Publicado em O Estado de São Paulo, no dia 17/05/2011
LIÇÃO DO CONSELHO CONSTITUCIONAL DA FRANÇA
Por Ives Gandra Martins
Idêntica questão proposta ao Supremo Tribunal Federal sobre a união entre pessoas do mesmo sexo foi colocada ao Conselho Constitucional da França, que, naquele país, faz as vezes de Corte Constitucional.
Diversos países europeus, como a Alemanha, Itália, Portugal têm suas Cortes Constitucionais, à semelhança da França, não havendo no Brasil Tribunais exclusivamente dedicados a dirimir questões constitucionais em tese, embora o Pretório Excelso exerça simultaneamente a função de Tribunal Supremo em controle difuso, a partir de questões pontuais de direito constitucional, e o controle concentrado, em que determina, “erga omnes”, a interpretação de dispositivo constitucional.
Pela Lei Maior brasileira, a Suprema Corte é a “guardiã da Constituição” – e não uma “Constituinte derivada” -, como o é também o Conselho Constitucional francês: apenas protetor da Lei Suprema.
Ora, em idêntica questão houve por bem o Conselho Constitucional declarar que a união entre dois homens e duas mulheres é diferente da união entre um homem e uma mulher, esta capaz de gerar filhos. De rigor, a diferença é também biológica pois, na união entre pessoas de sexos opostos, a relação se faz com a utilização natural de sua constituição física preparada para o ato matrimonial e capaz de dar continuidade a espécie. Trata-se, à evidência, de relação diferente daquelas das pessoas do mesmo sexo, incapazes, no seu contato físico, porque biologicamente desprovidas da complementariedade biológica, de criar descendentes.
A Corte Constitucional da França, em 27/01/2011, ao examinar a proposta de equiparação da união homossexual à união natural de um homem e uma mulher, declarou: “que o princípio segundo o qual o matrimônio é a união de um homem e de uma mulher, fez com que o legislador, no exercício de sua competência, que lhe atribui o artigo 34 da Constituição, considerasse que a diferença de situação entre os casais do mesmo sexo e os casais compostos de um homem e uma mulher pode justificar uma diferença de tratamento quanto às regras do direito de família”, entendendo, por conseqüência, que: “não cabe ao Conselho Constitucional substituir, por sua apreciação, aquela de legislador para esta diferente situação”. Entendendo que só o Poder Legislativo poderia fazer a equiparação, impossível por um Tribunal Judicial, considerou que “as disposições contestadas não são contrárias a qualquer direito ou liberdade que a Constituição garante”.
Sem entrar no mérito de ser ou não natural a relação diferente entre um homem e uma mulher daquela entre pessoas do mesmo sexo, quero realçar um ponto que me parece relevante e que não tem sido destacado pela imprensa, preocupada em aplaudir a “coragem” do Poder Judiciário de legislar no lugar do “Congresso Nacional”, que teria se omitido em “aprovar” os projetos sobre a questão aqui tratada.
A questão que me preocupa é este ativismo judicial, que leva a permitir que um Tribunal eleito por uma pessoa só substitua o Congresso Nacional, eleito por 130 milhões de brasileiros, sob a alegação de que além de Poder Judiciário, é também Poder Legislativo, sempre que considerar que o Legislativo deixou de cumprir as suas funções. Uma democracia em que a tripartição de poderes não se faça nítida, deixando de caber ao Legislativo legislar, ao Executivo executar e ao Judiciário julgar, corre o risco de se tornar ditadura, se o Judiciário, dilacerando a Constituição, se atribua poder de invadir as funções de outro.
E, no caso do Brasil, nitidamente o constituinte não deu ao Judiciário tal função, pois nas “ações diretas de inconstitucionalidade por omissão” IMPÕE AO JUDICIÁRIO, APESAR DE DECLARAR A INÉRCIA CONSTITUCIONAL DO CONGRESSO, intimá-lo, sem prazo e sem sanção para produzir a norma.
Ora, no caso em questão, a Suprema Corte incinerou o § 2º do art. 103, ao colocar sob sua égide um tipo de união não previsto na Constituição, como se poder legislativo fosse, deixando de ser “guardião” do texto supremo para se transformar em “Constituinte derivado”.
Se o Congresso Nacional tivesse coragem poderia anular tal decisão, baseado no artigo 49, inciso XI da CF, que lhe permite sustar qualquer invasão de seus poderes por outro poder, contando, inclusive, com a garantia das Forças Armadas (art. 142 ‘caput’) para garantir-se nas funções usurpadas, se solicitar esse auxílio.
Num país em que os poderes, todavia, são de mais em mais “politicamente corretos”, atendendo o clamor da imprensa - que não representa necessariamente o clamor do povo -, nem o Congresso terá coragem de sustar a invasão de seus poderes pelo Supremo Tribunal Federal, nem o Supremo deixará, nesta sua nova visão de que é o principal poder da República, de legislar e definir as ações do Executivo, sob a alegação que oferta uma interpretação “conforme a Constituição.” A meu ver, desconforme, no caso concreto, pois contraria os fundamentos que embasam a família (pais e filhos), como entidade familiar. É uma pena que a lição da Corte Constitucional francesa de respeito às funções de cada poder, sirva para um país, cuja Constituição e civilização - há de se reconhecer - estão há anos luz adiante da nossa, mas não encontre eco entre nós. Concluo estas breves considerações de velho professor de direito, mais idoso do que todos os magistrados na ativa no Brasil, inclusive da Suprema Corte, lembrando que, quando os judeus foram governados por juízes, o povo pediu a Deus que lhes desse um rei, porque não suportavam mais serem pelos juízes tutelados (O livro dos Juízes). E Deus lhes concedeu um rei.
LIÇÃO DO CONSELHO CONSTITUCIONAL DA FRANÇA
Por Ives Gandra Martins
Idêntica questão proposta ao Supremo Tribunal Federal sobre a união entre pessoas do mesmo sexo foi colocada ao Conselho Constitucional da França, que, naquele país, faz as vezes de Corte Constitucional.
Diversos países europeus, como a Alemanha, Itália, Portugal têm suas Cortes Constitucionais, à semelhança da França, não havendo no Brasil Tribunais exclusivamente dedicados a dirimir questões constitucionais em tese, embora o Pretório Excelso exerça simultaneamente a função de Tribunal Supremo em controle difuso, a partir de questões pontuais de direito constitucional, e o controle concentrado, em que determina, “erga omnes”, a interpretação de dispositivo constitucional.
Pela Lei Maior brasileira, a Suprema Corte é a “guardiã da Constituição” – e não uma “Constituinte derivada” -, como o é também o Conselho Constitucional francês: apenas protetor da Lei Suprema.
Ora, em idêntica questão houve por bem o Conselho Constitucional declarar que a união entre dois homens e duas mulheres é diferente da união entre um homem e uma mulher, esta capaz de gerar filhos. De rigor, a diferença é também biológica pois, na união entre pessoas de sexos opostos, a relação se faz com a utilização natural de sua constituição física preparada para o ato matrimonial e capaz de dar continuidade a espécie. Trata-se, à evidência, de relação diferente daquelas das pessoas do mesmo sexo, incapazes, no seu contato físico, porque biologicamente desprovidas da complementariedade biológica, de criar descendentes.
A Corte Constitucional da França, em 27/01/2011, ao examinar a proposta de equiparação da união homossexual à união natural de um homem e uma mulher, declarou: “que o princípio segundo o qual o matrimônio é a união de um homem e de uma mulher, fez com que o legislador, no exercício de sua competência, que lhe atribui o artigo 34 da Constituição, considerasse que a diferença de situação entre os casais do mesmo sexo e os casais compostos de um homem e uma mulher pode justificar uma diferença de tratamento quanto às regras do direito de família”, entendendo, por conseqüência, que: “não cabe ao Conselho Constitucional substituir, por sua apreciação, aquela de legislador para esta diferente situação”. Entendendo que só o Poder Legislativo poderia fazer a equiparação, impossível por um Tribunal Judicial, considerou que “as disposições contestadas não são contrárias a qualquer direito ou liberdade que a Constituição garante”.
Sem entrar no mérito de ser ou não natural a relação diferente entre um homem e uma mulher daquela entre pessoas do mesmo sexo, quero realçar um ponto que me parece relevante e que não tem sido destacado pela imprensa, preocupada em aplaudir a “coragem” do Poder Judiciário de legislar no lugar do “Congresso Nacional”, que teria se omitido em “aprovar” os projetos sobre a questão aqui tratada.
A questão que me preocupa é este ativismo judicial, que leva a permitir que um Tribunal eleito por uma pessoa só substitua o Congresso Nacional, eleito por 130 milhões de brasileiros, sob a alegação de que além de Poder Judiciário, é também Poder Legislativo, sempre que considerar que o Legislativo deixou de cumprir as suas funções. Uma democracia em que a tripartição de poderes não se faça nítida, deixando de caber ao Legislativo legislar, ao Executivo executar e ao Judiciário julgar, corre o risco de se tornar ditadura, se o Judiciário, dilacerando a Constituição, se atribua poder de invadir as funções de outro.
E, no caso do Brasil, nitidamente o constituinte não deu ao Judiciário tal função, pois nas “ações diretas de inconstitucionalidade por omissão” IMPÕE AO JUDICIÁRIO, APESAR DE DECLARAR A INÉRCIA CONSTITUCIONAL DO CONGRESSO, intimá-lo, sem prazo e sem sanção para produzir a norma.
Ora, no caso em questão, a Suprema Corte incinerou o § 2º do art. 103, ao colocar sob sua égide um tipo de união não previsto na Constituição, como se poder legislativo fosse, deixando de ser “guardião” do texto supremo para se transformar em “Constituinte derivado”.
Se o Congresso Nacional tivesse coragem poderia anular tal decisão, baseado no artigo 49, inciso XI da CF, que lhe permite sustar qualquer invasão de seus poderes por outro poder, contando, inclusive, com a garantia das Forças Armadas (art. 142 ‘caput’) para garantir-se nas funções usurpadas, se solicitar esse auxílio.
Num país em que os poderes, todavia, são de mais em mais “politicamente corretos”, atendendo o clamor da imprensa - que não representa necessariamente o clamor do povo -, nem o Congresso terá coragem de sustar a invasão de seus poderes pelo Supremo Tribunal Federal, nem o Supremo deixará, nesta sua nova visão de que é o principal poder da República, de legislar e definir as ações do Executivo, sob a alegação que oferta uma interpretação “conforme a Constituição.” A meu ver, desconforme, no caso concreto, pois contraria os fundamentos que embasam a família (pais e filhos), como entidade familiar. É uma pena que a lição da Corte Constitucional francesa de respeito às funções de cada poder, sirva para um país, cuja Constituição e civilização - há de se reconhecer - estão há anos luz adiante da nossa, mas não encontre eco entre nós. Concluo estas breves considerações de velho professor de direito, mais idoso do que todos os magistrados na ativa no Brasil, inclusive da Suprema Corte, lembrando que, quando os judeus foram governados por juízes, o povo pediu a Deus que lhes desse um rei, porque não suportavam mais serem pelos juízes tutelados (O livro dos Juízes). E Deus lhes concedeu um rei.
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