O sistema de divisão de função impede que o órgão de um poder exerça as
atribuições de outro, de modo que a Prefeitura não pode legislar, como também a
Câmara não pode ter função específica do Poder Executivo. No Direito
brasileiro, o vício da lei, por usurpação de iniciativa, é causa de nulidade,
por inconstitucionalidade formal.
Com o fundamento de vício de iniciativa e de violação do pacto
federativo, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo julgou
inconstitucional a Lei 2483-A/2010, do município de São Vicente, no litoral paulista.
A norma obrigava supermercados a substituir as sacolas plásticas convencionais
por embalagens biodegradáveis.
A lei ainda determinava prazo de 30 dias para as empresas se adequarem a
regra e, no caso de descumprimento, previa multa de R$ 1,5 mil que seria
aplicada em dobro no caso de reincidência. O projeto de lei foi apresentado por
um vereador, aprovado pela Câmara Municipal e sancionado pelo prefeito.
A tese vencedora encontrou resistência. Por quinze votos a seis,
prevaleceu o entendimento do desembargador Samuel Júnior, relator do
recurso.“Quando o Parlamento, portanto, edita, por sua iniciativa, lei cuja
matéria é reservada ao Poder Executivo, o ato será nulo, por vício de
inconstitucionalidade formal”, afirmou o relator.
Para o desembargador Samuel Júnior, ao propor a norma, a
Câmara de Vereadores editou ato que gera obrigação e deveres para os órgãos
executivos do Município e, com isso, deixou de observar a iniciativa de lei
reservada ao prefeito, contrariando regras do estado de São Paulo e da
Constituição Federal.
“A falta de iniciativa, quando se trata de competência reservada, não
pode ser convalidada pela sanção, do mesmo modo que o projeto de lei votado sem
quorum”, justiçou o desembargador Samuel Júnior. Segundo o relator, o vício de
origem opera ex nunc (desde agora), não podendo o ato de sanção
confirmar esse erro.
O desembargador Renato Nalini capitaneou a divergência. Ele considerou
que a defesa de um meio ambiente saudável não permite o apego a esse tipo de
formalismo. No entendimento de Nalini, é certo que a lei questionada goza de
legitimidade, exatamente por ter sido decorrência de uma política municipal de
defesa do meio ambiente. Ainda segundo o desembargador, a legitimidade da norma
também deve prevalecer por esta [a lei] se inserir em um amplo plano de medidas
que encontram fundamento na defesa do interesse das presentes e futuras
gerações.
“Dessa maneira, emerge cristalino que a força legitimadora da ação do
Estado – aqui através da figura do Município – no plano de uma democracia
participativa com fundamento discursivo e dialógico – é instrumento hábil a
afastar a incidência de principiologia ultrapassada acerca da
constitucionalidade da lei questionada”, completou.
O tribunal acabou atendendo pedido do Sindicato da Indústria de Material
Plástico do Estado de São Paulo. Por quinze votos a seis, a corte paulista
entendeu que a lei de São Vicente era inconstitucional por vício de iniciativa
(no lugar de ser proposta pelo Executivo, partiu de provocação da Câmara de Vereadores)
e violava o pacto federativo.
“A iniciativa de matérias reservadas ao Poder Executivo não pode ser
suprida por membro do Poder Legislativo, naquilo que se denomina usurpação de
iniciativa. Mesmo quando a autoridade responsável pela sanção em vez de vetar o
projeto de lei, demonstrar sua aprovação, seja expressa ou tacitamente, não
estaria convalidando a iniciativa, ou seja, não estaria tornando válido o ato
usurpador”, afirmou em seu voto o desembargador Samuel Júnior.
Fernando Porfírio é repórter da revista Consultor Jurídico
Revista Consultor Jurídico, 28 de julho de 2011
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