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AULA DIREITO PRIVADO. O PÚBLICO E O PRIVADO (PARTE II)

2. Propriedade

☞ Tradicionalmente se conceitua a propriedade como um feixe de poderes, distribuído nos direitos de uso, gozo, disposição e reivindicação de uma coisa. A definição corresponde ao modelo romano, centrado nas idéias do jus utendi, fruendi et abutendi.

☞ Graças ao esforço do juscivilismo francês, destacando-se a obra de LOUIS JOSSERAND, cuja grande contribuição nesse campo repousa na teoria do abuso do direito, exposta em De l’Esprit des droits et de leur relativité e, mais tarde, em Cours de Droit Civil Positif Français. Na visão de JOSSERAND, o direito de propriedade não pode ser exercido à discrição do titular, pois encontra limites no direito de terceiros. A propriedade tende, dessa forma, a encher-se de altruísmo e a converter-se no centro de obrigações positivas, despojando-se de seu caráter absoluto e estático para situar-se como um direito relativo e dinâmico.
☞ Reconhecendo na propriedade uma faculdade individual, JOSSERAND entende-a limitada, porque seu exercício há de estar condicionado à observância dos interesses alheios. Exercendo-a contra esses interesses, o titular estaria a praticar o abuso, porque seus atos excederiam os limites pelos quais o direito lhe foi reconhecido pela coletividade. Dentre os abusos, menciona o da extração de água do subsolo, de modo a interromper o fluxo nos imóveis vizinhos.

☞ Outra corrente a sustentar a funcionalização da propriedade parte de LÉON DUGUIT, em cuja obra Les Transformations Générales du Droit Privé Français dépuis le Code Napoléon, publicada em 1912, encontram-se as sementes de fundo jurídico que iriam determinar a opção pelo modelo social.

☞ Quando foram concebidas, as teorias da função social tiveram em conta as riquezas agrárias. Não se detiveram a examinar outras importantes irradiações do domínio, como as relações entre proprietário e trabalhadores e os recursos naturais, assim como não se estenderam à propriedade urbana. Com o correr do tempo, porém, novas limitações foram sendo impostas em favor da coletividade, sendo as mais recentes as relativas ao meio ambiente. Logo, não só a significação do direito de propriedade é fruto de uma lenta transformação, como a própria extensão do princípio da função social vem evoluindo neste século.

3. Família

☞ Os olhos com que hoje se vê família são significativos da interpenetração entre os ramos do Direito.

☞ Houve um tempo, não muito distante na verdade, em que a instituição familiar se organizava em torno de duas idéias: a preponderância do marido na administração do lar e o casamento como sua fonte exclusiva.
☞ Agora, os textos legislativos não só aboliram a "chefia" da sociedade conjugal, como também prevêem outras organizações familiares, como a convivência e o monoparentesco. Essa nova visão tem duplo significado: primeiro, atende ao princípio da igualdade material entre os cônjuges; segundo, reconhece a afeição, e não o formalismo, como causa justificadora da organização familiar.

☞ O Código de 2002 não se furtou a essas orientações. No tocante à isonomia no lar, observam-se dispositivos como o do art. 5º., I, que permite aos pais, não apenas ao "pai", emancipar o filho; do art. 1567, que prescreve ser direito-dever de ambos os cônjuges a condução da família, tarefa antes exercida pelo "cabeça do casal"; ou ainda do art. 1630, onde se fala em poder familiar, não mais "pátrio poder". No tocante às formas de constituição de família, dignos de realce são os arts. 1723 e ss., que aludem à figura da convivência. Tais disposições afinam-se com a linha de pensamento adotada pelas legislações ocidentais na disciplina da família.

Tais dispositivos fundam-se no princípio da dignidade da pessoa humana, aqui já referido e positivado no art. 1º., III, do Texto de 1988. A família é um núcleo que se organiza a partir da afeição e que se destina à busca de objetivos comuns. Entre o casal se estabelece uma comunhão de interesses, dos quais a criação dos filhos é um dos vértices. Na família, a criança e o adolescente têm sua formação e nela terão as primeiras noções sobre a vida gregária, as noções sobre o certo e o errado, o justo e o injusto, o individual e o coletivo. O ambiente familiar deve ser propício à auto-realização de cada um de seus membros. Marido e mulher, companheiro e companheira, pais e filhos, todos têm na família um espaço para o exercício dos direitos de personalidade. Na ordem anterior, a família, como instituição, era superior aos seus componentes; agora, superiores são seus membros, considerados em sua individualidade.
☞ Quaisquer discriminações estão, destarte, vedadas. A mulher não pode exercer seu verdadeiro papel de mãe e esposa se o Direito a põe numa situação de mera coadjuvante na administração da família; os filhos não encontrarão seu real espaço se tratados desigualmente, como até 1988 ocorria. As crianças de hoje já não crescem ostentando o estigma de "filho ilegítimo", "filho adulterino" ou "filho sacrílego", dentre outras nomenclaturas não menos desairosas e que, em alguns casos, comprometiam gravemente o desenvolvimento de sua personalidade. Também já não se discrimina a união entre homem e mulher não casados, pois, na proteção que se confere à família, não se pode levar em conta sua forma de constituição, mas sim o interesse dos que dela participam.
☞ A busca pela ordem social, tendo como um de seus vértices a revaloração da família, confere contornos publicistas ao instituto. Por isso o Estado interveio e, sob a premissa de que a família é merecedora de sua espacial proteção (CF, art. 226, caput), atraiu para si determinadas funções, como a do planejamento familiar gratuito (CF, art, 226, § 7º).

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