Tema: PRINCÍPIOS DO REGIME DE INSOLVÊNCIA
1 –
Conceito de Princípio
- A
palavra “princípio” vem do latim “principium”, que significa, numa
acepção vulgar, início, começo, origem das coisas. E segundo Luís Diez Picazo citado por
Bonavides[1]
a palavra princípio “designa as verdades primeiras”, e
também, têm os princípios, de um lado, “servido de critério de inspiração às leis ou
normas concretas desse Direito positivo” e, de outro, de normas obtidas
“mediante
um processo de generalização e decantação dessas leis”.
- Em
relação aos princípios, os mesmos diferem das regras, segundo a teoria
clássica, constituindo-se em espécies de normas jurídicas, de modo que a
distinção entre eles constitui uma distinção entre duas espécies de normas
jurídicas. A regra é editada para ser aplicada a uma situação jurídica
determinada, enquanto que os princípios, por serem genéricos, comportam uma
série indefinida de aplicações.
2 –
Conceito de Regime de Insolvência
- A expressão regime de insolvência, no Direito Português se refere a falência, razão pela qual no país
lusitano entrou em vigor o Código de Recuperação e Insolvência de Empresa -
CIRE, aprovado pelo Decreto-Lei n. 53/04. Por conseguinte, infere-se que as
expressões regime de insolvência ou regime de falência ou processo de falência, em síntese, estão
relacionados ao processo de execução universal denominado de falência. Fato que se confirma pelo
disposto no art.1º, item 1, do CIRE[2], cuja transcrição segue in
verbis:
“Artigo 1.º: (omissis)
Finalidade do processo de insolvência
1 - O processo de insolvência é um processo de
execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma
prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da
empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure
possível, na liquidação do patrimônio do devedor insolvente e a repartição do
produto obtido pelos credores.(...)” (grifo nosso)
- No Direito Empresarial pátrio os princípios do regime de insolvência
estão relacionados aos denominados princípios
do novo regime de falência e recuperação de empresas. Princípios estes, que
são os seguintes:
I - O princípio da viabilidade da empresa, como
critério distintivo básico entre a recuperação e a falência;
II - O princípio da predominância do interesse
imediato dos credores;
III - O princípio da publicidade dos
procedimentos;
IV - O princípio da par contidio creditorum;
V - O princípio da conservação e maximização dos
ativos do agente econômico devedor; e
VI - O princípio da preservação da atividade
empresarial.
3.1 - O
princípio da viabilidade da empresa, como critério distintivo básico entre a
recuperação e a falência
- A Lei nº 11.101/05 disciplina como
requisito para a concessão da recuperação, a viabilidade da empresa, sendo esta
o conjunto de condições que permitem que
a atividade empresarial seja desenvolvida sustentavelmente.
- Segundo Luis Fernando Valente de
Paiva[3], a viabilidade da empresa se
constitui na demonstração das condições que possibilitam a mesma continuar
existindo.
- A empresa é viável, de acordo com Alessandra
Doumid Borges Pretto e Dary Pretto Neto[4], quando exerce suas atividades em
um ambiente baseado na isonomia, na concorrência, livre de abusos econômicos
que permitam o desenvolvimento de sua atividade econômica. Os referidos
autores entendem que os fundamentos da empresa devem ser sólidos, fazendo com
que o motivo causador da crise seja decorrente de falha de planejamento,
ocorrência de crise econômica sazonal ou reversível, ou seja, que a superação da crise da empresa seja possível
através da recuperação judicial.
3.2 -
Princípio da predominância do interesse imediato dos credores
- O novo regime de falência e recuperação de
empresas tem, dentre os fundamentos jurídicos, que o interesse dos credores não pode ser identificado como a realização de
pronto de seus haveres.
- Por
desiderato lógico, o processo de insolvência não pode se protrair
indefinitivamente, porém, se faz importante que a satisfação célere dos créditos deve observar os parâmetros da
preferência adequada e de pagamentos satisfatórios.
- Pagamentos satisfatórios são aqueles
que se aproximam do ideal de integral satisfação dos haveres dos credores, vez
que, o objetivo do regime de insolvência é possibilitar a satisfação,
eqüitativamente, das pretensões creditícias.
- Segundo
Waldo Fazzio Júnior[5], mesmo
ante a necessidade de se considerar o interesse social na manutenção ou não do
empreendimento insolvente, o fato é que a
solução proporcional do passivo sempre será o norte do procedimento adotado.
A reestruturação da empresa em dificuldades é instrumental da satisfação dos
credores, desde que observados níveis
mínimos de paridade.
3.3 - O
princípio da publicidade dos procedimentos
-
Segundo Waldo Fazzio Júnior os procedimentos para a solução da insolvência, a
serem realizados no novo regime de
falência e recuperação de empresas, devem ser transparentes, o que
significa não somente a publicidade stricto sensu dos atos processuais,
mas, também a clareza e objetividade na definição dos diversos atos que os
integram.
- O conceito de transparência envolve a
compreensão da ideia de previsibilidade. Transparência
é a palavra que abre as portas de um processo de insolvência eficiente e de
acordo com a lei.
- A estipulação de requisitos, fundamentos e prazos, embora não impeça que ocorra manobras procedimentais e expedientes protelatórios, dificulta
bastante essa prática negativa.
3.4 -
Princípio da par contidio creditorum
- O princípio
da paridade ou par condicio creditorum, trata-se de
um fundamento jurídico que consiste na ideia de assegurar perfeita igualdade
entre os credores da mesma classe. Princípio este, que se constitui na base
lógica do processo falimentar, sendo considerando pela doutrina o mais
importante desse processo.
- É
através do princípio par condicio creditorum que se baliza a proteção ao crédito empresarial. O processo
falimentar tem como interesse mediato esta proteção, instrumento imprescindível
a atividade econômica ele necessita de proteção até quando está desprotegido
como na falência de um devedor151.
- Segundo
Fabio Ulhoa Coelho[6]
“O
tratamento paritário dos credores pode ser visto como uma forma de o direito
tutelar o crédito, possibilitando que melhor desempenhe sua função na economia
e na sociedade. Os agentes econômicos sentem-se menos inseguros em conceder o
crédito, entre outros elementos porque podem contar com esse tratamento
parificado, na hipótese de vir o devedor a encontrar-se numa situação
patrimonial que o impeça de honrar, totalmente, seus compromissos.”
- O princípio
par condicio creditorum, na prática, impede que um determinado credor
receba a integralidade do crédito e o outro não receba nada, vez que, o justo é
que eles recebam o ativo existente proporcionalmente as suas dívidas.
5 - O
princípio da conservação e maximização dos ativos do agente econômico devedor
- O novo regime de falência e recuperação de empresas deve estabelecer
normas e mecanismos que assegurem a obtenção do máximo valor possível pelos
ativos do devedor, evitando a deterioração provocada pela demora excessiva do
processo concursal, priorizando a venda da empresa em bloco para evitar a perda
dos intangíveis.
- A conservação e maximização dos ativos do agente econômico devedor aumenta
as chances de recuperação da empresa em crise, vez que, priorizando-se a venda
da empresa em bloco (para evitar a perda dos intangíveis), se possibilita a celebração
de contratos que gerem renda a partir da exploração dos bens da massa falida,
enquanto esses não forem alienados.
- Segundo os juristas João Pedro
Scalzilli, Rodrigo Tellechea e Luis Felipe Spinelli[7] o objetivo de preservar e maximizar
os ativos do falido, resuta nas seguintes vantagens:
1º) Na regra que permite ao
administrador judicial fazer ele mesmo a avaliação dos bens do falido
arrecadados, se tiver conhecimento técnico para tanto;
2º) Possibilita a avaliação dos bens
em bloco se isso for possível (art. 108);
3º) Permite, em razão dos custos e no
interesse da massa falida, a aquisição ou adjudicação, de imediato, pelos
credores, dos bens arrecadados, pelo valor da avaliação, atendida a regra de
classificação e preferência entre eles, desde que autorizado pelo juiz e ouvido
o Comitê, se houver (art. 111);
4º) Permite, em razão dos custos e no
interesse da massa falida, a aquisição ou adjudicação, de imediato, pelos
credores, na hipótese de venda antecipada dos bens perecíveis, deterioráveis,
sujeitos à considerável desvalorização ou que sejam de conservação arriscada ou
dispendiosa (art. 113); e
5º) Na permissão de celebrar
contratos para gerar renda a partir dos bens da massa (art. 114).
- O princípio da conservação e maximização dos ativos do agente econômico
devedor, na prática, se materializa:
I - Na preferência legal pela venda
do mais abrangente conjunto de bens possível (art. 140), iniciando pela venda
da empresa em bloco, com todos os seus estabelecimentos (art. 140, I);
II - Na alienação da empresa por
estabelecimento (art. 140, II);
III - Na alienação de bens em bloco
(art. 140, III);
IV - E, como última opção, na
alienação individual de bens (art. 140, IV).
3.6 - O
princípio da preservação da atividade empresarial
- Corolário do princípio
da função social da empresa é o princípio
da preservação da empresa.
-
Muito embora o princípio da preservação da empresa não conste como norma
constitucional explícita, ele ganha força como princípio constitucional ao ser extraído dos fundamentos e das
finalidades da ordem econômica, notadamente a partir:
I -
Da atribuição primordial à empresa privada do exercício de atividade econômica
(decorrência da livre iniciativa);
II -
Da previsão de valorização do trabalho (refletida na busca do pleno emprego);
III -
Da vinculação da empresa a uma função social;
IV -
Da compreensão do papel da empresa privada para o desenvolvimento econômico do
país.
-
Nesse sentido, já se pronunciou Carlos Alberto Farracha de Castro[8],
para quem, diante do projeto constitucional de defesa da livre iniciativa e da
valorização do trabalho humano, impõe-se a compreensão de que a preservação da
empresa foi erigida a princípio constitucional, acentuando que “nem todos os princípios constitucionais
estão escritos”.
- O princípio
da preservação da empresa é um fundamento jurídico que consiste na ideia de
que é preciso preservar a empresa para
que ela cumpra sua função social.
- Infere-se do princípio
da preservação da empresa a existência de um interesse público na preservação da estrutura e da atividade
empresarial, isto é, da continuidade das atividades de produção de
riquezas pela circulação de bens ou prestação de serviços, certo de que a
empresa atende não somente aos interesses de seus titilares, sócios, (se
sociedade empresária), e de seus parceiros negociais.
- O princípio
da preservação da empresa consagra a continuidade da empresa, desde
que viável, com vistas a minimizar o impacto social e econômico que o possível
encerramento da atividade negocial acarretaria à sociedade humana.
-
Segundo Fábio Konder Comparato[9]
“é
das empresas que provém a grande maioria dos bens e serviços consumidos pelo
povo, e é delas que o Estado retira a parcela maior de suas receitas fiscais”.
- Ainda,
segundo Fábio Konder Comparato, imperioso é a preservação da empresa, sendo
este o ideário maior do legislador de 2005 e, portanto, um dos motivos
justificadores do Estado intervir na economia através da recuperação empresarial,
afastando a auto-regulação do mercado.
Referência
Bibliográfica
PORTUGAL. Código
de Insolvência e Recuperação de Empresas. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=85&tabela=leis&ficha=1&pagina=1>
BRITO, Renato
Faria. A reorganização e a recuperação das empresas em crise: fundamentos
edificantes da reforma falimentar.
Disponível em: http://www.saoluis.br/revistajuridica/arquivos/004.pdf
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 228-229.
CASTRO, Carlos
Alberto Farracha de. Preservação da empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá,
2010, p.41.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.3., São
Paulo: Saraiva, 2005.
______. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de
empresas. 5. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2008.
COMPARATO, Fábio
Konder. Direto empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995.
DINIZ, Fernanda Paula. A crise do
direito empresarial. Arraes Editores, Belo Horizonte, 2012.
MAMEDE, Gladston.
Falência e Recuperação de Empresas, 3ª Edição. São Paulo: Atlas S.A., 2009.
PAES DE ALMEIDA,
Amador. Curso de Falência e Recuperação de Empresa, 25ª Edição. São Paulo:
Saraiva, 2009.
PAIVA, Luis
Fernando Valente de (Coord). Direito Falimentar e a nova lei de Falências e
Recuperação de Empresas, SP: Quartier Latin, 2005, p.35.
PRETTO, Alessandra Doumid Borges; e NETO,
Dary Pretto. Função Social, Preservação da Empresa e Viabilidade Econômica na
Recuperação de Empresas.
http://antares.ucpel.tche.br/ccjes/upload/File/artigo%20dary%20Alessandra.pdf
SCALZILLI, João
Pedro; TELLECHEA, Rodrigo; SPINELLI, Luis Felipe. Objetivos e Princípios da Lei
de Falências e Recuperação de Empresas.
http://www.sintese.com/doutrina_integra.asp?id=1229
[1] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo:
Malheiros, 2002, p. 228-229.
[2] PORTUGAL. Código de Insolvência e
Recuperação de Empresas. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=85&tabela=leis&ficha=1&pagina=1>
[3] PAIVA, Luis Fernando Valente de
(Coord). Direito Falimentar e a nova lei de Falências e Recuperação de
Empresas, SP: Quartier Latin, 2005, p.35.
[4] PRETTO, Alessandra Doumid Borges; e
NETO, Dary Pretto. Função Social, Preservação da Empresa e Viabilidade Econômica
na Recuperação de Empresas.
http://antares.ucpel.tche.br/ccjes/upload/File/artigo%20dary%20Alessandra.pdf
[5] FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de
falência e recuperação de empresas. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
[6] COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de
Direito Comercial – Direito de Empresa, São Paulo:Saraiva, 2008, volume 3,
11ª edição, págs 244.
[7] SCALZILLI, João Pedro; TELLECHEA,
Rodrigo; SPINELLI, Luis Felipe. Objetivos e Princípios da Lei de Falências e
Recuperação de Empresas. http://www.sintese.com/doutrina_integra.asp?id=1229
[8] CASTRO, Carlos Alberto Farracha de.
Preservação da empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2010, p.41.
[9] COMPARATO, Fábio Konder. Direto
empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, Pág. 3.
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