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AULA DE HERMENÊUTICA

CONFLITOS ENTRE REGRAS JURÍDICAS E ENTRE PRINCÍPIOS JURÍDICOS

01. Conflitos entre Princípios. E conflitos entre Regras

► Em se tratando de conflito de regras jurídicas, a solução obtém-se no plano da validade, ao passo que, em conflito entre princípios, conjugam-se validade e peso.

02. Conflitos de Regras - para entender a questão dos conflitos entre as regras jurídicas é necessário um estudo a cerca do conteúdo (sentido). E segundo o jurista italiano Norberto Bobbio a norma jurídica apresenta basicamente três conteúdos, que são os seguintes:

I – Conteúdo Imperativo: determinam certa conduta;

II – Conteúdo Proibitivo: vedam certa conduta;

III - Conteúdo Permissivo ou Dispositivo: autorizam certa conduta.
► Seguindo a lição de Bobbio, haverá antinomia (conflito) entre normas jurídicas:

1º)Quando uma norma ordena fazer algo e outra norma proíbe fazê-lo;

2º)Quando uma norma ordena fazer algo e outra norma permite não fazê-lo;

3º)Quando uma norma proíbe fazer algo e outra norma permite fazê-lo.

► Por outro lado, importa considerar que, para se configurar a antinomia, é indispensável que, além do conflito prescritivo acima exposto, estejam presentes duas condições:

I - As normas devem ser do mesmo ordenamento jurídico;

II - Devem ter o mesmo âmbito de validade, dentre os quatro possíveis (temporal, espacial, pessoal e material).

► Efetivamente configurada a antinomia, as soluções serão diversas, segundo se trate de regras ou de princípios.

No caso do conflito entre regras jurídicas, e em face destas estabelecerem “fixações normativas definitivas”, haverá conflito de validade, a impor o julgamento de que uma das normas não poderá ser aplicada ao caso concreto. E quando essa situação ocorrer, poderá será necessário a utilização dos conhecidos critérios de solução de antinomias, abaixo discriminados:

1º)Critério Cronológico (lex posterior derogat priori);

2º)Critério Hierárquico (lex superior derogat inferiori);

3º)Critério da Especialidade (lex specialis derogat generali).


02.1. Conflitos de Princípios
► De modo diverso, em se tratando de conflito de princípios, a solução não se dará por meio de juízo de validade, mas de concordância prática, de ponderação. Como os princípios envolvem essencialmente pautas axiológicas de conduta (standards), caberá ao intérprete-aplicador, no caso concreto, optar por aquele que melhor tratamento dê ao fato. Nenhum dos princípios em conflito será considerado inválido, mas um deles cederá, naquele caso, em favor de outro, que incidirá. Poderá, eventualmente, até ocorrer hipótese em que ambos os princípios sejam aplicados, com atenuações e concessões mútuas.

Exemplo: Sobre os questionamentos acerca da possibilidade de nomeação de parentes para cargos em comissão no serviço público brasileiro. Por um lado, o art. 37, caput, da Constituição brasileira de 1988 estatui como um dos princípios da administração pública o da moralidade. Por outro, o inciso II, in fine, do mesmo dispositivo, estabelece que os cargos em comissão são de livre nomeação e exoneração.
Se um agente público nomeia, por exemplo, o filho, para ocupar cargo em comissão, qual norma incidirá?

Solução possível seria a de concluir pela preservação de ambas as normas constitucionais mediante harmonização no caso, no sentido de que, embora os cargos em comissão sejam mesmo de livre nomeação, esta deve obedecer ao princípio da moralidade, que impediria ser o cargo ocupado por parentes da autoridade.

DIREITO INTERTEMPORAL

01. DIREITO INTERTEMPORAL - complexo de normas destinadas a resolver os conflitos de leis no tempo. Por conseguinte, são essas questões que interessam ao Direito Intertemporal. E toda a matéria de direito intertemporal, parte de um conceito fundamentalmente estruturado na essência do próprio ordenamento jurídico: o Princípio da Irretroatividade das Leis.

02. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS
► Não é apenas uma regra imposta pelo juiz, a quem é vedado atribuir à lei efeito retro-operante. O problema do direito intertemporal consiste na indagação se a lei tem efeito retroativo, não podendo ser aplicada em caso afirmativo. Nesta indagação, em face de uma lei nova que substitui com o seu domínio a lei anterior, existem três hipóteses:

1ª)a primeira compreende os fatos que já produziram efeitos sob a lei anterior;

2ª)a segunda aparece, quando os efeitos dos fatos ocorridos na vigência da lei anterior se estendem pelo período subseqüente à sua revogação;

3ª)a terceira entende-se com a continuidade de fatos interligados, que vêm ocorrendo desde o domínio da antiga lei e ainda se verificam no tempo da vigência da lei atual, em curso de produção de efeitos.
► Esta análise dos problemas de direito intertemporal vai receber o impacto de numerosas teorias que podem ser distribuídas em dois grupos:

1º)teorias subjetivistas, que encaram o problema em face dos direitos subjetivos individuais;

2º)teorias objetivas, que procuram resolvê-lo sob aspecto das situações jurídicas criadas pela lei.

03. O DIREITO INTERTEMPORAL NO DIREITO BRASILEIRO

O direito brasileiro tem seguido, quase uniformemente, uma só orientação, desde a Constituição do Império de 1824, até a Constituição Federal de 1988, todas ditando com exceção da Carta de 1937, a regra da irretroatividade ao próprio legislador.

A Lei de Introdução ao Código Civil em seu artigo 6º determina que a lei em vigor tem efeito imediato e geral, respeitando sempre o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

04. ATO JURÍDICO PERFEITO - é o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. É o ato plenamente constituído, cujos requisitos se cumpriram na pendência da lei anterior, e que fica a cavaleiro da lei nova.

05. DIREITO ADQUIRIDO NO DIREITO BRASILEIRO - é a situação jurídica que alguém incorpora ao seu patrimônio econômico ou moral, de tal modo que nem lei, nem fato posterior possa alterá-la.

06. COISA JULGADA - diz-se coisa julgada a situação, juridicamente imutável criada por uma sentença contra a qual não caiba mais recurso. Ou ainda, é a decisão judiciária de que já não caiba recurso. A coisa julgada é inatingível por uma lei posterior, material ou formal.

06.1. ESPÉCIES DE COISA JULGADA

06.1.1. Coisa Julgada Formal, quando diz respeito apenas a um processo, valendo a imutabilidade apenas no âmbito do processo no qual foi a sentença proferida.

06.1.2. Coisa Julgada Material, quando a imutabilidade transcende os limites do processo, prevalecendo relativamente a qualquer outro.

Exemplo de coisa julgada formal:

As sentenças que extinguem o processo de execução, posto que neste não é posta em juízo questão a ensejar sentença de mérito.

Exemplo de coisa julgada material:

Quando a sentença tenha apreciado o mérito da controvérsia, e sua imutabilidade, portanto, implique impedimento ao reexame desta, em qualquer processo.

07. REPRISTINAÇÃO - significa restaurar, restabelecer, renovar, recolocar no estado anterior.

► Ver o art. 2º, § 3º, da Lei de Introdução ao Código Civil, o qual diz "Revogada a Lei revogadora não restaura a Lei revogada, salvo se for expresso, mesmo que seja compatível com a próxima Lei revogadora, a não ser que seja restaurada expressamente.”

08. REPRISTINAÇÃO DA LEI - do italiano ripristinare, reconstituir, voltar, retornar. Consiste na restauração expressa de uma lei revogada, promovida por outra, denominada lei repristinatória.

Exemplo: a lei A é revogada pela lei B; surge a lei C, que revoga a B.

Pergunta-se: a lei A volta a ter vigência?

Resposta: Nosso direito positivo é claro a respeito, por intermédio da LICC, art. 2º, § 3º, a lei A não se restaura, por ter a lei revogadora B ter perdido a vigência

09. LEI REPRISTINATÓRIA - lei que revoga uma lei revogadora, isto é, uma lei que por sua vez havia revogado uma outra.

09.1. EFEITO REPRISTINATÓRIO DA LEI
►O adjetivo repristinatório significa retorno ao passado e, como tal, envolve a restauração de um dispositivo legal anteriormente revogado.

A partir disso, já se pode indagar se uma lei revogatória de outra teria o condão de fazer com que os dispositivos revogados pela primeira ficassem automaticamente revigorados.

Por exemplo: a lei nº 1 é revogada pela lei nº 2. Surge uma terceira lei, que revoga a de nº 2.

Pergunta-se: ficam revigorados os dispositivos da lei nº 1?

Resposta: Não, pois nosso direito positivo é incisivo a respeito. Assim, é necessário que haja a intenção patente do legislador para a restauração da norma revogada, enfim, uma declaração expressa.(Art. 2º, § 3º, LICC)

10. VIGÊNCIA - do latim "vigentia", significa qualidade de vigente ou tempo durante o qual uma coisa vige ou vigora.

Início - a lei começa a ter vigência, se na publicação não mencionar, após 45 dias da sua publicação

Duração - as leis são temporais, limitadas quanto à sua necessidade.

Cessação - as leis são permanentes, até que ocorra sua modificação ou revogação (ab-rogação - derrogação).

APLICAÇÃO DA LEI NO ESPAÇO

1. CONCEITO DE TERRITORIALIDADE
Art. 1º, da LICC - "Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada".

► O conflito de leis no espaço é disciplinado pelo chamado Direito Interespacial ou Direito Internacional Privado.

2. Qual seria, em tese, o âmbito espacial de vigência de uma lei?

Resposta - o território do Estado.

3. O que é o território do Estado?

Resposta - O território do Estado, elemento material deste, pode ser definido como o âmbito geográfico da jurisdição do Estado ou a base física que delimita a jurisdição do Estado, ou ainda a área física ideal em que o Estado exerce jurisdição sobre pessoas e coisas.

►O conceito de território não se confunde com o conceito de país.
► A palavra território envolve um conceito jurídico, ao passo que a expressão país envolve um conceito meramente geográfico.
► A origem da palavra território reside no latim terreo, territo, isto é, atemorizo, como que a denunciar o poder do Estado exercido num âmbito necessariamente geográfico. O vocábulo território, portanto, não se refere apenas à porção do solo, da terra, da base estritamente física na qual se assenta o Estado.

► O conceito de país relaciona-se com a geografia; podemos dizer, em tal sentido, que o país chileno ou boliviano são montanhosos, em razão de serem atravessados pela Cordilheira dos Andes.

► A palavra território envolve, portanto, uma conotação simplesmente jurídica, pois ele inclui, em seu âmbito, não apenas uma área física, material, porém, também, ideal. Além do território continental ou insular apresentado nos mapas, o conceito de território inclui o espaço aéreo, até uma altitude limite de 600 km, o mar territorial, cuja largura, no Brasil, abrange 200 milhas contadas a partir da baixa-mar, os navios e aviões em alto-mar, os navios e aviões de guerra em qualquer parte, as embaixadas, as colônias etc., e outros dados que apenas a fictio juris (ficção jurídica) poderia explicar.

04. Princípios sobre os conflitos surgidos na aplicação de leis concorrentes peculiares a Estados diversos:

04.1. Princípio da Personalidade, também denominado Princípio da Extraterritorialidade, o qual afirma que o interessado pode invocar a lei de seu país onde quer que se encontre.

04.2. Princípio da Territorialidade - afirma que se deve aplicar a todas as pessoas e coisas situadas no território de um país o direito deste país (lex non valet extra territorium).

04.3. Princípio da Ultraterritorialidade - é a possibilidade de aplicação da lei de um país a atos ilícitos ocorridos fora de seu território, desde que previsto em convenção ou tratado internacional.

05. DOUTRINAS SOBRE O CONFLITO DE LEIS NO ESPAÇO

05.1. Doutrina da Territorialidade Absoluta – defende a aplicação a todo e qualquer indivíduo ou coisa situados, num dado momento, em certo Estado, a lei deste Estado, sem limitações de espécie alguma, com total repúdio à lei estrangeira

05.2. Doutrina da Extraterritorialidade Ilimitada - sugere, em seu radicalismo, duas variantes, ao permitir a escolha da lei extraterritorial que se há de aplicar, a qual poderá ser a lei nacional(nacionalidade do indivíduo), vale dizer, a lei da nação de que for o indivíduo, ou a domiciliar(lei do lugar em que a pessoa for domiciliada), isto é, a lei do Estado em que o indivíduo for domiciliado.

06. DOUTRINA DA TERRITORIALIDADE MODERADA
► O moderno Direito Internacional Privado tem adotado essa doutrina, que exclui do Princípio da Lei Territorial o estado e a capacidade das pessoas, o direito de família e de sucessões, que ficam, assim, regidos pela lei pessoal.

► A LICC adota a lei do domicílio (artigos 7º e 19, da LICC).

► No caso de Direito Público prevalece o Princípio da Territorialidade

07. CRITÉRIOS PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS SOBRE LEIS NO ESPAÇO EM RELAÇÃO AOS DIREITOS PRIVADOS

1º)O lugar em que o ato for realizado ou em que o fato ocorreu, determina a lei que os rege (Princípio Locus Regit Actum).

2º)O lugar em que a coisa se encontrar determina a lei a ela aplicável (Princípio Lex Rei Sitae)

3º)Quanto aos contratos, é mansa e pacífica a doutrina quanto à determinação, pelas próprias partes, do estabelecimento da lei que os rege. Mas, em caso de silêncio da partes, deve predominar o lugar em que forem celebrados.

08. LIMITAÇÃO À APLICAÇÃO DA LEI ESTRANGEIRA

► É majoritário o entendimento, não só em relação à legislação, mas, também, segundo os Princípios Gerais de Direito, que a lei estrangeira é inaplicável quando contrária à ordem pública e aos bons costumes.

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