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AULA DE HERMENÊUTICA JURÍDICA

PROCESSO OU MÉTODO DE INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA

CONCEITO

Segundo João Baptista Herknhoff o método de interpretação sistemático considera o caráter estrutural do Direito, pelo que não interpreta isoladamente as normas;

Carlos Maximiliano ao falar do método de interpretação sistemático ensina:

“Examine-se a norma na íntegra, e mais ainda: o Direito todo, referente ao assunto. Além de comparar o dispositivo com outros afins, que formam o mesmo instituto jurídico, e com os referentes a institutos análogos; força é, também, afinal por tudo em relação com os princípios gerais, o conjunto do sistema em vigor”.

Trata-se de uma técnica que consiste em comparar o dispositivo sujeito à interpretação, com outros do mesmo ordenamento ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto.

Exemplificando, o Capitulo XV, do Código de Trânsito Brasileiro contempla, do artigo 161 ao artigo 255, todas as infrações de trânsito daquele ordenamento jurídico, com as respectivas penalidades e medidas administrativas a elas atribuídas.

Entretanto, o estudo de cada uma das infrações de trânsito existentes no Código de Trânsito Brasileiro, imperioso é concluir pela necessidade da interpretação sistemática para a compreensão de todas as condutas passíveis de serem apenadas, posto que a simples leitura daqueles artigos nem sempre reflete exatamente quais os casos alcançados por eles, ora vinculando a descrição da infração a outro artigo do próprio Código, ora mencionando expressamente ou deixando a entender que se deva observar a regulamentação complementar.

A título de demonstração, convém destacar que algumas infrações de trânsito somente podem ser compreendidas se associadas a outros dispositivos legais.

Nesse contexto, seguem abaixo algumas infrações de trânsito que fazem menção a outros artigos do próprio Código:

1) Artigo 164 - Permitir que pessoa nas condições referidas nos incisos do art. 162 tome posse do veículo automotor e passe a conduzi-lo na via.

2) Artigo 167 - Deixar o condutor ou passageiro de usar o cinto de segurança, conforme previsto no art. 65.

3) Artigo 230, XVIII - Conduzir o veículo em mau estado de conservação, comprometendo a segurança, ou reprovado na avaliação de inspeção de segurança e de emissão de poluentes e ruído, prevista no art. 104.

Nesses três casos não há problemas na compreensão da conduta típica, bastando ao leitor buscar, no artigo expressamente mencionado, a complementação da infração de trânsito específica, diferentemente do que ocorre nos casos a seguir exemplificados, em que não há a clara referência:

1) Artigo 168 - Transportar crianças em veículo automotor sem observância das normas de segurança especiais estabelecidas neste Código.

2) Artigo 181, IV - Estacionar o veículo em desacordo com as posições estabelecidas neste Código.

3) Artigo 230, XV - Conduzir o veículo com inscrições, adesivos, legendas e símbolos de caráter publicitário afixados ou pintados no pára-brisa e em toda a extensão da parte traseira do veículo, excetuadas as hipóteses previstas neste Código.

Nesses exemplos, o leitor do Código de Trânsito deve conhecer os demais artigos para saber quais são os dispositivos que complementam cada uma das infrações, a saber, respectivamente: artigos 64; 48; e 111.

“Art. 64 - As crianças com idade inferior a dez anos devem ser transportadas nos bancos traseiros, salvo exceções regulamentadas pelo CONTRAN.”

“Art. 48. Nas paradas, operações de carga ou descarga e nos estacionamentos, o veículo deverá ser posicionado no sentido do fluxo, paralelo ao bordo da pista de rolamento e junto à guia da calçada (meio-fio), admitidas as exceções devidamente sinalizadas”

Existem outras infrações, porém, em que não vemos nem mesmo a menção a outros artigos do Código, mas faz-se necessário o conhecimento das demais normas de trânsito, para a exata compreensão da conduta típica, como, por exemplo:

1) Artigo 162, III - Dirigir veículo com Carteira Nacional de Habilitação ou Permissão para Dirigir de categoria diferente da do veículo que esteja conduzindo.

Para a constatação do artigo 162, III, devem-se conhecer as categorias de habilitação previstas no artigo 143.

2) Artigo 179, I - Fazer ou deixar que se faça reparo em veículo na via pública, salvo nos casos de impedimento absoluto de sua remoção e em que o veículo esteja devidamente sinalizado, em pista de rolamento de rodovias e vias de trânsito rápido.

Para a exceção do artigo 179, I, há a necessidade da leitura do artigo 46, complementado pela Resolução do CONTRAN nº 36/98.

3) Artigo 230, IX - Conduzir o veículo sem equipamento obrigatório ou estando este ineficiente ou inoperante.

No caso dos incisos IX e XIV do artigo 230, para sabermos quais são as exigências aplicáveis, devemos nos remeter ao artigo 105, complementado pela Resolução do CONTRAN nº 14/98.

Até mesmo para a compreensão de artigos que parecem extremamente simples, do ponto de vista redacional, necessitará o hermeneuta de conhecimentos sistemáticos para a perfeita aplicação ao caso concreto, senão vejamos os três últimos exemplos desta nossa análise:

1) Artigo 196 - Deixar de indicar com antecedência, mediante gesto regulamentar de braço ou luz indicadora de direção do veículo, o início da marcha, a realização da manobra de parar o veículo, a mudança de direção ou de faixa de circulação.

2) Artigo 198 - Deixar de dar passagem pela esquerda, quando solicitado.

3) Artigo 208. Avançar o sinal vermelho do semáforo ou o de parada obrigatória.

Quais são os gestos regulamentares de braço? Quais são as formas de solicitação para que se dê passagem pela esquerda? E, finalmente, quais são os sinais de parada obrigatória?

Por meio da interpretação sistemática, quanto aos gestos de braço do condutor, os mesmos são contemplados pelo Anexo II do CTB.

Para a solicitação de passagem pela esquerda, existem duas formas legalmente estabelecidas: a troca de luz baixa e alta, de forma intermitente e por curto período de tempo (artigo 40, III) e o toque breve de buzina, desde que fora das áreas urbanas (artigo 41, II). E, por incrível que pareça, o CTB não estabelece apenas a placa R-1 (PARE) como sinal de parada obrigatória, mas também elenca o gesto do agente (com o braço levantado e a mão espalmada) e o som de apito (2 silvos breves).

Relembrando, a Interpretação sistemática ou interpretação sistêmica ocorre quando o operador do direito ler um artigo de lei ou da constituição levando em conta outros artigos de outras leis que tem uma relação de conteúdo com o primeiro artigo.
Ex.:

Está escrito na Constituição Federal, art. 5º, § 2º que os direito e garantias expressos no texto dela, constituição, não excluem outros, ou os tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

O Pacto de San Jose da Costa Rica assegura o direito aos recursos, independentemente de qualquer condição (art.8 alínea h).

O art. 594 , do CPP, antes de ser revogado, estabelecia que, após o Juiz prolatar a decisão de condenação do réu no Tribunal do Júri, caso o Réu manifeste interesse em recorrer, este deveria se recolher a prisão, ou seja, a norma condicionava o direito de recorrer do réu.

Por sua vez, o art.595, do CPP, dizia que, caso o Réu fugisse, uma vez preso, o recurso por ele interposto, deveria ser julgado deserto.

Questiona-se: Qual das normas, acima citadas, deve ser aplicada?

Ao realizar essa indagação se está realizando uma interpretação sistemática, haja visto que foram analisadas normas da Constituição Federal , do Código de Processo Penal e da Convenção Internacional Pacto de San Jose da Costa Rica.

CONSIDERAÇÕES GERAIS

- Na técnica de interpretação sistemática o interprete não pode desconsiderar que os dispositivos legais se interdependem e se inter-relacionam, vez que as fontes formais (no caso a lei) do direito devem ser analisadas em conexão e, de forma nenhuma, tal análise pode ser efetivada de modo isolado.

- O resultado da interpretação sistemática é concluir se uma norma jurídica é cogente ou dispositiva, principal ou acessória, comum ou especial.

“Normas de ordem pública — um tipo de situação da qual se fala tanto — que são as COGENTES: estas continuam, sem problema. O problema real do conceito indeterminado de ordem pública é quando se fala em "princípio" de ordem pública e não em "regra" de ordem pública.
A regra de ordem pública é a cogente, mas, quando se fala em princípio e que aí não tem definição, a tendência hoje é recusar esse emprego vago. Na verdade, deve-se fazer a distinção entre ordem pública de direção — que era aquela econômica, própria da primeira metade do século — e a ordem pública de proteção às pessoas mais fracas — que se reflete em normas cogentes. A ordem pública de direção, hoje encarada como princípio, está limitada à dignidade humana. Quando alguma norma, alguma decisão, algum contrato quebra a dignidade humana, podemos dizer que ela quebra o princípio de ordem pública; mas daí extravasar para uma ordem pública de ordem econômica já não está no mundo de hoje.”

Norma jurídica dispositiva - a norma dispositiva, também chamada facultativa, é aquela que se limita a declarar direitos, autorizar condutas ou atuar em casos duvidosos ou omissos. É a norma que Paulino Jacques denomina paracoercitiva ou jus dispositivum, cuja invocação é optativa.

- A técnica de interpretação sistemática tem por objetivo ampliar os horizontes do hermeneuta

- No contexto da interpretação sistemática é importante citar o Direito Comparado, que se trata de uma ciência jurídica que utiliza a mencionada técnica, comparando, confrontando, examinando textos legais pátrios com as legislações estrangeiras.


Referência bibliográfica:

HERKENHOFF, João Baptista. Como aplicar o direito: à luz de uma perspectiva axiológica, fenomenológica e sociológica política. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19 ed. Rio de janeiro: Forense, 2003.

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito: de acordo com a Constituição de 1988. 32. Edição, Revista e atualizada de acordo com o Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002, Rio de Janeiro, Forense, 2010.

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