Por Roberto Cabral Borges. Biólogo e Mestre em Ecologia, Analista Ambiental do
IBAMA e Anderson Luis do Valle Biólogo e Mestre em Psicobiologia, Analista
Ambiental do IBAMA
A criação
amadorista de Passeriformes tem sua origem histórica com a edição da Lei nº
5.197/67 que determinou em seu Art. 1o que "Os animais de quaisquer
espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora
do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e
criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua
utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha".
De tal
forma, a partir de 1967, a captura de animais na natureza e sua conseqüente
manutenção em cativeiro passou a ser considerado crime. No entanto, ainda havia
a questão do que fazer com os animais silvestres que antes de 1967 haviam sido
capturados e eram mantidos nas residências. Considerando que a Lei somente pode
retroagir em favor do réu (art. 5º XL da Constituição Federal), as pessoas que
os detinham sob sua guarda não poderiam ser penalizadas pela nova Lei.
Precisava-se, entretanto, diferenciar estes casos de novos atos de captura e,
em 1972 o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) editou a
Portaria n° 3.175 determinando que aqueles que mantinham criadouro de aves,
pássaros e animais da fauna de origem indígena, bem como aquelas que se
dedicassem, sem objetivo comercial, a criação de aves, deveriam se registrar no
IBDF e obter concessão de registro – começa aqui a criação amadorista de
animais silvestres da fauna nativa. Todavia, ao editar a Portaria o IBDF
cometeu um erro jurídico quando determinou que os pássaros pudessem doravante
continuar cativos, assim como os filhotes que viessem a ter. Considerando que
os passarinhos não constituem sujeitos de direito, e sim seus donos, apenas
estes poderiam ser agraciados com a irretroatividade da Lei. Desta forma, a
correta interpretação da lei deveria ser: enquanto perdurar a vida das pessoas
que na data da entrada em vigor da Lei n° 5.197/67 possuíssem passarinhos,
estas teriam o direito de ter estes animais, bem como as crias destes. Sendo
este direito intransferível. Desse modo, com o passar do tempo, o número de
animais cativos oriundos desta situação deveria diminuir. Mas a errônea
interpretação da Lei, desde 1972, tem permitido a transferência destes animais
e o ingresso de novos criadores. Isto contraria, inclusive, outro dispositivo
da Lei n° 5.197/67 que concerne aos criadouros comerciais a única forma pela
qual, após 1967, uma pessoa poderia adquirir espécimes da fauna silvestre
nativa.
Devido a uma
série de irregularidades cometidas por vários clubes e federações (que detinham
o controle dos criadores), em 2001 o Ministério Público determinou que o Ibama
retomasse o controle da atividade. Este controle foi retomado por meio de um
recadastramento e um sistema informatizado, o Sispass. Porém, o Ibama manteve o
erro jurídico do IBDF e autorizou (inclusive via internet) a entrada de novos
criadores.
Os problemas
advindos desta autorização se refletem no fato de que de 1972 a 2002 quando
houve o recadastramento foram contabilizados 70.970 criadores amadoristas de
Passeriformes, e de 2003 até dezembro de 2005, com a atuação do IBAMA, 108.453
novos criadores se registraram. Fato, no mínimo curioso, pois em 30 anos
existiram cerca de 70.000 criadores e em apenas três anos ocorreu um aumento
que ultrapassou 100%. Tal fato se torna ainda mais preocupante pelo fato de
várias unidades do Ibama constatarem que diversos novos criadores se tratam, na
verdade, de “laranjas”.
Além disso,
há o fato da incômoda coincidência quanto às espécies mais criadas pelos
criadores amadoristas serem aquelas mais traficadas (Nicácio, 2005). A se
considerar que a criação comercial objetivaria substituir os animais do tráfico
por aqueles legalizados, qual seria o interesse dos criadores em espécies
comuns? Se a atividade estava regulamentada desde 1972 e que não havia e ainda
não existem empecilhos ao ingresso de novos criadores é curioso que o tráfico
incida sobre as mesmas espécies que são criadas e podem, portanto, ser
adquiridas de forma legal. Além disso, mais de 40 anos se passaram e, portanto,
não deveria a pressão do tráfico sobre as espécies mais criadas ter diminuído?
Outra
questão problemática com o segmento se refere à venda de anilhas, na verdade
registros, pela internet. Este ilícito funciona da seguinte forma: quando
ocorreu o recadastramento alguns criadores informaram a existência de pássaros
e suas respectivas anilhas, porém os animais não existiam. Assim, estas
supostas anilhas foram cadastradas no sistema e hoje são comercializadas
ilegalmente pela internet objetivando regularizar aqueles animais capturados na
natureza. As anilhas ou registros que possuem maior valor são aquelas que foram
feitas pelos clubes e federações, pois as entregues pelo Ibama seguem um padrão
mais rígido quanto ao diâmetro interno e com isso dificulta o anilhamento de
pássaros adultos capturados na natureza. Apesar disso, já existem relatos de
pessoas que falsificam também as anilhas do Ibama.
Além disso,
vários pássaros são apreendidos com patas quebradas, e falanges que depois de
quebradas cicatrizam de forma errada. Passarinheiros usam este método para
colocar anilhas em pássaros adultos retirados da natureza. Tais ocorrências são
extremamente comuns nas apreensões do Ibama e de conhecimento generalizado
entre os criadores. Também encontramos relatos de passarinheiros usando o
método de descalcificar os ossos do pé da ave colocando-o imerso em uma solução
ácida por 24 horas.
É importante
ressaltar que a sociedade tem se revoltado com a situação do tráfico de
passeriformes no país, cobrando maiores esforços da fiscalização. O número de
denúncias feitas ao Linha Verde, o sistema de denúncias do IBAMA, em 2006 envolvendo
fauna correspondem a cerca de 45% de todas as denúncias do Ibama, e deste
percentual, aquelas envolvendo cativeiro de fauna representam 64,2% (2.062).
Destas, a maioria envolvem pássaros em cativeiro.
Uma
abordagem do vulto das negociações praticadas pode ser observada em uma visita
ao sítio eletrônico http://inforum.insite.com.br/1905/?forum=1905&limit=0&max_msg=28&sort=.
Nele foram localizadas, até a data de 12 de janeiro de 2007, 1006 mensagens
relacionadas a compra e venda de anilhas, e no site http://inforum.insite.com.br/4108/, outras 503
mensagens envolvendo troca e venda de aves por particulares, venda de anilhas
do Ibama, venda de registros de aves que já morreram, contatos com caçadores de
aves e demais negociações criminosas que envolvem criadores amadoristas.
Ressalta-se ainda, que este é apenas um dos fóruns de discussão da internet.
Por fim, a
verba destinada ao combate ao tráfico está muito aquém do necessário. Embora
exista a preocupação Ministerial e também da sociedade quanto ao tráfico de
animais silvestres, a quantia de 500 mil reais destinada ao IBAMA com rubrica
para a fiscalização de assuntos relacionados à fauna em 2004 diminuída para 395
mil reais em 2005 e para 150 mil reais em 2006 não foram suficientes. Esta
situação impede o combate ordenado ao tráfico de animais silvestres e, as ações
efetivas resultantes foram desencontradas e pontuais não surtindo efeitos mais
expressivos. Um levantamento da Divisão de Fiscalização da Fauna da Coordenação
Geral de Fiscalização/DIPRO precisou ser necessário recursos da ordem de R$
2.800.000,00 apenas para o atendimento ao básico das demandas relacionadas à
fauna. Assim, sem um montante mais expressivo para o combate aos ilícitos de
fauna, de forma a se conseguir planejar ações nacionais e coordenadas, o
tráfico continuará a vicejar no País.
Medidas
alternativas têm sido feitas. Entre elas o novo modelo de anilhas para
pássaros. Estas possuem sistema eletrônico de identificação, não podendo ser
limadas, alargadas ou adulteradas, e permitem o registro de diversas
informações sobre a ave. Outro método de controle têm sido o sistema “Delivery”de
entrega de anilhas, pela qual um agente do IBAMA visita a propriedade do
interessado em receber anilhas das aves silvestres nascidas em cativeiro
confirmando a existência dos filhotes. Ambos sistemas entram em vigor em 2009.
Porém,
diante do cenário atual, para atender à demanda da sociedade e diminuir a
prática dos crimes de tráfico e criação ilegal envolvendo aves, existem outras
considerações que poderiam melhorar a questão do combate ao tráfico no país
respaldando, inclusive, o engajamento do Brasil na Campanha Internacional de
Combate ao Tráfico de Animais Silvestres.
A primeira
alteração deveria ser no Art. 29 da Lei n° 9.605 de 1998 que não distingue
criadores, traficantes nacionais e traficantes internacionais. Para que as
ações de fiscalização sejam eficientes é imprescindível que a legislação
diferencie estes três níveis de criminosos, atribuindo àqueles cujas evidências
apontam como traficante, penas de prisão de no mínimo 3 anos. Seria importante
também que, com base na ausência de respaldo legal para registros dos criadores
amadoristas, que eles fossem interrompidos, e por último, um aumento
significativo dos recursos destinados à proteção da fauna.
Referências
NICÁCIO, V. L. T. D. 2005. A criação de passeriformes silvestres em cativeiro e seu controle pelo órgão ambiental. Monografia. Instituto Científico de Ensino Superior e Pesquisa. UnICESP. 31pp.
NICÁCIO, V. L. T. D. 2005. A criação de passeriformes silvestres em cativeiro e seu controle pelo órgão ambiental. Monografia. Instituto Científico de Ensino Superior e Pesquisa. UnICESP. 31pp.
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Entraves jurídicos, políticos e econômicos para a Abolição dos pássaros cativos brasileiros publicado Ontem por Anderson do Valle em http://www.webartigos.com
Entraves jurídicos, políticos e econômicos para a Abolição dos pássaros cativos brasileiros publicado Ontem por Anderson do Valle em http://www.webartigos.com
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