1)Teoria da Relação Jurídica
O Direito regula o convívio. Regula relações interpessoais, ordenando, proibindo ou permitindo. Daí a relevância jurídica dos atos humanos devidos (ordenados ou proibidos) ou permitidos.
Ordenam-se, proibem-se ou permitem-se atos a benefício da comunidade, de grupos, ou de indivíduos determinados ou indeterminados. Chamam-se relações jurídicas as relações interpessoais reguladas pelo Direito.
No estudo do Direito verificam-se a existência de regras de conduta, que disciplinam algumas relações sociais, influenciando o comportamento dos indivíduos, razão pela qual essas relações, que tem relevância para o Direito são chamadas relações jurídicas.
Nesse contexto, convém registrar o ensinamento do Professor Aroldo Plínio Gonçalves[1], ao lecionar que a teoria clássica da relação jurídica, proveniente do Direito Civil, “construiu-se sobre a idéia de que é ela um enlace normativo entre duas pessoas, das quais uma pode exigir da outra o cumprimento de um dever jurídico” (2001, p. 74). Por isso, então, poder se falar em uma divisão entre “sujeito ativo” e “sujeito passivo” na relação.
Contudo, lembra o citado jurista, que se deve concordar com o Professor André Leal, o qual lembrando Kelsen (1999), leciona que o conceito de relação jurídica não pode ser compreendido como um vínculo originado da vontade das partes, mas sim “uma conexão de normas que determinam a conduta dos indivíduos” (Gonçalves, 2001. p. 81).
Ainda, acerca da relação jurídica, convém lembrar que ela formada pelos sujeitos ativo e passivo, pelo vínculo e, por fim, pelo objeto da relação.
2)Direitos da Personalidade. Noção. Conceito.
Segundo Antonio Paulo Barca, em seu artigo “As situações subjetivas existenciais e o direito civil”, baseado em doutrina de Gustavo Tepedino, ensina que os direitos da personalidade são frutos de construção doutrinária recente, surgida na segunda metade do século XX, sendo que nessa nomenclatura (direitos da personalidade) estão compreendidos os direitos atinentes à tutela da pessoa humana, considerados essenciais à sua dignidade e integridade[2].
Antonio Paulo Barca, citando Tepedino, no artigo supracitado, diz “(...) que a personalidade, identificando-se com a titularidade de direitos, não poderia, ao mesmo tempo, ser considerada como objeto deles; sendo, portanto, uma contradição lógica (Tepedino, 2004: 25)”.
E continua o citado articulista, dizendo “A vida, a saúde e a honra não se enquadrariam na categoria do ter, mas do ser, o que os tornaria incompatíveis com a noção de direito subjetivo. Vista desta forma, a proteção jurídica da personalidade não se revestia de características do direito subjetivo. O ordenamento reagia contra danos injustos a tais bens, através do princípio de não causar danos a outrem, ou seja, reflexos do direito objetivo (responsabilidade civil)”.
Mudou o paradigma, ou seja, a conceituação, o objeto e o conteúdo dos direitos da personalidade, antes baseado no paradigma dos direitos patrimoniais passou a se basear no paradigma da pessoa humana.
Maria Celina B. Moraes[3], citada por Antonio Paulo Barca[4], diz que: “Diante da nova Constituição e da proliferação dos chamados microssistemas, como, por exemplo, a Lei do Direito Autoral, e recentemente, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor e a Lei das Locações, é forçoso reconhecer que o Código Civil não mais se encontra no centro das relações de direito privado. Tal pólo foi deslocado, a partir da consciência da unidade do sistema e do respeito à hierarquia das fontes normativas, para a Constituição, base única dos princípios fundamentais do ordenamento.”
3)Situações jurídicas subjetivas.
Na visão do saudoso professor Miguel Reale[5], situações subjetivas são momentos de uma relação jurídica. São frações temporais de uma relação interpessoal regulada pelo Direito. Supõem-se um ato, devido ou permitido, e dois sujeitos, um dito ativo e outro, passivo. Sujeito ativo não é necessariamente aquele que pratica o ato, mas aquele que, na situação jurídica, encontra-se na posição subordinante. Simetricamente, sujeito passivo é aquele que se encontra na posição subordinada, em relação ao ato considerado. A subordinação é estabelecida pelo Direito a benefício de quem pratica o ato, a benefício de terceiro ou da comunidade.
Exemplo: Situação de crédito e débito
É melhor fazer referência a situações subjetivas de crédito, e não em direitos subjetivos de crédito, por causa da dinâmica das relações jurídicas.
Por essa razão, o comodato compreende apenas uma obrigação, a cargo do comodatário, que deve devolver a coisa emprestada. Isso não é inteiramente verdadeiro, porque, apresentando-se o comodatário ao comodante, para devolver a coisa emprestada, surge para o comodante o dever de recebê-la. A aceitação constitui, aí, ato devido pelo comodante.
Supõem-se, segundo Miguel Reale, na situação subjetiva de crédito, duas pessoas, um credor e um devedor, e um ato (positivo ou negativo) imposto ao devedor. O credor é o sujeito ativo dessa relação, porque é seu o interesse que é tutelado pela norma que impõe a prática (ou omissão) do ato. É a essa situação que se refere à doutrina que vê no direito subjetivo um interesse juridicamente protegido.
Exemplo: Situação de poder e sujeição. Supõem-se, na situação poder e sujeição, duas pessoas e um ato. Sujeito ativo, no caso, é a pessoa que pode (ou deve) praticar o ato; sujeito passivo, aquele que sofre os efeitos do ato. O ato é praticado a benefício da comunidade, de um grupo de indivíduos, de pessoa determinada ou indeterminada, ou do próprio titular do poder. No caso de poder-dever, há duas situações subjetivas relativas ao mesmo ato, uma de crédito, correspondente ao dever, em relação ao beneficiado pelo ato; a outra, de poder, em relação ao que sofre os efeitos do ato. O que caracteriza a posição do sujeito passivo é a circunstância de sofrer os efeitos do ato, nada importando que seja por ele prejudicado ou beneficiado.
OS DIREITOS FORMATIVOS[6]: constituem espécie de poder e sujeição. Define-se direito formativo como o poder de influir, mediante declaração de vontade, sobre a condição jurídica de outro, sem o concurso da vontade deste. Não coincidem os conceitos, porque o ato, a que se refere à situação de poder e sujeição, pode ser um ato de força. É o caso, por exemplo, do hospedeiro ou do locador, que aprende bens do hóspede ou do locatário, para a constituição de penhor legal.
COMPARATIVO DAS DUAS SITUAÇÕES[7]
Na situação de crédito e débito, considera-se a relação existente entre aquele que deve praticar o ato (devedor) e aquele que é beneficiado pelo ato (credor).
Na situação de poder e sujeição, considera-se a relação existente entre aquele que pratica e aquele que sofre os efeitos do ato, desconsiderando-se o beneficiado, que tanto pode ser o titular do poder, quanto um terceiro ou até mesmo aquele que sofre os efeitos do ato.
Exemplo:
Quando um pai castiga (moderamente) seu filho, este sofre os efeitos do ato, ainda que seja castigado "para seu bem".
No caso de poder-dever, há duas situações subjetivas, relativas ao mesmo ato: uma, de poder e sujeição; a outra, de crédito e débito.
Um ato único pode envolver três sujeitos: aquele que o pratica, o que lhe sofre os efeitos e o beneficiado.
Em consequência, há três relações a considerar:
1)A que se estabelece entre o que pratica e o que sofre os efeitos do ato;
2)A relação entre o que pratica o ato e o beneficiado;
3)E, finalmente, a relação entre o que sofre os efeitos do ato e o beneficiado. Desconsideramos esta última relação, porque ela é simples reflexo de uma das anteriores. Não se trata, pois, de uma situação fundamental, mas de uma situação derivada ou reflexa.
►O zero como situação jurídica, ou seja, a situação ou estado de liberdade.
Ocorre quando entre dois sujeitos não há relação jurídica, porque ela ainda não surgiu ou porque se extinguiu, não se cogitando de ato que possa ou deva ser praticado por qualquer deles.
4)Situações jurídicas existenciais
Trata-se de uma categoria que foi introduzida por Pietro Perlingieri, renomado civilista italiano, que ao tratar dos direitos da personalidade, lecionava que são situações subjetivas não patrimoniais merecedoras de tutela[8] qualitativamente diferenciada, por se tratarem de questões atinentes à condição existencial do homem, pessoa humana, posto no vértice do ordenamento jurídico.
O conceito de situação jurídica subjetiva, proposto por Pietro Perlingieri, permite a dissociação dos argumentos de cunho patrimonialista, elevando os direitos da personalidade como valor.
Referência bibliográfica:
BARCA, Antonio Paulo. As situações subjetivas existenciais e o direito civil. Revista Consultor Jurídico, 16 de dezembro de 2007. Site Consultor Jurídico.
MORAES, Maria Celina Bodin de. A Caminho de um Direito Civil Constitucional. Publicado na Revista Estado, Direito e Sociedade, vol. I, 1991.
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Introdução ao Direito Civil Constitucional. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 259
TEPEDINO, Gustavo. A Tutela da Personalidade no Ordenamento Civil – constitucional Brasileiro in Temas de Direito Civil / Gustavo Tepedino (coordenador). 3ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
Notas
[1] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e Teoria do Processo. Rio de Janeiro: AIDE, 2001.
[2] TEPEDINO, Gustavo. A Tutela da Personalidade no Ordenamento Civil – constitucional Brasileiro in Temas de Direito Civil / Gustavo Tepedino (coordenador). 3ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2004. Pág. 25
[3] MORAES, Maria Celina Bodin de. A Caminho de um Direito Civil Constitucional. Publicado na Revista Estado, Direito e Sociedade, vol. I, 1991. Pág. 4.
[4] BARCA, Antonio Paulo. As situações subjetivas existenciais e o direito civil. Revista Consultor Jurídico, 16 de dezembro de 2007. Site Consultor Jurídico.
[5] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 259
[6] REALE, Miguel. Obra já citada.
[7] REALE, Miguel. Obra já citada.
[8] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Introdução ao Direito Civil Constitucional. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2002. Pág. 90.
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