, Cândido Rangel Dinamarco, Humberto Theodoro Jr., Joaquim Felipe Spadoni, Jean Carlos Dias e Luiz Gustavo Tardin, representando, talvez, boa parte dos processualistas da nova geração:

"A Lei Federal n. 10.444/2002 acrescentou o § 7º ao art. 273 do CPC, imprimindo nova revolução na técnica de concessão das chamadas tutelas provisórias  de urgência. Consagrou-se a fungibilidade das medidas urgentes (cautelar e antecipada). As medidas cautelares e antecipatórias, com já dito, são técnicas processuais distintas, embora possuam mesma função – abrandar os males do tempo. A doutrina já extremara, com razoável precisão, a distinção entre uma e outra.
Este parágrafo, ao aceitar a possibilidade de confusão entre as tutelas cautelar e antecipatória, frisa a diferença entre ambas. Isto, por uma razão de lógica básica: somente coisas distintas podem ser confundidas’.
Sucede que essa distinção, hoje consagrada, perdeu a sua utilidade prática, embora permaneça incólume no plano doutrinário. Acabou a discussão. Todas aquelas situações-limite, nas quais o magistrado hesitava no momento da concessão da medida, por não saber ao certo se exigia a prova inequívoca ou a ‘simples fumaça do bom direito’, estão resolvidas. Aquelas lacônicas decisões que negavam a antecipação da tutela, por tratar-se de provimento cautelar, não mais se justificam.
O legislador, no dispositivo citado, admitiu a fungibilidade de pedidos, ‘no sentido de que nominalmente postulada uma daquelas medidas, ao juiz é lícito conceder a tutela a outro título’. Admite-se, pois, a possibilidade de concessão de provimento cautelar fora do âmbito do processo cautelar.
É possível agora, sem mais qualquer objeção doutrinária, a concessão de provimentos cautelares no bojo de demandas de conhecimento. Não há mais necessidade de instauração de um processo com objetivo exclusivo de obtenção de um provimento acautelatório: a medida cautelar pode ser concedida no processo de conhecimento, incidentalmente, como menciona o texto legal.
A redação do dispositivo é bastante clara:
Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado’.
Acolheu-se quase que literalmente a sugestão de Humberto Theodoro Jr.:
Não se deve, portanto, indeferir tutela antecipada simplesmente porque a providência preventiva postulada se confundiria com medida cautelar, ou rigorosamente, não se incluiria, de forma direta, no âmbito do mérito da causa. Havendo evidente risco de dano grave e de difícil reparação, que possa, realmente, comprometer a efetividade da futura prestação jurisdicional, não cometerá pecado algum o decisório que admitir, na liminar do art. 273 do CPC, providências preventivas que, com mais rigor, deveriam ser tratadas como cautelares. Mesmo porque as exigências para o deferimento da tutela antecipada são maiores do que as da tutela cautelar’.
Perceba-se que os requisitos para a concessão dessa medida cautelar são os mesmos exigidos para a medida cautelar requerida via processo cautelar (art. 804, CPC) – já que o texto legal refere-se aos ‘respectivos requisitos’. Não está o autor em qualquer situação de ‘desvantagem processual’ ao requerer a providência por esta forma – poderia ser alegada uma maior ‘dificuldade’ na sua obtenção, na medida em que o magistrado talvez exigisse o preenchimento dos requisitos pertinentes à tutela antecipada, sabidamente mais rigorosos.
Ao contrário. O legislador permitiu a concessão da medida cautelar no próprio processo de conhecimento, uma vez preenchidos os seus requisitos (perigo da demora e fumaça do bom direito). Com isso, está dispensado o requerente de todos os ônus inerentes a um processo autônomo: petição inicial, custas, réplica, provas, recursos etc. Libera-se o Poder Judiciário das tarefas de processar e decidir um outro processo – aliás, a praxe já demonstrava que os magistrados julgavam as demandas de conhecimento e cautelar em uma mesma decisão.
O processo de conhecimento, que com as reformas de 1994 e 2005 já recebeu grandes doses de efetivação e asseguração (a própria antecipação da tutela, que possui funções executivas e de segurança), com essa mudança continuou caminhando para a plenitude do sincretismo das funções jurisdicionais: na própria relação  jurídica processual com função cognitiva, podem ser alcançadas a tutela cautelar e a tutela executiva.
Observando-se o quadro de mudanças legislativas, pode-se tranqüilamente identificar uma tendência inexorável de nossa legislação: a unificação dos ‘processos’. Com o claro objetivo de acabar com a vetusta exigência de que, para cada função jurisdicional, uma relação jurídica processual autônoma, transforma-se a relação  jurídica processual de conhecimento, que passa a ter a característica da ‘multifuncionalidade’.
Para alguns autores, além dos requisitos gerais para a concessão da tutela cautelar – fumus boni iuris e periculum in mora -, um outro deve ser preenchido para que tenha aplicabilidade a regra da fungibilidade. Para que "a" [acrescentamos] cautelar seja deferida, mediante requerimento de tutela antecipada, é necessário que haja dúvida fundada e razoável quanto à sua natureza, dizem. Ou seja, só é permitida a aplicação do dispositivo em hipóteses excepcionais, quando subsistir fundada incerteza sobre qual a medida de urgência correta e adequada para o caso. Fica excluída, a medida, se a parte incorreu em erro grosseiro. É o que pensa, por exemplo, Luiz Guilherme Marinoni. Joaquim Felipe Spadoni, malgrado reconheça que essa exigência não consta na lei, afirma que ‘a demonstração dos requisitos se impõe, sob pena de se permitir o uso abusivo e de má-fé de pedidos de antecipação de tutela supostamente equivocados’.
Assim, com base nesse entendimento, há quem repudie, por exemplo, a concessão de cautelar típica em sede de processo de conhecimento.
Parece-nos, porém, que não está correto esse pensamento. Em primeiro lugar, o pressuposto não consta do texto normativo, não sendo lícito criá-lo, por analogia ao sistema da fungibilidade dos recursos, sem uma razão séria a justificar a adequação. Em segundo lugar, a tendência de transformação de um mesmo processo em ambiente propício para a concessão de qualquer modalidade de tutela jurisdicional, ao lado de ser providência reclamada pela doutrina, parece hoje realidade normativa incontestável, sendo, pois, um dado a ser levado em consideração, que revela o ‘ânimo’ da reforma: facilitar a concessão de providências urgentes. Em terceiro lugar, exigir esse pressuposto é criar mais um problema a ser solucionado pela jurisprudência: o que ‘é dúvida razoável’? A concessão da tutela provisória terá mais um obstáculo a superar e a reforma, que veio para eliminar discussões teóricas, terá criado mais uma... Em quarto lugar, a interpretação revela um excesso de formalismo, dificultando a ‘fungibilidade’, técnica de aproveitamento que está sobretudo após levar-se em conta que, nestes casos, o juiz estará diante de uma situação de urgência".

- Mais conservadores, menos radicais, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart46, em obra coletiva, dizem que:

"O § 7.º do art. 273 não supõe a identidade entre tutela cautelar e tutela antecipatória ou afirma que toda e qualquer tutela cautelar pode ser requerida no processo de conhecimento. Ao contrário, tal norma, partindo do pressuposto de que, em alguns casos, pode haver confusão entre as tutelas cautelar e antecipatória, deseja apenas ressalvar a possibilidade de se conceder tutela urgente no processo de conhecimento nos casos em que houver dúvida fundada e razoável quanto à sua natureza (cautelar ou antecipatória).

De qualquer forma, como o raciocínio acima empregado, ao concluir pela admissão da concessão de tutela de natureza antecipatória ainda que tenha sido solicitada ‘cautelar’, parte da premissa de que é possível requerer tutela cautelar no processo de conhecimento, cabe uma explicação. Em 1991, quando defendemos na PUC/SP dissertação de mestrado que foi intitulada Tutela cautelar e tutela antecipatória, concluímos que a tutela cautelar poderia ser requerida no processo de conhecimento. Nessa ocasião, fizemos a distinção entre medida cautelar e processo cautelar, demonstrando que a incoação  do processo cautelar somente seria necessária quando aquele que buscasse a tutela precisasse melhor elucidar os fatos, necessitando produzir prova mais elaborada [a tese é de Luiz Guilherme Marinoni].

Em outros termos: existindo fato que pode ser demonstrado por meio de documento, a tutela pode ser requerida no próprio processo de conhecimento. Havendo necessidade de os fundamentos da tutela cautelar serem demonstrados através de instrução mais aprofundada, há que ser proposta ação cautelar e instaurado o respectivo processo, onde será levada a efeito a prova destinada a demonstrar seus requisitos típicos.

Contudo, o fato de ser possível pedir tutela cautelar no processo de conhecimento não tem relação direta com a possibilidade de concessão de tutela antecipatória ainda que tenha sido solicitada cautelar, ou com idéia de fungibilidade (presente no art. 273, § 7.º). A concessão de tutela antecipatória no caso em que houver sido pedida cautelar somente é possível em hipóteses excepcionais, ou seja, quando for razoável e fundada a dúvida em relação à correta identificação da tutela urgente".



Referências

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Saraiva, 2013.

BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 08 fev. 2015.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: . Acesso em: 08 fev. 2015.

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ALVIM, Eduardo Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 15.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

AMORIM, Sebastião Luiz e outro. Inventários e Partilhas, Direito das Sucessões, Teoria e Prática, Antes e depois do Novo Código Civil, 17ª ed., Leud, SP, 2004.

ARAUJO JÚNIOR, Gediel Claudino de. Prática no processo civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

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[1] OLIVEIRA, Euclides Benedito e outro. Inventários e Partilhas, Direito das Sucessões, Teoria e Prática, Antes e depois do Novo Código Civil, 17ª ed., Leud, SP, 2004, p.455.
[2] AMORIM, Sebastião Luiz e outro. Inventários e Partilhas, Direito das Sucessões, Teoria e Prática, Antes e depois do Novo Código Civil, 17ª ed., Leud, SP, 2004, p.455.
[3] Ob Cit. p.453/457.
[4] Ob Cit. p.453/457.
[5] JÚNIOR, Humberto Theodoro. Processo Cautelar, 21ª ed., Leud, SP, 2004, p.365/366.
[6] PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Código de Processo Civil interpretado, coordenador Antonio Carlos Marcato, Atlas, SP, 2004, p.2314.
[7] JÚNIOR, Humberto Theodoro. Processo Cautelar, 21ª ed., Leud, SP, 2004, p.366/367.
[8] PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Código de Processo Civil interpretado, coordenador Antonio Carlos Marcato, Atlas, SP, 2004, p.2314.
[9] Art. 267, VI, do CPC, na redação da Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005, que instituiu o processo sincrético ou módulo processual único.
[10] JÚNIOR, Humberto Theodoro. Processo Cautelar, 21ª ed., Leud, SP, 2004, p.368.
[11] JÚNIOR, Humberto Theodoro. Processo Cautelar, 21ª ed., Leud, SP, 2004, p.367/368.
[12] PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Código de Processo Civil interpretado, coordenador Antonio Carlos Marcato, Atlas, SP, 2004, p.2315.
[13] PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Código de Processo Civil interpretado, coordenador Antonio Carlos Marcato, Atlas, SP, 2004, p.2315.
[14] JÚNIOR, Humberto Theodoro. Processo Cautelar, 21ª ed., Leud, SP, 2004, p.369/370.
[15] PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Código de Processo Civil interpretado, coordenador Antonio Carlos Marcato, Atlas, SP, 2004, p.2315.
[16] PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Código de Processo Civil interpretado, coordenador Antonio Carlos Marcato, Atlas, SP, 2004, p.2316.
[17] PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Código de Processo Civil interpretado, coordenador Antonio Carlos Marcato, Atlas, SP, 2004, p.2316.
[18] PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Código de Processo Civil interpretado, coordenador Antonio Carlos Marcato, Atlas, SP, 2004, p.2317.
[19] JUNIOR, Fredie Souza Didier. Curso de Direito Processual Civil, Teoria geral do processo e processo de conhecimento, editora JusPODIVM, v. 1, Salvador/Bahia, 2007, p.520/523.

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