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AULA DE DIREITO EMPRESARIAL 3 (ANTIGO DIREITO COMERCIAL 3)

REGRAS DE TRANSIÇÃO DA LEI DE FALÊNCIA PARA A LEI DE RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL E RECUPERAÇÃO JUDICIAL

- As regras de transição da lei de falência para a lei de recuperação extrajudicial e recuperação judicial se constitui em tema jurídico que envolve o direito intertemporal.

- No tocante ao direito intertemporal, o saudoso mestre Caio Mario da Silva Pereira[1] ensinava:

O problema do direito intertemporal consiste na indagação, se a lei tem efeito retroativo, não podendo ser aplicada em caso afirmativo. Nesta indagação, cumpre apurar, em face de uma lei nova que substitui com o seu domínio a lei anterior, como encontrou ela as situações jurídicas surgidas no império da lei caduca, e três hipóteses há: a primeira compreende os fatos que já produziram os seus efeitos sob a lei anterior; a segunda aparece, quando os efeitos dos fatos ocorridos na vigência da lei velha se estendem pelo período subseqüente a sua revogação; a terceira entende-se como a continuidade de fatos interligados, que vem ocorrendo desde o domínio da lei caduca e ainda se verificam no tempo de vigência da lei atual, em curso de produção de efeitos.”

- A Lei de Introdução ao Código Civil, por meio de seu art. 6º, já com a redação da Lei nº3.238/57 disciplina que:

"A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada".

- Segundo as regras do direito intertemporal, embora caduco, o Decreto-lei nº 7.661/45 ainda será aplicável na fase de transição, e da mesma forma a nova Lei, que também se aplicará a determinadas hipóteses, em processos iniciados sob a vigência da lei anterior.

- Considerando a possibilidade de existência de conflitos intertemporais, há que se evitá-los, visando a celeridade processual, consoante preconizado no parágrafo único do art. 75 e, também, no art. 79, todos da Lei nº 11.101/2005.
Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.

Parágrafo único. O processo de falência atenderá aos princípios da celeridade e da economia processual.

(...)

Art. 79. Os processos de falência e os seus incidentes preferem a todos os outros na ordem dos feitos, em qualquer instância.”

- O jurista Caio Mario[2], ainda sobre as regras de direito intertemporal, discorre:

(...) os direitos adquiridos, oriundos de fatos que se realizam por inteiro em consonância com a lei velha ao tempo de sua vigência, e se incorporaram definitivamente no patrimônio do sujeito não são alcançados pela lei nova, e, portanto, continuam a reger-se pela lei antiga, que, desta sorte, estende o plano de sua eficácia por um tempo ulterior ao momento em que é revogada. As expectativas de direito, isto é, aquelas situações ou relações aderentes ao individuo, provenientes de fato aquisitivo incompleto, e, por isso mesmo, não integradas em definitivo ao seu patrimônio, são atingidas sem retroatividade pela lei nova, que passa a discipliná-las desde o momento em que começa a vigorar. Igualmente são reguladas pela lei moderna as faculdades legais, que haviam sido instituídas pela lei morta, mas de que não havia o individuo feito uso, embora estivesse à seu alcance.” (grifo nosso)

- No caput, do art. 192, da Lei nº 11.101/05, está escrito:

Art. 192. Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto nº 7.661, de 21 de junho de 1945.”

- O art.192 contém 5 (cinco) parágrafos, nos quais estão contidas as exceções, típicas das disposições transitórias, criando as controvérsias que deverão ser solucionadas pelas normas e princípios do direito intertemporal.

- No § 1o, primeira parte, do art. 192, da Lei nº 11.101/05 está escrito: "fica vedada a concessão de concordata suspensiva nos processos de falência em curso". Essa norma tem uma razão lógica, vez que, antes da entrada em vigor da Lei nº 11.101/05, qualquer requerimento de concordata suspensiva poderia ser concedido por sentença (art. 177 e seguintes, do Decreto nº 7.661/45).

Art. 192 - Omissis.
§ 1º - Fica vedada a concessão de concordata suspensiva nos processos de falência em curso, podendo ser promovida a alienação dos bens da massa falida assim que concluída sua arrecadação, independentemente da formação do quadro-geral de credores e da conclusão do inquérito judicial.

- Se faz necessário ressaltar que, até a entrada em vigor da Lei nº 11.101/05, a concordata suspensiva tinha de estar definitivamente concedida, não sendo suficiente mero requerimento neste sentido.

- Atenção: Caso a sentença de concessão, ou de indeferimento, da concordata ainda não houvesse transitado em julgamento até o dia 09.06.2005, data de vigência da Lei nº 11.101/05, o processo deve prosseguir sob a regência da lei antiga (Decreto nº 7.661/45), respeitadas as regras processuais pertinentes. Isto por que, assim ocorrendo, seria uma hipótese de continuidade de fatos interligados que vem ocorrendo desde o domínio da lei caduca e ainda se verificam no tempo de vigência da lei atual, em curso de produção de efeito[3].

- Na segunda parte do §1o, do art. 192, da Lei nº 11.101/05, está expresso que pode ser "promovida a alienação dos bens da massa falida assim que concluída sua arrecadação, independentemente da formação do quadro geral de credores". Norma esta, que tem fundamento no princípio da celeridade processual.

- A segunda parte do §1o, do art. 192, da Lei nº 11.101/05 contém determinação legal, a qual se fez necessária para, objetivamente, abranger todas as falências em curso, que somente poderiam realizar seus ativos depois de decidido o Inquérito Judicial, o qual, por sua vez, dava início ao prazo para requerimento da concordata suspensiva. Ademais, com a publicação do Quadro Geral de Credores, busca-se adiantar em anos a finalização das falências existentes, e para as novas decretações de falência se terá uma elevação no rateio dos credores, pois a realização far-se-á com ativo em boas condições, muito antes de estarem corroídos pelo tempo.

- Na primeira parte do § 2o, do art. 192, da Lei nº 11.101/05 está expresso que "a existência de pedido de concordata anterior à vigência desta Lei, não obsta o pedido de recuperação judicial pelo devedor que não houver descumprido obrigação no âmbito da concordata". Norma jurídica que tem por finalidade a criação de ambiente e oportunidade para a recuperação das empresas.

- À época da vigência do Decreto nº 7.661/45 as empresas em concordata, cujo instituto não respondia mais aos anseios da modernidade, não tinham a possibilidade de utilizar legislação mais moderna.

- O § 2o, do art. 192, da Lei nº 11.101/05 há de ser interpretada levando-se em consideração a definição legal do art. 47, onde está escrito: "a superação da situação de crise econômico-financeira" para permitir a "manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores", dos "interesses dos credores" para se alcançar a "preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica".

- A interpretação do § 2o, do art. 192, da Lei nº 11.101/05, deve respeitar o disposto no art. 5o, da Lei de Introdução ao Código Civil "na aplicação da lei, o juízo atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".

Art. 192 - Omissis.
(...)
§ 2º - A existência de pedido de concordata anterior à vigência desta Lei não obsta o pedido de recuperação judicial pelo devedor que não houver descumprido obrigação no âmbito da concordata, vedado, contudo, o pedido baseado no plano especial de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte a que se refere a Seção V do Capítulo III desta Lei.”

- Para entendimento da mudança que se operou com o § 2o, do art. 192, da Lei nº 11.101/05, foi a possibilidade conferida ao concordatário, que em face do inadimplemento de qualquer obrigação assumida (infringência, pura e simples), não podia se valer da recuperação judicial.

- O § 2o, do art. 192, da Lei nº 11.101/05, também, dispõe que é vedada qualquer transposição da concordata para recuperação judicial, ao estabelecer que se tratando de "plano especial de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte à que se refere à seção V do capitulo III desta Lei" (arts. 70, e seguintes da Lei nº 11.101/2005).

- Interpretando o§ 2o, do art. 192, da Lei nº 11.101/05 constata-se que o legislador ignorou a realidade do imenso universo das microempresas e empresas de pequeno porte na economia nacional, distanciando-se de qualquer enfoque social ou econômico, ao vedar o acesso das mesmas ao plano de recuperação judicial que, assim, não encontram amparo legal, devendo solucionar suas dificuldades no âmbito da Lei antiga.

- O § 3o, do art. 192, da Lei nº 11.101/05, por sua vez, determina claramente que "se deferido o processamento da recuperação judicial, o processo de concordata será extinto". Norma esta, da qual se infere que, durante certo tempo, existirão dois processos:

I - Processo da concordata em andamento (que deverá ser extinto); e
II – Processo do pedido de recuperação judicial em recuperação (que se iniciou).

Art. 192 - Omissis.
§ 3º - No caso do § 2º deste artigo, se deferido o processamento da recuperação judicial, o processo de concordata será extinto e os créditos submetidos à concordata serão inscritos por seu valor original na recuperação judicial, deduzidas as parcelas pagas pelo concordatário.”

- Atenção: Há que se intuir, ante o silencio legal, que prevalecerá a regra geral de competência, isto é, o foro da concordata tem sua competência preventa, eis que se tratam da mesma empresa e dos mesmos credores, sendo correto admitir-se que o juízo que decretará a extinção da concordata, deverá ser o mesmo que sentenciara a homologação da recuperação judicial, pois tem a mesma competência, ante o disposto no art. 106, do CPC, eliminando-se desta forma qualquer possibilidade de conflito decisório.

- Ainda no § 3o, do art. 192, da Lei nº 11.101/05, está escrito que "os créditos submetidos à concordata serão inscritos por seu valor original na recuperação judicial, deduzidas as parcelas pagas pelo concordatário". Esta norma disciplina que é tudo seja decidido e analisado pelo mesmo juízo que, até fisicamente, conhece ambos os processos, facilitando a solução equânime e sem conflito quanto a sentenças diversas, envolvendo as relações entre o devedor e o credor, sob o mesmo tema.

- Atenção: Na hipótese de eventuais impugnações de crédito, porventura não julgadas em definitivo no âmbito da concordata, segundo os conceitos de direito intertemporal, devera sê-lo pelo mesmo juízo, dentro do rito da lei antiga, e só aí inscritos pelo valor original na recuperação judicial. Situações estas, que ao se pleitear a transposição deverão ser devidamente explicitadas e, se o caso, fizeram parte do plano de recuperação.

- Atenção: A Lei nº 11.101/05, na redação do § 3o, do art. 49, prevê: "Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o parágrafo 4o. do art. 6o. desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais à sua atividade empresarial".

- Antes da edição do § 3o, do art. 49, da Lei nº 11.101/05, os credores privilegiados não estavam sujeitos à concordata, podendo, livremente, valerem-se dos seus direitos, inclusive, e especialmente, os credores hipotecários, a qualquer tempo. Em outras palavras, o credor hipotecário foi excluído do § 3o, do art. 49, da Lei nº 11.101/05. Exclusão que tem fundamento no descrédito do instituto da hipoteca como garantia real, pelas conhecidas dificuldades na sua execução para recebimento de débito, diferentemente do que ocorria na concordata, onde sempre foi soberano.

- O § 4o, do art. 192 da Lei nº 11.101/05 define que se "aplica as falências decretadas em sua vigência" sejam resultantes de convolação de concordatas em falências ou mesmo de pedidos de falências.

Art. 192 - Omissis.
(...)
§ 4º - Esta Lei aplica-se às falências decretadas em sua vigência resultantes de convolação de concordatas ou de pedidos de falência anteriores, às quais se aplica, até a decretação, o Decreto –Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, observado, na decisão que decretar a falência, o disposto no art. 99 desta Lei.

 - Interpretando o § 4o, do art. 192, da Lei nº 11.101/05, infere-se que no momento em que referida legislação entrou em vigor, toda e qualquer falência será regulada por suas disposições, seguindo os ditames da rápida e eficiente realização de ativos, e do rápido pagamento aos credores, evitando-se a eternização dos processos falimentares.

- Interpretando o § 4o, do art. 192, da Lei nº 11.101/05, verifica-se que aludida legislação determina, também, que o rito processual para a decretação da falência, naquelas situações pré-existentes à sua vigência, será regulada pela Lei antiga (Decreto nº 7.661/45), evitando-se, com este dispositivo, eventuais alterações de regras num momento de extrema dificuldade para a empresa devedora.

Atenção: Nas falências decretadas após o início da vigência da Lei nº 11.101/05, mesmo que o respectivo processo (de falência ou a convolação de concordata em falência) seja anterior, ao ser decretada a quebra, desde logo há de ser obedecido o art. 99, que, em seus itens I a XIII, contém todas as determinações que deverão ser cumpridas, visando, entre outros objetivos:

a) Dar publicidade ao fato;

b) Prevenir atos de disposição;

c) Decretar a prisão preventiva, se as circunstancias específicas recomendarem, nomeando também o administrador judicial.

- O § 5o, do art. 192, da Lei nº 11.101/05, por sua vez, determina:

Art. 192 - Omissis.
(...)
§ 5º - O juiz poderá autorizar a locação ou arrendamento de bens imóveis ou móveis a fim de evitar a sua deterioração, cujos resultados reverterão em favor da massa.”




Referência Bibliográfica

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COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.3., São Paulo: Saraiva, 2005.

______. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. 5. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2008.

COMPARATO, Fábio Konder. Direto empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995.

DINIZ, Fernanda Paula. A crise do direito empresarial. Arraes Editores, Belo Horizonte, 2012.

MAMEDE, Gladston. Falência e Recuperação de Empresas, 3ª Edição. São Paulo: Atlas S.A., 2009.

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PRETTO, Alessandra Doumid Borges; e NETO, Dary Pretto. Função Social, Preservação da Empresa e Viabilidade Econômica na Recuperação de Empresas. http://antares.ucpel.tche.br/ccjes/upload/File/artigo%20dary%20Alessandra.pdf

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[1] PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil Forense. São Paulo, 2000. p.167.
[2] PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil Forense. São Paulo, 2000. p.98.
[3] FERRAZ, Luiz Augusto de Souza Queiroz. In PAIVA, Luiz Fernando Valente de (coord). Direito Falimentar e Recuperação de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.655-656.

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